Entrevista: Tom Zé

foto por rogério von krüger

Quem não ama, ou melhor, como não amar Tom Zé? Esta instituição da música brasileira, em atividade musical há seis décadas, exala jovialidade do alto de seus 84 anos e não tira seus olhos do momento em que está vivo. Com a mesma atenção que compunha e gravava nos anos 1960, ele trabalha no século 21.

Prova disso é Tribunal do Feicebuqui, disco lançado em 2013 após a repercussão negativa nas redes de uma propaganda que o músico fez para a marca Coca Cola. Era uma época em que o uso de redes sociais ainda era relativamente recente, e as movimentações eram ainda mais curiosas – e um tanto mais ingênuas – do que os linchamentos e cancelamentos de hoje em dia. Enfim, sua resposta foi fazer graça em forma de música acompanhado de uma nova geração da cena independente: Emicida, O Terno, Trupe Chá de Boldo e Filarmônica de Pasárgada.Bom, hoje, o que me dá prazer de ouvir o disco é que ele é bastante bem-humorado e vai buscar as coisas geralmente nos seus avessos.

Oito anos após seu lançamento, a obra finalmente chega às plataformas de streaming. E foi nesse contexto que o músico trocou emails com o Música Pavê para falar sobre o disco e como ele lhe é percebido hoje.

Música Pavê: Oito anos separam Tribunal do Feicebuqui de seu lançamento e sua chegada às plataformas de streaming. Como é para você escutar hoje esse disco?

Tom Zé: Bom, hoje, o que me dá prazer de ouvir o disco é que ele é bastante bem-humorado e vai buscar as coisas geralmente nos seus avessos.

MP: Eu penso que essas músicas mostram como Tom Zé se mantém um artista muito ligado ao seu tempo e ao que está acontecendo no agora – algo que nem todos conseguem sustentar por tantas décadas. Como você enxerga a sua participação na música de hoje já há tanto tempo?

Tom Zé: Depois que o Tropicalismo se deu por encerrado, a primeira expressão musical pela qual me interessei foi a que aconteceu imediatamente depois: O rock dos anos 70. Pra generalizar mais esse procedimento é melhor trazer aqui como foi minha educação musical na infância: Nos anos 40 e 50 a Rádio Nacional do Rio de Janeiro talvez pudesse ser comparada, hoje, com uma televisão bem sofisticada. Sua principal matéria de vida eram os grandes cantores da época. Eu os acompanhava com entusiasmo e depois tive uma surpresa bem interessante, quando a Nacional, por seus intérpretes, se pôs a recordar músicas dos anos 20 e 30. Eu ia ouvindo e pensava, muito admirado: “Nossa, como esse País pode fazer música boa há tanto tempo já?!”. Isso se repete agora quando eu vivencio uma grande admiração pelos músicos atuais, sejam de samba, pop, sejam de punk, hip-hop. Nada melhor para dar um exemplo do que o  inacreditável Emicida, que participa do disco. Também trabalharam comigo nele Tatá Aeroplano, O Terno, de Tim Bernardes, a Filarmônica de Pasárgada de Marcelo Segreto, a Trupe Chá de Boldo de Marcos Ferraz, o próprio produtor, Marcus Preto. É uma convivência que lembro com muita saudade. Eis como eu me ligo ao passado e ao que é roubado do futuro. 

MP: Da mesma forma, como é para você revisitar hoje em dia os primeiros discos da sua carreira? O que o distanciamento pelo tempo te ensina sobre aquelas obras?

Tom Zé: Os discos de minha carreira são hoje muito valorizados, principalmente pela crítica internacional. O jeito que eu vou fazendo música, em cada ocasião, não está obrigatoriamente concatenado com o momento. São sonhos e um acirrado trabalho que fui e vou transformando  em sons. Em paralelo, acaba de sair uma biografia,  Tom Zé – O Último Tropicalista,  de Pietro Scaramuzzo, escritor da Itália, cuja edição em português foi feita pelo Sesc, tradutora Silvana Cobucci e editor Thiago Lins. Pessoalmente, alguns discos me levam até às lágrimas. É o caso de Estudando a Bossa

MP: Voltando ao Tribunal, os participantes do disco seguiram rumos muito interessantes ao longo dos anos seguintes, como Emicida e O Terno. Como é para você poder acompanhar de perto essa nova geração da música brasileira?

Tom Zé: Ah, sim. Já respondi aí em cima. 

MP: O que a música feita hoje em dia tem de melhor, ao seu ver?

Tom Zé: Também já falei sobre meu amor pelo pop, hip-hop, samba, funk etc.

MP: Eu tive a oportunidade/privilégio de ver um show seu com repertório desse disco e, lembrando daquele dia, gostaria de saber: Do que você mais tem sentido falta, agora durante a pandemia, de poder fazer shows?

Tom Zé: Estou trabalhando muito, durante a quarentena! Eu tinha no disco Imprensa Cantada uma canção chamada Língua Brasileira. A canção inspirou Felipe Hirsch, uma águia de diretor teatral, a fazer um musical  e aí o mundo vira de cabeça pra baixo: ele se liga a intelectuais de toda a natureza, voltados para a nossa língua, e se cria um universo inimaginável de viagens linguísticas, através de civilizações, invasões, permeadas por árabes, africanos, orixás. Discute discursos iorubás, e Deus nos acuda!

MP: Para terminar, como tem sido a quarentena de Tom Zé?

Tom Zé: Estou trabalhando tanto, durante a pandemia, que não tenho nem tempo de ser pandemista. Vivo mais a tristeza dos sofrimentos irmãos.

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