Entrevista: Titãs
Sejamos francos: É impossível pensar no que seria da música brasileira recente sem Titãs. Para além de ser o ninho de onde voaram nomes como Arnaldo Antunes, Nando Reis, Paulo Miklos e Charles Gavin, a banda está encravada no repertório de quem nasceu e cresceu no país, tendo suas letras reproduzidas de trilhas sonoras a versões tocadas por músicos em esquinas e bares por aí.
Prestes a tocar como atração do Prudence Fest no domingo, 1º de dezembro (Dia Mundial da Luta contra a Aids)(mais informações abaixo), Tony Bellotto conversou com o Música Pavê por telefone sobre o legado do grupo, desafios criativos e tocar em festivais.
Música Pavê: Ao ver seu repertório ao longo das últimas três décadas, é interessante notar como Titãs sabe dosar bem um conteúdo pessoal e sensível nas letras por um lado e, no outro, perspectivas sócio-políticas.
Tony Bellotto, Titãs: Faz sentido. Acho que a essência tanto de um tipo de música quanto de outro é sempre por um viés individual. Mesmo as músicas sobre um contexto social são sempre narradas por um indivíduo, um olhar particular e pessoal sobre o assunto.
MP: Pois é. Isso foi algo que surgiu ao longo das composições e vocês foram percebendo ou existiu a intenção de escrever assim?
Tony: Não, a gente nunca teorizou isso. No começo, as composições iam surgindo de uma maneira bem intensa. No segundo disco, Televisão (1985), a gente começou a ter a ideia de ter um conceito para o disco. Ele tinha essa coisa de que cada música era como se você mudasse de canal, com assuntos diferentes. E no Cabeça Dinossauro (1986), a gente conversou um pouco mais sobre a intenção do disco, mas isso foi a partir das canções que tínhamos. Fomos percebendo que elas apontavam para uma coisa e vimos a cara que o disco teria. Aí, começamos a compor pensando em nisso. Mas a gente nunca foi muito de teorizar antes das coisas serem feitas. A gente trabalha muito em função do sentido clássico da inspiração mesmo – as ideias vão pintando e vão surgindo as canções. A gente vai definindo o conceito em função do que elas estão apontando. A única vez que isso mudou mesmo foi na ópera rock recente, Doze Flores Amarelas (2018), quando a gente já começou a compor em função de uma ideia. Mas era um projeto específico, os discos anteriores foram como eu te falei.
MP: Como é montar os shows hoje em dia? Vocês levam em conta o que as pessoas mais querem ouvir ou pensam também nas letras que elas “precisam” escutar em determinado momento? Pergunto isso porque são tantas músicas que a palavra nem é “repertório” mais, Titãs tem um verdadeiro “acervo”.
Tony: (Risos) Tem uma adequação em função do que é o show. A gente tem feito a turnê acústica, com uma ideia muito bem definida, tem também esses shows – como este no próximo domingo – em festivais, onde tem gente que tá ali pra ver não só você, mas outras bandas, tem o show elétrico… A gente toca muito em eventos corporativos também. Enfim, a gente tem um repertório básico, digamos assim, e a gente às vezes tira umas músicas e coloca outras de acordo com o perfil do evento. Se é um festival de rock, a gente privilegia as mais pesadas, por exemplo. Às vezes, vai tocar em uma feira, onde as pessoas não estão ali necessariamente pra te ver, aí a gente toca mais os sucessos. Tem umas nuances. Rola um pouco isso do que você falou de ter um equilíbrio mínimo. Tem que ter pelo menos umas sete músicas do Cabeça Dinossauro, que é sempre mais ou menos a espinha dorsal de tudo o que a gente faz. Aí tem os sucessos, como Epitáfio, Sonífera Ilha… e o resto, a gente vai moldando, mais pra cá ou mais pra lá (risos). A princípio, nesse projeto acústico, a gente não tocava Bichos Escrotos, mas as pessoas pediam, ou já começavam a cantar, e a gente incorporou ela no bis.
MP: Você citou tocar em festivais. Temos notado como, ao longo desta década, esse parece ter sido o formato de show mais popular no país. É algo que sempre esteve presente – Rock in Rio é a maior prova disso -, mas os festivais se proliferaram bastante nos últimos anos. Como foi sua experiência, do lado de dentro dessa dinâmica, de observar esse fenômeno?
Tony: A gente observou ao longo do tempo que esse tipo de show funciona melhor, em termos de mercado. Quando não conseguem fazer um festival, os produtores juntam duas ou três bandas e o resultado já é melhor do que shows individuais de cada uma. Isso porque os festivais têm essa característica de serem “eventos”: As pessoas saem de casa sabendo que elas vão participar de algo, não só ver uma banda. Isso mesmo em um momento de crise, em que o rock não aparece mais tanto na mídia como quando a gente começou, e até a própria relevância cultural do rock não é mais a mesma – antigamente, tinha essa coisa transgressora do rock, todo garoto queria ter uma banda, e isso não é mais assim. Ainda assim, os festivais mobilizam muita gente, com uma força que shows de artistas sozinhos não conseguem ter.
MP: Imagino que, para você, esses festivais sejam uma oportunidade também de inevitavelmente ter contato com artistas novos e ver os sons que estão acontecendo hoje.
Tony: É, esses festivais são sempre muito divertidos para quem toca também. Primeiro por essa questão que você disse, de conhecer gente, também de reencontrar amigos do meio que você não vê sempre. A questão do público também, é sempre maior, é evento intenso. E tem casos também como o deste festival de domingo que é o evento estar reunido em torno de uma ideia, de um princípio, que é bem legal. Você faz parte de uma coisa que está defendendo uma ideia, ou fazendo uma comemoração… é bem legal sim.
MP: Voltando ao assunto da ópera rock, assim que Doze Flores Amarelas foi anunciado, eu imaginei que era um grande desafio criativo para vocês também. Daqui de fora, sabemos que Titãs não é uma banda estagnada e está buscando novidades sempre. Mas penso que, às vezes, faz bem para a criatividade dar não um passo em outra direção, mas todo um salto.
Tony: É, exatamente. Cada banda tem uma dinâmica própria de como ela funciona. Às vezes, você está vendo a banda de longe e ela parece, de certa forma, estar sempre fazendo a mesma coisa para repetir o sucesso, mas às vezes ela precisa de mecanismos interiores para se manter viva, relevante e motivada que você nem percebe. Há pouco tempo, quando Samuel Rosa que Skank vai dar um tempo, ele falou de uma insatisfação, de uma necessidade de não deixar a coisa cair em uma coisa burocrática e de buscar novos caminhos. Isso acontece mesmo, e tem bandas que param, outras assumem de cair nessa dinâmica de se reunir só para tocar sucessos, sem um dia a dia criativo… e tudo bem também, se funciona. No nosso caso, a gente sempre precisou muito desses desafios. Desde o começo da carreira foi assim. Quando uma coisa nossa faz muito sucesso, como o Cabeça Dinossauro, ou o Acústico MTV (1997), parece que você chegou em um auge – vendeu pra caramba, todo mundo falando bem de você, os shows estão lotando -, e parece que você não tem para onde ir quando passa tudo isso. Então, você tem que se propor desafios, de fazer algo melhor, ou algo diferente. Nos últimos anos, tem sido cada vez mais difícil encontrar coisas que motivem. Como você falou, a gente tem um repertório muito forte e é claro que, quando a gente vai tocar, as pessoas querem ouvir aquelas músicas que conhecem. E eu também, mas sem ficar reduzido àquilo que a gente já fez. O Nheengatu (2014) foi um disco muito bem sucedido no sentido criativo, um desses que a gente se apoiou em um conceito e foi fundo em assuntos que não são falados na música brasileira – a gente falou de pedofilia em uma canção. Foram desafios criativos muito legais, tratar esses temas no formato de canção. Depois desse disco, a gente não queria repetir essa fórmula, ou nenhuma outra, e surgiu a ideia da ópera rock. Mas a gente sabia desde o começo que era uma ideia na contracorrente do mercado. Hoje em dia, ninguém aposta em músicas inéditas, a gente botou logo 25 inéditas (risos). Foi uma ousadia, mas nos fez muito bem. A gente ficou motivado, compondo com muita vontade de fazer aquilo – o que foi importante para chegar a esse show acústico, em que a gente toca os sucessos, mas a gente tá bem resolvido com estar fazendo coisas novas também.
MP: Pra acabar então, já que estamos falando de novidades, o que você tem observado que a música brasileira de hoje tem de melhor?
Tony: Vejo muita coisa interessante. Sempre gostei muito na música brasileira dessa transgressão natural, que hoje em dia a gente vê muito no funk, de usar uma linguagem considerada chula e fazer coisas com as quais as pessoas se identificam. Gosto muito de um fenômeno como Anitta, porque acho que ela tem um componente muito forte de uma coisa rock’n’roll, aquela sexualidade que ela coloca era a característica principal do Elvis quando ele apareceu, aquela sexualidade quase agressiva (no bom sentido). Acho sempre uma corrente muito positiva da música brasileira. Tem coisas muito legais no rap também, que se aproximam do que a gente fazia no rock nos anos 1980 e 90. E acho que tem muita coisa interessante no rock também, mas essas bandas não estão aparecendo no mainstream – o que é um problema geral, é um momento em que o rock não está aparecendo no meio dessas grandes correntes populares em rádio e televisão. Mas ele sempre surpreende. Quando você menos espera, brota uma coisa como o punk. Ou quando surgiu Bob Marley, por exemplo: O rock estava estagnado e, de repente, vem um cara da Jamaica fazendo uma coisa completamente diferente do rock tradicional e revoluciona o estilo com o reggae. Então, fico atento, porque a qualquer hora tudo pode mudar (risos).
Prudence Fest
Com Iza, Gustavo Mioto, Kevinho, Ludmilla, Gloria Groove, Karol Conká, Fernando & Sorocaba, Titãs e Tiago Abravanel;
De 30 de novembro a 1º de Dezembro, na Audio (SP)
Informações e venda de ingressos: www.prudencefest.com.br
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