Entrevista: Tatá Aeroplano

foto por luiz romero

“Vivo cada vez mais intensamente essa coisa da música. É um vício saudável, né? (Risos)” – Tatá Aeroplano é uma das figuras mais referenciais da música autoral e independente feita em São Paulo na última década (e antes dela também, como integrante da banda Cérebro Eletrônico). Sua relação com o som vai para além da paixão, por isso a brincadeira com o vício” – “Eu tive uma overdose há umas semanas. Fiquei ouvindo música e caminhando da meia noite e meia até quase seis da manhã. Parecia que eu tinha entrado em uma rave interna, fiquei loucaço de música”.

Essa sua vivência musical gerou recentemente este que é seu 14º álbum, Delírios Líricos. Com parte de seu repertório composta em uma só noite no inverno de 2019, o disco reúne várias das características que notamos em sua trajetória, além de sua grande paixão com a música, principalmente no formato de canção. Foi sobre isso a conversa por telefone com o Música Pavê que você pode ler abaixo.

Música Pavê: Com tantos discos já lançados, em projetos diferentes, visualizo uma estética muito própria sua. É uma pegada brasileira de ares interioranos, com um lance psicodélico também. Você enxerga isso?

Tatá Aeroplano: Pois é. Eu sempre compus muito, desde criança, e fui criando cada vez mais com o passar do tempo. A partir do momento que aprendi a co-produzir os discos, virou automático ir para o estúdio e produzir algo de dois em dois anos. E muito dessa minha criação, das letras e das vivências vêm de ter passado uma boa parte da infância no interior, e tenho feito muito “bate e voltas” lá nesses últimos quinze anos. Então, eu acabo mergulhando muito nesse ar interiorano – o que acaba reverberando também nas capas dos discos.

MP: Delírios Líricos revela outra característica muito presente em sua obra, que é a predileção por faixas longas, “sem pressa”. Essas escolhas são conscientes ou as músicas nascem assim naturalmente?

Tatá: Foi natural sim. É uma parada muito louca, porque eu fui muito fã de punk quando era adolescente, era tudo muito curto e eu tinha uma real dificuldade de escutar música longa. Quando fui a São Paulo, aos 17 anos, alguns amigos foram me apresentando Leonard Cohen e Nick Cave, que são autores de músicas em um tempo muito delas, sem muita regra. Com o tempo, fui fazendo músicas de maiores durações também, que se desenvolvem dentro de uma naturalidade.

MP: Queria ouvir também sobre como você desenvolveu esse estilo de letras mais narrativas, que contam de cenas, cenários e personagens ao longo das músicas.

Tatá: Sempre fui muito observador. Quando eu era pequeno, o que eu mais gostava era ficar perto dos adultos conversando, escutando e observando. Com o passar do tempo, comecei a escrever como um observador. Minhas primeiras canções eram simples, pequenas, em uma linguagem próxima ao pop – Raul Seixas foi quem mais me influenciou -, e chegar a esse estilo mais narrativo foi um processo. Passei pela música concreta, influenciado por Arnaldo Antunes, pela música de criação do Tom Zé e Itamar Assumpção, que também é super versátil. Todo encontro com esses artistas me trouxe uma bagagem para experimentar nas composições.

MP: Uma última observação que eu faria sobre suas músicas, neste disco e nos anteriores, é que elas parecem sempre querer me levar para outro lugar ou outra época. Elas sempre me tiram de onde eu estou.

Tatá: É, eu acho que tem essa coisa… A música, em geral, me leva para muitos lugares diferentes, e isso desde que eu era pequeno. Quando estou gravando ou escrevendo, sinto que muita gente que acompanha meu som se relaciona com as canções nesse sentido também – pode ser um deslocamento na temporalidade, seja o passado ou o futuro, ou outro lugar, como o campo. Este disco, especificamente, talvez tenha mais mar e mais rio, e menos cidades. Acho que são as experiências que fui vivendo nos últimos anos. E o que é muito louco é que eu coloco um som para escutar e fico criando esses lugares. Nesse período [de quarentena], passei toda sexta e todo sábado criando discotecagens para mim mesmo. Quando estou fazendo os discos, tenho essa mesma vontade.

MP: Lembro de tantas situações em que já te vi nessa última década, seja em parcerias com outros músicos, fazendo curadorias de shows, discotecando em festas, e te percebo sempre como alguém muito em contato com a música que é feita hoje. Como é para você criar diálogos com o som que é feito hoje em dia e, ainda assim, cultivar um estilo próprio?

Tatá: Acho que, com o passar do tempo e com as experiências de estar criando sempre, entendi que o melhor é trabalhar em coletividade. Fiz seis discos com a mesma galera, o nosso trabalho é de banda. Eles buscam timbres diferentes na bateria, no baixo e na guitarra, e eu tenho uma grande paixão por melodias. Minhas músicas são simples, mas eu vou escutando muitos sons e trazendo elementos novos. Então, na hora de gravar, a gente tem conseguido se desprender do álbum anterior e trazer outra coisa. Isso é porque eu ouço muita música, curto bandas novas e gosto de me inspirar por todo tipo de som. Sou muito aberto para escutar o novo, é tão gostoso isso.

MP: E o que você tem sonhado para quando puder voltar a fazer shows? Como Delírios Líricos será combinado com seu repertório?

Tatá: Vou te contar que, no ano passado, a gente fez tanto show que ele chegou em outro nível, pelo nosso entrosamento no palco. Quando a gente tiver a oportunidade de ir para a estrada de novo, vai ser incrível, porque a gente é muito conectado. A ideia é fazer show do disco inteiro mesmo, com um lançamento que tenha as participações que ele teve, e ir para a estrada com o repertório dos álbuns anteriores. A gente já tem um número de canções para shows longos – já rolaram uns de quase duas horas.

Curta mais de Tatá Aeroplano e outras entrevistas no Música Pavê

Compartilhe!

Shares

Shuffle

Curtiu? Comente!

Comments are closed.

Sobre o site

Feito para quem não se contenta apenas em ouvir a música, mas quer também vê-la, aqui você vai encontrar análises sem preconceitos e com olhar crítico sobre o relacionamento das artes visuais com o mercado fonográfico. Aprenda, informe-se e, principalmente, divirta-se – é pra isso que o Música Pavê existe.