Entrevista: Nobat
Na cena belorizontina, ele tem espaço: já tocou no BH Rock Week e, mais recentemente, no Sofar Sounds. Fora dela, já participou da Virada Cultural de São Paulo pelo Dia da Música e ganhou repercussão na revista Rolling Stone e no jornal Estadão. Nobat, além de produzir seu som, participa de projetos paralelos como o Retalho Cult, idealizado por ele, Luísa Gontijo (Luli) e Tiago Tereza. Os últimos dois, por sinal, também são responsáveis pela consolidação de uma arte independente fortalecida, por meio dos trabalhos que desenvolvem individual e/ou coletivamente. O cantor lançou hoje seu segundo álbum, O Novato, que tem participações importantes, como as de Helio Flanders, Júlia Branco e Tatá Aeroplano, entre outras.
O resultado de O Novato é fruto do trabalho conjunto do artista com Daniel Nunes (Constantina e projeto Lise). A faixa-título, disponibilizada meses antes da estreia, movimentou as redes sociais. A letra impactante e crítica, a musicalidade inteligente e surpreendente, a subjetividade e as sensações controversas que ela causa fazem pensar, assim como todo trabalho assinado por Nobat. Mutável como um camaleão – é perceptível sua capacidade de transitar entre a suave LSD e a psicodélica O Novato -, o cantor deixa claro para o público que curte sua música a importância que dá às parcerias, evidenciando sua paixão pela arte e por quem, assim como ele, a produz.
Música Pavê: O álbum O Novato contou com pílulas nas redes sociais, como fotos e os bastidores em vídeo da produção. Hoje em dia, qual a importância da utilização desses recursos para a divulgação de um trabalho musical?
Nobat: Sim, foi uma maneira de mostrar como o trabalho estava sendo desenvolvido e, também, trazer as pessoas interessadas pra dentro daquilo. A importância das maneiras de divulgação em um trabalho musical são muito subjetivas e cabem de formas distintas dentro de cada projeto. Por se tratar ainda do universo da música independente, a liberdade é muito ampla e cada um desenvolve seus caminhos dentro de suas próprias pretensões e possibilidades, não havendo muito gesso ou modelos a serem seguidos. Dentro das minhas expectativas, busco na arte uma maneira de conexão e de proposição. É desse jeito que me encaixo e é por aí que busco caminhos, junto com as pessoas ao meu redor.
MP: Enquanto um dos idealizadores do Retalho Cult, como você enxerga a importância de projetos que difundem e incentivam a cultura musical?
Nobat: Eu tenho o hábito aquariano de ver mais força na espontaneidade do que necessariamente na importância ou na demanda. Não adianta dizer que é importante que surjam sites e publicações que mirem seu foco na difusão e incentivo da cultura musical se isso não for um feito totalmente espontâneo. Sem vontade, as coisas não acontecem e viram mais um atraso do que necessariamente um suporte. É isso que estamos vendo na mídia tradicional, a propósito, uma tentativa de se reconectar com outros pólos, mas várias vezes isso vem de uma maneira um tanto forçada, o que enfraquece muito o gesto e aquilo que deveria amparar toda uma cena, vira mais um espaço de privilégios inócuos, não contribuem tanto. Uma vez, vi o Fabrício Nobre dizendo uma coisa que vale a atenção: dentro da cultura independente, que é onde eu e Retalho estamos inseridos, o que mais importa é a reputação que você consegue construir e não os lugares aonde você consegue chegar. É por isso que um palco pra música independente em um festival gigante, muitas vezes é uma caridade besta que não dá retorno nenhum a nenhum dos envolvidos, nem artistas, nem produtores. De toda forma, aos que se interessam por acompanhar de perto e fazer uma cobertura/documentação/registro da cena musical brasileira, o que tenho a dizer é que tenho certeza que – caso sejam persistentes e tenham muita vontade nisso, como é o caso dos agentes da cadeia musical – há uma explosão na nova geração de artistas brasileiros na música.
MP: O Novato é o estopim de uma nova fase de sua carreira e um marco de um novo olhar sobre a música? Por quê?
Nobat: Sem dúvidas. O Novato vem como consequência de uma série de experiências no âmbito pessoal que transformaram meu olhar sobre tudo, na verdade. Isso aconteceu porque tive a oportunidade de reler minha vida meio que num mergulho psicanalítico – por assim dizer – muito denso. Revisitei vários momentos da minha existência e entrei num processo muito íntimo de transformação pessoal, o que passava muitas vezes pela loucura, pelo desiquilíbrio completo, pelo exagero em tudo. Mesmo com algumas delicadezas, foi um momento muito importante pra que eu conseguisse me encontrar com algumas questões que me eram muito importantes dentro daquilo a que me proponho ser.
MP: O que você espera com o lançamento e quais são os planos, já confirmados, para a divulgação do projeto?
Nobat: Espero que as pessoas tomem contato com o disco que foi construído com muito carinho ao longo de um tempo razoável (dois anos!) e que compartilhem comigo dessas experiências de modo a me ajudar e ajudar a elas mesmas a construir as próximas. É pra isso que eu fiz esse disco e é por isso que vou lançá-lo. As expectativas em cima disso vão surgir naturalmente, conforme as possibilidades se apresentarem. A princípio, faremos o show de lançamento em Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba, mas estamos tentando montar uma turnê que passe pelo maior número possível de cidades. Montamos uma banda muito foda pra traduzir ao vivo as intenções construídas por mim, Daniel Nunes e todos os músicos que participaram da feitura do álbum no estúdio e estamos empolgados com o que se desenha pela frente. Tudo é novo, sempre.
MP: Quais os conceitos do trabalho visual e gráfico do disco?
Nobat: Uma das coisas que me motivaram muito na feitura dessa obra foi a oportunidade de me conectar à artistas que acompanho e a quem admiro muito, mas pra além disso eu também via a chance de tomar contato com aquelas pessoas e ver o que motiva e de onde vem aquilo que eles constroem em seus trabalhos. Foi assim que convidei o Bruno Nunes que é um artista visual incrível e guitarrista do Constantina, além de ter lançado esse ano ainda o El Conejo, seu projeto solo. A resposta mais adequada pra essa pergunta com certeza pertence a ele que elaborou esse trabalho visual a partir do que percebeu nas músicas, em mim. Tivemos várias trocas por e-mails, conversas por Skype, trocas pessoais, enfim… De toda forma, o que eu percebo naquilo é um universo lúdico e tropical em um ambiente noturno e denso. A delicadeza e o soturno, a liberdade melancólica. Vejo ali um anoitecimento de um imaginário musical popular brasileiro, foi isso que eu disse a ele.
MP: Com o lançamento do disco, você se sente “novato” de alguma forma, em algum contexto?
Nobat: Com certeza, em todos. Sou novato em mim mesmo em performance existencial, artística… Sou novato pra todos os que já me conheciam e agora vão me ver de uma maneira totalmente diferente, novato pr’aquele que nunca ouviu falar de mim. Novato nos contextos da cadeia independente, novato em uma Belo Horizonte que enlouquece, explode e expande suas possibilidades na arte e na vida. É tudo novo e que seja sempre.
MP: Quais são as principais diferenças entre o seu primeiro álbum, Disco Arranhado, e O Novato?
Nobat: As diferenças são todas. Na verdade, o Disco Arranhado foi um disco muito importante pra que eu pudesse iniciar minha participação como artista na minha cidade e em outros contextos, mas ele não foi pensado como álbum e nem mesmo construído como tal. Era tudo muito novo pra mim, não conhecia e muito menos dominava os processos ainda, pensava que fazer música era chegar no estúdio e gravar as canções que eu havia composto e pronto – eu sempre compus muito, tenho mais de 400 músicas inéditas, agora fazer disco é outra coisa. Eu tinha 21 anos e hoje tenho 25. Era um trabalho solo como uma banda fixa, o que foi ótimo pra amadurecer certas questões, mas de alguma forma também proibiu outras que talvez fossem mais necessárias naquele momento. É um disco de rock e eu nunca fui somente roqueiro, nunca tive a fase de vestir preto ou usar coturno. O rock sempre participou das minhas playlists ao lado de outras várias estéticas, nunca me senti prioritariamente roqueiro como vários amigos se sentem ou ao menos já se sentiram em algum momento da vida. Sempre estive muito inserido no ambiente da música popular brasileira, do samba, do hip hop, do rap, da música regional, música clássica, do carimbó, do afoxé, do funk, de tudo que há por aí nessa imensidão, mas caia sempre no lugar do contemporâneo. O Novato é um álbum pensado e formulado por um compositor, um autor digamos. Ele me representa melhor esteticamente em sua pluralidade e é também um álbum arranjado por mim, produzido por mim também, mixado por mim também…. Tem um envolvimento diferente e uma relação totalmente outra. Essa é minha primeira obra concebida, as outras intervenções foram ensaios que foram e são fundamentais pra que tudo permaneça vivo e acontecendo, mas essa é minha primeira obra.
Curta mais entrevistas exclusivas no Música Pavê