Entrevista: Marina Wisnik

Conheci Marina Wisnik através dos amigos da Musicoteca logo após ela ter lançado por lá seu primeiro disco, Na Rua Agora, no primeiro semestre. Ela é uma moça com olhos que parecem estar perdidos no horizonte até a hora em que você começa a conversar come ela, quando seu olhar se transforma em uma concentração que vai além do assunto discutido, como se ela reparasse em detalhes da sua fala que nem você percebeu. Isso é um comportamento que observo em diversos artistas – o que não poderia ser diferente após uma longa trajetória nos palcos como atriz e sua experiência como escritora, além de ter nascido no berço de ouro da cultura paulistana e herdado o sobrenome de seu pai, José Miguel Wisnik. Após alguns meses do lançamento, me encontrei com Marina para um café e conversamos sobre o disco, que teve Marcelo Jeneci na produção, e assuntos relacionados a artes no geral, além de descobrirmos nossas predileções mútuas por Phillip Long e filmes da Disney – mas isso eu conto só aqui na abertura, “em off“. Confira abaixo o que conversamos oficialmente, logo após seu videoclipe.

Na Rua Agora

Música Pavê: Depois de ouvir seu disco, percebo que fica uma “vibe boa”. Ele sabe quando ser denso, tem seus momentos melancólicos, mas é essa a sensação que fica. Era essa a resposta que você esperava?

Marina Wisnik: (pausa) Acho que ele parte de um sentimento de comunhão, de amor ao próximo, ao coletivo. Eu acho que ele tem sim uma melancolia muito sincera. Na Rua Agora, como virou clipe, acabou passando essa imagem, o que eu acho curioso, porque as pessoas tem falado muito da minha “doçura” nas músicas – e eu, pessoalmente, não me vejo como assim tão doce, não me identifico tanto com essa imagem que a música deixou por estar na frente das outras. Eu vejo essas músicas como uma tentativa de elaboração de questões pessoais – e muitas delas densas. Eu vivi coisas muito densas, mas sei que elas se tornaram leves nas músicas.

MP: O trabalho com o Jeneci tem a ver com essa “vibe boa” das músicas?

Marina: A mão do Jeneci traz uma “cara” forte, até porque ele toca em muitos instrumentos de cada música, mas não que essa sensação boa já não estivesse nelas. Acho que é esse um dos pontos em que a gente se identificou tão fortemente e fez ele querer produzir meu disco: a busca da felicidade, fazer algo que não seja… “para poucos”, entendeu? E que tenha um fluxo sincero. Com certeza, ele marca uma presença muito forte.

marina wisnik e marcelo jeneci (por agatha gameiro)

MP: Como foi que você se encontrou na música?

Marina: Eu sempre falo – agora já fazem uns quatro, cinco anos – que quando surgiu essa “coisa”, foi uma surpresa pra mim. Eu não tinha me preparado pra ter isso. Tinha me preparado para ser atriz, eu fiz letras… mas não isso. Eu gostava muito de atuar, tinha uma paixão por teatro, aí de repente descobri uma facilidade e uma capacidade de me expressar com música de uma maneira ainda mais fluida que as outras coisas que eu fazia. Aquilo foi sendo mais interessante tanto para mim, quanto para as pessoas, que começaram a me incentivar muito, daí surgiu a banda, surgiu o Jeneci, eu já tinha músicas que tocávamos com o maior amor, já fazíamos shows por aí… Daí, quando eu percebi, eu já estava pensando em como fazer o disco, daí o fiz e agora que eu está caindo a ficha: “ah, então eu faço música, não faço teatro”. Essas entrevistas são ótimas para a gente ficar entendendo a gente mesmo (risos). Mas foi um caminho natural.

MP: Como o trabalho em teatro e letras contribui à sua criação musical?

Marina: Acho que tudo em que você se aprofunda, seja em qualquer coisa, você tira muito da experiência. Eu fiz teatro por muito tempo e, depois, fui estudar teatro. Construí vários personagens profundamente, entrei no lugar de outras pessoas, senti outros seres, e isso me enriqueceu demais. Então, de alguma maneira, esse imaginário que eu vivi no teatro já flui, me ajuda no processo criativo musical. Quando eu vou escrever algo, aquela experiência me serve. E as letras também. A bagagem de leitura e as reflexões sobre o que é arte vão ajudar você a depois constriur o seu lance com menos ingenuidade. Ou com uma ingenuidade pensada, que é o meu caso. Eu acho que a minha música tem uma simplicidade, mas ela não é leiga. Ela se sabe simples, ela é assim porque ela quer ser assim.

MP: E, em todas essas áreas, você está contando histórias, né? São narrativas.

Marina: É, essas do disco são mais autobiográficas, mas tem uma ou outra que são inventadas. Adoro o caminho do Chico Buarque, por exemplo, em que ele é um cronista. Ele inventa histórias, faz personagens. O Arnaldo Antunes está nessa onda agora também, que eu acho incrível.

foto por web mota

MP: E o seu processo de criar, de compor, como é?

Marina: Varia bastante. Tem vezes em que eu pego o violão, fico tocando, crio uma harmonia, uma melodia, daí faço a letra. Tem vezes em que eu acordo com a música na cabeça, daí eu gravo a música e a letra já juntas. Ou eu tenho a letra já escrita e faço a música, ou o Jeneci me dá uma composição e eu escrevo a letra, ou eu estou tocando com uma galera e nasce dali. A melodia eu consigo fazer em grupo, mas a letra não. Para escrever, eu preciso “de quatro paredes”. E eu escrevo sempre, tenho como se fosse um diário poético. Agora, música, é só quando dá vontade. Quando eu estou precisando, eu faço. A palavra é mais constante.

MP: Você surge no cenário artístico já como “herdeira”. Como foi crescer como artista carregando o sobrenome, com todas as associações ao seu pai?

Marina: Acho que essa questão da filha ela aparece muito mais fortemente na minha vida antes, quando eu não fazia música. Eu sempre tive a sensação de estar em algum lugar e as pessoas perguntarem “Wisnik? Oooh Wisnik”, porque as pessoas tem tanta admiração por ele como ser humano, o artista que ele é, o pensador e tal. Sempre vivi isso. E acho que essa sombra, nesse momento é o que eu menos sinto. Não sei se pelo meu amadurecimento como artista ou por minha música se mostrar diferente da dele por natureza, mas eu não sinto essa presença, que isso me traz um peso. Mesmo, mesmo. Acho que ele traz só coisas boas, sempre foi uma grande referência pra mim, mas tudo sempre foi tão leve que eu não sinto como se eu tivesse um legado pra dar conta, ou como se eu tivesse que responder a algo que o público dele espera, acho que às vezes são públicos diferentes também. Então é muito tranquilo.

MP: Como foi gravar o clipe de Na Rua Agora, o seu primeiro? Você estava interpretando a si mesma ou a música?

Marina: Foi muito estranho (risos). Interpretar você mesma é um processo a se descobrir. A cena inicial, que o Eric (Rahal, diretor) pôs, não foi combinada – ele estava testando a câmera, eu não cogitava que estaria no clipe. Quando eu vi pela primeira vez, não gostei, pedi para tirar, mas aí nada mais combinava e acabei deixando. Foi um clipe muito rápido e muito barato, a gente chegou na [Praça da] Sé (no centro de São Paulo), chamava as pessoas para cantar, já tinha uma galera numa roda em volta e depois tirava foto comigo – aquela energia boa. Depois a cena em que eu saio cantando foi feita em um take, a luz ficou boa, o vento bateu e tal e a gente ficou com ele, foi uma coisa muito rápida. Mas acho que ainda tem muito a se descobrir nesse processo como intérprete de uma música que você fez.

Fim da Estrada

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