Entrevista: Lô Borges

fotos por rodrigo brasil

“Enquanto eu estiver circulando nesse planeta, vai ter música e disco” – com o perdão do spoiler, abro este texto com a frase que é também a sua última. Beirando os 50 anos de carreira, Lô Borges se mantém como um dos nomes mais ativos da música brasileira, assim como – e isso é ainda mais importante – um dos mais relevantes.

Em conversa com o Música Pavê por telefone, ele comenta seu novo disco, Muito Além do Fim, feito em parceria com seu irmão Márcio Borges, e analisa a relevância de seu Clube da Esquina para as novas gerações. Com o bom humor e a prosa que fazem jus à tradição mineira, Lô sabe validar em poucas frases o valor que sua música possui e seguirá possuindo por ainda muitas gerações.

Música Pavê: Me chamou muita atenção como o disco apresenta uma energia e um volume sonoro muito do rock. A sua intenção era dialogar diretamente com essa estética?

Lô Borges: Essa linguagem rock, que eu costumo falar que é ‘música vigorosa e pulsante, está presente na minha vida desde sempre, desde menino, desde que era um garoto que “amava os Beatles e os Rolling Stones” e bossa nova (risos), uma salada muito maluca na minha vida. Em 1964, quando eu tinha 12 anos, surgiu a bossa nova, Beatles e a ditadura militar – duas coisas maravilhosas e uma terrivelmente horrorosa. Na minha cabeça de 12 anos, o rock sempre circulou, ao mesmo tempo que João Gilberto e Tom Jobim. Essa mistura sempre esteve presente. Aí, no disco Clube da Esquina (1972), tem umas pitadas de rock’n’roll, tipo Trem de Doido, com muita guitarra, muita virada de bateria, guitarra com fuzz e distorções… Meus discos de lá pra cá priorizaram menos guitarra e pulsações, e mais harmonias. Mas tem alguns álbuns meus, como o que eu fiz em 2008 chamado Banda, que também tem uma linguagem bem rock. De 2003 a 2021, eu dobrei minha produção musical. Fiz, além do CD, DVD e turnê com Samuel Rosa, eu fiz também com o “disco do tênis” – o meu primeiro álbum solo, que ficou conhecido como “disco do tênis”, mesmo o nome sendo Lô Borges, porque eu tava tão rebelde naquela época que eu não quis nem colocar minha cara na capa, preferi meu tênis surrado (risos) -, que é um disco alternativo, psicodélico, totalmente diferente do que eu tinha feito no mesmo ano (1972). Depois dos 50 anos, dobrei minha produção porque, no século passado, eu era um pouco dispersivo, da boemia, daquela coisa de virar a noite, ficar em bar – o que eu acho legal, mas tem 20 anos que eu não sou o cara da noite mais, não sou aquele mineiro típico da cachacinha com torresmo. Sou um cara mais centrado na minha produção musical, tanto que, nos últimos três anos, fiz três álbuns de inéditas. Me concentrei mais na minha produção como compositor e a coisa que eu mais prezo é música inédita – pegar o desconhecido e materializar, uma coisa que não existe passa a existir. Meu negócio agora é compor, fazer discos um atrás do outro.

MP: A leitura que eu faço dessa sua estética neste disco é que você resolveu abraçar a melancolia desse momento que estamos vivendo, trazer uma energia que comunique com maior honestidade o que temos sentido.

Lô Borges: Você fez uma leitura certa. A minha participação nisso aí é a parte musical, os arranjos mais vigorosos, as composições para arranjos com guitarras, e o Márcio Borges fez as letras que dizem tudo isso que você está dizendo, ele endurece sem perder a ternura. Canções de Primavera tinha tudo pra ser uma bossa nova, mas eu fiz um arranjo pesado, porque ele fala no começo da música: “Só amor eu ponho em meu canto/Não tenho bem mais precioso/Pra quem quer sair da ignorância/O que eu conto é poderoso”. O cara que fala de amor e ignorância em seguida é um gênio, porque ele manda uma porrada (risos). O disco é assim, tem doçura e tem porrada. Tava na hora da gente voltar a compor junto. A gente tem o entrosamento perfeito. Para você ter ideia, nenhuma letra que ele mandou eu tive que alterar uma vírgula ou frase. Parecia que eu que estava escrevendo. Nós temos uma ligação tão forte, sintonia tão forte, que quando ele escreve parece que ele diz tudo o que eu to querendo dizer. Não tem essa dissociação do letrista com o músico. 

MP: Tenho a impressão de que seu trabalho tem um forte teor colaborativo. Este disco foi feito com Márcio Borges e a primeira música é com Paulinho Moska, por exemplo, mas nós conhecemos você em Clube da Esquina, que é uma obra colaborativa por natureza. A maneira com que você escolhe quem vai te acompanhar em discos e músicas mudou com o tempo?

Lô Borges: Deu uma mudada. Não que eu tivesse grande intenção, mas mudou porque a vida mudou, ela é dinâmica. Assim como eu parei com a boemia… eu só compunha com o pessoal do Clube da Esquina no século 20. Chegou no século 21, eu fiz música com Tom Zé, Arnaldo Antunes, Caetano Veloso, Chico Amaral, Nando Reis, Samuel Rosa, Nelson Ângelo e, agora, voltei ao Márcio Borges, um reencontro tão importante com meu irmão com um texto primoroso. O que eu tô querendo dizer é que eu sempre gostei de diversificar minhas parcerias, mas isso foi do século, 21 pra cá, porque antes eram sempre as mesmas pessoas. Mudam as gerações e as estéticas.

MP: Por falar em Clube da Esquina, é interessante notar como é frequente entrevistar bandas e artistas novos que citam esse disco como uma grande referência, quase 50 anos depois de seu lançamento. Por que você acha que a nova geração se identifica tanto com ele?

Lô Borges: Eu acho que é porque, quando fizemos o Clube da Esquina, nós éramos jovens libertários totalmente sem interesses comerciais – “ah, vou ganhar grana”, sabe esse tipo de interesse que move muito o show business? O negócio era fazer arte, música boa doa a quem doer (risos) agrade a quem agradar. Eu jamais podia imaginar que eu estava compondo com Milton Nascimento um álbum que se tornaria histórico e referência para jovens de décadas depois. A coisa foi se multiplicando de pai pra filho, de neto pra avó, e nada foi intencional. O frescor do Clube da Esquina é ele não ter sido forjado em cima de um sucesso fácil, de uma mídia fácil. A gente queria fazer música boa e arte boa. Isso tornou ele um álbum perene, com longevidade. Quem escuta ele hoje percebe que ali tem um espírito despojado, criativo, arte feita com verdade e inspiração.

MP: E como você avalia hoje o repertório do início da sua carreira? Aquelas músicas ganharam novos significados ao longo dos anos?

Lô Borges: É impressionante que, apesar desse um ano sem shows devido à pandemia, eu toco a música que eu fiz nos anos 70, toco Um Girassol da Cor do Seu Cabelol, Trem Azul, como se fossem músicas feitas neste ano. Para mim, elas se renovam a cada execução, a cada arranjo, e a gente descobre que os melhores arranjos são mesmo os originais (risos) eles eram muito criativos – por isso também que eles atraem os mais jovens. E eu toco com um prazer, não fico de bode, não cansei de cantar Girassol, Para Lennon e McCartney, parecem do mês passado. Elas são irmãs da minhas músicas mais novas, são todas do mesmo DNA, da minha emoção.

MP: E quem você percebe ser seu público hoje?

Lô Borges: É diversificado, mas eu não acompanho muito esse levantamento de quem ouve. Acho que o pessoal da minha geração escuta bastante, mas, como você falou, o pessoal mais jovem também. Vovós e netinhos estão escutando.

MP: Se fosse possível você escolher, como gostaria que Muito Além do Fim fosse entendido?

Lô Borges: Eu nem sei o que vão entender, mas eu espero que entendam da mesma maneira que Clube da Esquina: São músicas feitas com inspiração e vontade de fazer um som bom, música legal. Só isso. São feitas com verdade, sem pretensão midiática, showbiz, para o top 5. Minha vida nunca passou por aí, eu sou um músico independente. Mesmo quando eu gravava em multinacionais, eu não me submetia aos diretores artísticos que queriam me transformar num menino cabeludinho que fosse um novo estouro da musica brasileira. No primeiro momento da minha carreira, teve um pouco essa expectativa, esperavam novos “girassóis”, “trens azuis”, “nuvens ciganas”. De repente, eu mandei um disco caótico sem nenhuma musica de apelo comercial, nenhuma música radiofônica. Era psicodélico, alternativo e doidão porque era a minha verdade naquele momento, e é até hoje.

MP: E como é para você se manter ativo depois de tantas décadas na música?

Lô Borges: A música está totalmente incorporada no meu cotidiano. Eu durmo, tomo banho, almoço, lancho, amo… em tudo o que eu faço, a música está presente também. Se eu ficar um dia, uma semana sem compôr, me dá um negócio de ‘que que tá acontecendo, não é possível” (risos). Tive uma experiência bizarra no passado, que eu fiquei um ano sem compor, depois de ter feito clássicos na carreira. Quando tentei voltar, não conseguia, demorava seis meses pra fazer uma. “Puxa, perdi a manha” (risos). A vida de compositor precisa de manutenção. A busca pelo desconhecido, pelo desconhecido, é o meu pão espiritual, é o que dá sentido pra minha vida. Ela é a tradução do que eu sinto no meu dia a dia. Sem música, meu dia ficaria muito sem graça. E como eu não tô a fim de viver sem graça (risos), eu prefiro fazer música. Enquanto eu estiver circulando nesse planeta, vai ter música e disco.

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