Entrevista: Journey

foto por erik kabik

Existe um rock muito específico, de uma simpatia contagiante e uma potência muito envolvente, que nós torcemos para que nunca morra. Desse nicho muito específico dentro do gênero, a banda norte-americana Journey é, sem dúvida, seu maior ícone.

Formado em 1973, o grupo teve seu auge em meados dos anos 1983, mas nunca saiu da cultura pop. Tanto que, décadas depois, seu maior sucesso, Don’t Stop Believing, detém o recorde de música mais baixada no mundo (só no Spotify, ela já ultrapassou um 1.3 bilhão de reproduções). Sem perder seu charme (e, muito menos, sua alta qualidade), Journey lançou recentemente seu primeiro álbum de inéditas em onze anos, Freedom.

Esse foi o assunto principal da entrevista com o guitarrista Neal Schon, membro fundador da banda (e único integrante original na formação atual) ao Música Pavê.

Música Pavê: Este é o primeiro lançamento da banda em onze anos. Por que trabalhar em um novo disco agora?

Neal Schon, Journey: Olha, já estava passando da hora. Nós todos, assim como todo mundo, estávamos presos em casa lidando com os desafios do covid-19. E uma coisa que você pode fazer quando está nessa situação é música para curar o mundo quando o remédio ainda não existe (risos). A música é salvadora, é uma comunicação mundial que todos podemos acessar para estarmos melhores. Comecei então a me ocupar com composições, seja para Journey ou para eu mesmo. Nós não planejamos estar em casa por dois anos, assim como sei que ninguém planejou. Nós costumávamos sair em turnê todos os anos. Não poder fazer isso me fez ir para a guitarra e para os teclados e compor o máximo que eu podia. Foi aí que tudo começou.

MP: “Curar o mundo quando o remédio ainda não existe” – quando escuto uma música como Still Believe in Love, é isso o que eu entendo, que essa é a mensagem que nós precisamos escutar agora. Como foi saber sobre o que cantar nesse disco?

Neal: Sabe, eu não escrevi as letras, mas sinto que Jonathan [Cain] encontrou letras ótimas para as músicas que eu lhe dei. Comecei a tocar teclado durante a pandemia – já tinha tocado uma ou outra coisa antes, mas nunca compus no instrumento – e comecei a usar loops com o teclado e criei o que você ouve no refrão de Still Believe in Love. E antes de compor a parte da guitarra, mandei para Jonathan e ele escreveu o refrão e a letra. Eu disse: “Uau, encaixou perfeitamente”. Ela tem um aspecto calmo, um pouco aéreo, mas também uma vibe meio r&b que Journey nunca fez no passado. Eu não consegui escrever a guitarra para essa faixa, porque eu gostava dela assim, cheia de ar. Na hora de gravar, escutei a música e disse: “Eu não sei o que tocar”. Então, decidi pegar a guitarra e fazer um só take, como se eu estivesse tocando ao vivo. Dei uma de Carlos Santana (risos) e só respondi os vocais, procurando a emoção da música. E ficou incrível, gosto muito dela.

MP: Isso é muito interessante, porque vocês podem hoje experimentar algo novo nas suas músicas mesmo já fazendo isso há tanto tempo. Mas penso que o mais interessante é que há muitas bandas que, ao longo dos anos, tentam responder às novas épocas mudando seu som, e vejo Journey, mesmo com as experimentações, ainda sendo aquela Journey de sempre, com o mesmo coração e a mesma alma.

Neal: Certos bandas, se os seus membros estão juntos há tanto tempo, é porque eles têm uma química verdadeira. Tudo o que Jimmy Page e Robert Plant fizerem vai ter cara de Led Zeppelin, mesmo eles tendo mudado tanto e experimentado muito. Sinto que temos isso intacto nas nossas composições, por conta da química que desenvolvemos juntos ao longo dos anos. Sinto também que [o vocalista] Arnel Pineada não tem medo de mudar de marcha e seguir em uma nova direção, onde ele pode utilizar outros tipos de estilos de cantar que ele é capaz de fazer. Se alguém disser “isso não parece Journey”, eu vou responder: “Depende de qual Journey você está falando” (risos). Se for a banda em 78, tudo bem, mas há toda uma nova geração de fãs hoje que topa escutar essa nossa química. Temos Let it Rain, Holding On, All Day and All Night, Come Away With Me – são tantos tipos de gêneros que temos nessas músicas, de algo funkeado a um rock mais pesado, assim como Journey das antigas e também música etérea de grande potência. [Narada Michael] Walden (baterista e co-produtor do disco) caprichou ao colocar muito de tudo o que já fizemos em Freedom.

MP: Falando de Freedom, sinto que esse disco sai em uma época em que tudo o que queremos é poder escutar ao vivo esse tipo de música, um som que chega cheio de força e que nos abraça. Existia a intenção de atender algum tipo de demanda desse tipo de show?

Neal: Sabe, foi uma época tão desafiadora, mas também a ocasião certa para utilizar a nova tecnologia que está disponível. Cada um de nós estávamos em um local e pudemos gravar remotamente, o que é incrível. Não saber o que poderíamos criar a cada dia foi uma bela experiência, pudemos criar tudo espontaneamente sem medo do que isso resultaria. Às vezes, isso é muito complicado, porque o produtor pode já ter algo muito específico em mente, combinado com o pessoal de A&R da gravadora, que dizem “vocês precisam de um hit assim, e aquele tipo de música, e também uma outra daquele jeito”. Já passamos por isso no passado e eu nunca concordo com essa ideia, porque eu gosto de trabalhar as coisas ali na hora, reagir ao que os outros estão fazendo na banda e também ao que está acontecendo no mundo, como nós todos nos sentimos. Isso faz com que as pessoas entendam melhor as emoções que você quer transmitir na música. Todos estávamos em um tempo desafiador, então precisamos de uma música de cura, mas também de algo que te atravesse, e também o que te dê vontade de acordar de manhã para lutar pelo que você quer e sabe que pode ter. Todos esses elementos foram uma necessidade nesse álbum, muito mais do que apenas querer continuar o que foi feito no passado. Para quê repetir a mesma fucking coisa? Nós já temos aquele disco, sabe?

MP: Sim, com certeza. Por falar no passado, algo que está muito presente na mídia nesses últimos dois meses é que Kate Bush voltou às paradas de sucesso 37 anos depois por causa de Stranger Things. Mas me lembro que o mesmo aconteceu com Journey quando Glee colocou Don’t Stop Believing em seu primeiro episódio em 2009 – e mesmo hoje, 40 anos depois, é a música mais baixada no mundo. Como é ver algo do passado ressurgir no presente e ganhar toda uma nova geração?

Neal: Acho que todos estão buscando novas maneiras de dar uma nova embalagem para hits antigos (risos). Eu amo uma oportunidade dessas. Depois de ver o [remix] que Stranger Things fez para Separate Ways, senti que eu poderia ter sido mais envolvido com a guitarra, sabe? Fazer algo mais bizarro e louco e levar a música ainda mais longe. Vi o que fizeram e pensei que eu poderia entrar no estúdio, pegar qualquer uma de nossas músicas e recriá-la de inúmeras novas maneiras. Sua imaginação é quem manda. Esses riffs são o que as pessoas se lembram das músicas, e o vocal de Steve Perry tem uma qualidade emocional que faz com que essas músicas atinjam pessoas ao longo de todos esses anos. Mas parabéns a todos os que tiveram essa ideia de colocar as músicas nos programas de TV, eles só me deram mais ideias do que mais podemos fazer com essas músicas antigas, principalmente ao vivo.

MP: Eu mencionei Glee, mas várias outras séries têm Journey na trilha – Scrubs foi uma que teve um episódio chamado My Journey todo pautado por Don’t Stop Believing. Como é estar do lado de dentro da cultura pop? Você criou uma banda que hoje é muito maior do que só música, é parte da cultura pop e entrou para a história. Como é viver isso?

Neal: Boa pergunta. Ver alguém como Teddy Swims cantar uma versão de nossa música que viraliza, e muitas pessoas ainda assistem ao vídeo todos os dias, é fenomenal. Acho que ele toca pessoas de maneira diferentes com a letra e a melodia, assim como no remix de Stranger Things, que trabalha os elementos de maneira diferente do original. E, repito, me faz pensar que ainda há muito o que se fazer ao revisitar nossos clássicos. E eu fico aqui cheio de ideias (risos).

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