Entrevista: Eskimo
Não é raro encontrar um álbum que passeie por diversos estilos musicais, principalmente se eles forem apenas citados em referências específicas, ou estiverem ali apenas para fazer barulho e causar com as discrepâncias. Um dos méritos do Eskimo é fugir drasticamente desses padrões ao criar um som que chega a ser hiperbólico de tão expansivo, mas que em nenhum momento perde a integridade de cada um dos gêneros que se utiliza. O projeto, encabeçado por Patrick Laplan (ex-baixista do Los Hermanos e Rodox) lançou um EP homônimo em 2006 e agora divulga seu primeiro disco, o excelente Felicidade Interna Bruta, com novo vocalista (Cauê Nardi), um clipe bem bonito (Bipolar) e o privilégio de ter maturidade já em seu primeiro álbum. Conversamos sobre tudo isso com Laplan, que nos deu respostas sinceras e sensíveis às questões levantadas depois de muitas e muitas audições do “FIB” – e a melhor das notícias é que as 15 músicas ficam ainda melhores com o tempo.
Música Pavê: Vamos começar falando de Bipolar. Qual foi o envolvimento que vocês tiveram na concepção e produção do clipe?
Patrick Laplan: Passamos a ideia inicial pro diretor (Eduardo Kurt). Takes longos, câmeras paradas, fim de tarde, viaduto, carros passando, banda tocando…. Mostramos algumas referências, depois foi dada uma semi-carta branca pra ele fazer o que quisesse. Veio a interessante ideia do “móbile” de luminárias rotativo e mudou o resto quase todo (risos). Não tem nada subliminar nem literal em relação a letra, e pudemos deixar as luzinhas que também usamos nos shows. Tivemos um orçamento fixo, que ganhamos num edital da Secretaria de Cultura. O clipe teria que se adequar a essa realidade. Não tem muita invenção de moda, não é? É um clipe de banda tocando… mas bem executado. Harmonia grande com a editora também, super talentosa e paciente.
MP: Além de ser a primeira faixa trabalhada do disco, o título da canção (apesar de ter conotação negativa) ilustra bem as variações de humor ao longo do álbum. A ideia era trabalhar essa complexidade de sensações que a felicidade tem em seu estado mais bruto?
Laplan: Eu acho que quando você atinge esse estado de graça, automaticamente desliga um pouco a consciência. O caminho pode ser complexo, mas ela em si é de muita simplicidade. Por sinal, pra mim felicidade caminha muito perto da palavra simplicidade. Bipolar não é a faixa mais comercial do disco, mas ilustra um pouco do que virá no disco inteiro dentro da própria música. Faz bem esse papel de “trailer do filme”. A idéia é convidar quem viu o clipe a ouvir o disco, que como você disse é uma espécie de montanha russa emocional. Não adiantaria “vender o peixe” do disco como pop e acessível. Não é isso. É um disco pra exploradores. A idéia de qualquer vídeo é ”seduzir” a pessoa pra chegar no disco. A partir do disco, larga-se a mão do ouvinte pra ele começar a sua própria viagem.
MP: Os cinco anos de hiato entre o EP e o F.I.B. são tempo o suficiente para colecionar as mais diferentes referências e compor as mais variadas músicas mesmo. A multiplicidade sonora do disco vem daí também?
Laplan: Vem também, mas acho o tempo que de maneira mais sutil. Em termos de letra e composição refletem, mas é o tipo de coisa difícil pro ”civil” perceber. Eu mesmo não consigo apontar com muita precisão. É natural preferir as mais recentes. Acho que a multiplicidade vem de gosto mesmo. Sempre gostei de ouvir de tudo ao mesmo tempo, e depois do primeiro disco do Mr.Bungle isso ficou literal. O que veio com o tempo foi a aceitação de elementos da música popular, como choro e samba. Na época do EP, isso era uma heresia pra mim. Hoje eu toco num bloco, de camisa do Slayer, feliz.
MP: As músicas foram compostas especificamente para o disco, com esse conceito em vista, ou vocês reuniram algumas composições que já existiam e combinavam bem juntas?
Laplan: Foi uma erupção controlada. O que tinha que sair foi saindo, quisesse eu ou não, mas pude trabalhar isso pra que tudo pudesse conviver na mesma banheira de hidromassagem.
MP: O vocal do Cauê parece, ao invés de “completar” o instrumental, expandi-lo para ainda mais longe.
Laplan: Exato. É a maneira como eu vejo. Ele expande sim, muito, mas tem gente que não consegue chegar até aqui. Fica fechada no “instrumental é verde, e a voz vermelho? Ou é um ou é outro!”. A graça é ser o púrpura. Abrir o horizonte. Tentar algo novo. É dever do artista. Não quero trabalhar com entretenimento, e são essas pequenas diferenças que fazem a grande diferença pra ser arte. O repertório do disco foi trabalhado para a voz dele, pensando nas ferramentas que ele tem a disposição.
MP: Como foi trabalhar com ele nas músicas?
Laplan: Bem fácil. Ele é jovem e está numa fase de esponja, absorvendo tudo o que jogamos de conceito e ideias pra ele. Foi bastante focado, humilde e paciente. Não são músicas fáceis de cantar, tem saltos melódicos, pouco espaço pra respiração e trabalho em extensões muito diferentes. Ele segurou essa barra com honras e glórias.
MP: Os temas marinhos/náuticos da arte do disco também estão ali para ilustrar essa expansão sonora
que é o trabalho da Eskimo?
Laplan: Exato. Foi uma benção. É uma homenagem aos meus avós, que são tudo pra mim. Eles se conheceram através da vela, da náutica. O encarte seria uma espécie de diário dele. As letras seriam confissões dele em relação a ela e com várias fotos dela, sua musa. São fotos de família, de 1946…1947. Fomos (na família) todos criados dentro desse universo de regatas, marinas, então o tema ‘mar’ é muito natural pra mim. Foi muito fácil de fazer o encarte, pois o conceito estava muito bem amarrado. A moça da capa, volta e meia aparece nos shows. Eu acho que os temas servem pra confirmar que é um disco muito passional e pessoal. É um pedaço de mim, quase literal. Eu escrevo sobre o que eu vivo, e da maneira que vejo as coisas. Ou seja, vejo todas as pessoas do mundo vestidas de marinheiro, em curto circuito, chorando pelos cantos.
MP: Veremos mais clipes do Felicidade Interna Bruta? Quais são os próximos passos do Eskimo?
Laplan: Garanto pelo menos mais dois, tendo um objetivo de [fazer] cinco. Estamos fechando o roteiro de um ”curta” para Flango Xadlez e [estamos] no brainstorm pro próximo single, que ainda não será a super pop balada master blaster Canção para os Amigos. Estamos começando a sair do Rio. Temos São Paulo e Brasília em breve, e é seguir por aí mostrando o disco e se divertindo. Achando o ”nosso” grupo, as pessoas que vão querer dividir essa experiência com a gente.
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Excelente álbum, está na minha cabeceira! Parabéns pela entrevista também, está ótima!
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