Entrevista: César Lacerda
Não foi necessário ouvir mais de uma vez a música Herói pra ter certeza que Porquê da Voz chegaria com status de álbum premiere. A cara deluxe, aquela de mpb rara, quase extinta, vem dar ainda mais gás a um movimento que vem ganhando força aqui no Rio de Janeiro e se difundindo rapidamente nas redes sociais.
Minha observação é muito clara quando penso que uma nova música está sendo reproduzida, não é algo totalmente novo, mas é algo brasileiro e moderno, com a ventura de dissonâncias e acordes lúgubres.
César Lacerda está pairando como uma nota boa, prolongada, que não demorará a ser ouvida. Com músicas exatas, com forte apelo à poesia, ele vem ganhando adeptos num curto espaço de tempo (não tem nem duas semanas que o álbum foi lançado).
Com uma remasterização invejada do que podemos entender como o período da nossa melhor música; César conseguiu, acredito que com paciência e tempo, colocar exclamações e belezas em suas músicas e aceitar-se, como náufrago, no destino cada vez mais concreto.
Veja abaixo a entrevista que fizemos com César Lacerda há alguns dias, antes de sua ida a São Paulo para o show de lançamento do álbum na capital paulista.
Música Pavê: Qual a diferença do César (que lançou um EP em 2011) para o César do Porquê da voz?
César Lacerda: O César Lacerda que lançou o EP em setembro de 2011 estava ainda construindo uma linguagem junto à banda que o acompanhava. Na ocasião, gravamos aquele trabalho ao vivo no estúdio; era uma forma de testar o que vínhamos criando e ensaiando. Por fim, me surpreendi com o resultado e decidi lançá-lo. E a recepção do público também foi muito positiva. Já o Porquê da Voz foi um trabalho bastante pensado. Houve uma pré-produção alongada, onde testamos arranjos e instrumentações, e depois, nove meses de gravação… Enfim, um longo processo que contribuiu sobremaneira para o êxito e a identidade particular do trabalho.
Música Pavê: Quando ouvi o seu álbum me lembrei muito da galera dos grandes festivais do Brasil. Sua música é totalmente brasileira, com poesia e um arranjo sofisticado que me remeteu há um tempo dourado da nossa MPB. Fazendo um apanhado disso tudo que disse, me diga: Quais são suas inspirações para compor? E quem você admira na música brasileira?
César Lacerda: A era dos festivais configurou um postulado muito significativo na história da música no país. E não apenas àquilo que tange especificamente a música, mas também, e, sobretudo, à postura dos artistas diante de várias questões que emergiam na sociedade à época. Compreendo que estas questões ressurgem para nós hoje e nossos discos podem ser uma resposta (ou uma pergunta!) em relação a tudo isso. Porquê da Voz pretende ser um disco que trate sobre questões que, entendo, são muito centrais à vida do Brasil novo, ainda que estas percepções estejam, de certa forma, escondidas pela naturalidade e síntese das canções. Após compor Porquê da Voz, enxerguei a possibilidade de compor um grupo de outras canções que dialogassem esteticamente com esta primeira e, assim, realizar a obra. Queria fazer um disco sobre o exercício, a sedução e o mistério do canto, e a maneira como as canções compostas aqui acompanharam a vida e a invenção de nosso imaginário. Pretendia dizer que tudo isso surgia de um gesto, em grande parte, feminino e que, por fim, algo desse mistério nos traria chaves para compreender o grande enigma da construção de uma nova humanidade, onde o Brasil seria peça central. Enfim, uma sensação que compartilho com muitos outros. Nesse sentido, este disco manifesta uma necessidade de contribuir com outros trabalhos pensados a partir de considerações semelhantes às minhas. Penso agora em Caetano Veloso, Darcy Ribeiro, Milton Nascimento, Karin Ainouz, Luiz Gabriel Lopes e Luiza Brina. Penso em Dona Edith do Prato e em seu Humberto do Boi do Maracanã.
Música Pavê: Por que o nome Porquê da Voz? Há um simbolismo ou uma história por trás desse nome?
César Lacerda: Acho que na pergunta anterior já esclareci um bocado sobre a questão. Mas gostei da sua observação sobre o nome carregar algo de fantástico, ou misterioso. Gosto sempre de pensar no mito da sereia e na beleza dessa fábula. Recentemente, ouvi de uma amiga que quem canta não mente. É sugestivo e muito bonito enxergar o canto como uma potencia da verdade, algo que pode solucionar instantaneamente a aspereza da vida. O Porquê da Voz é um estado de contemplação desses eventos enigmáticos e tão reveladores de nossa experiência social.
Música Pavê: Há muito tempo eu não escuto uma música tão bonita como Herói. Como foi fazê-la? De onde ela veio?
César Lacerda: Fi-la depois de conversar com Luiza Brina sobre o livro Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto da Mata. Fiquei seduzido por aquela observação de que um arquétipo tão central da vida de nosso povo seria o “Herói”. De que gestos absolutamente centrais de nossa construção enquanto nação vinham daquela figura. Hoje, esta é a minha canção mais conhecida e a mais querida.
Música Pavê: Houve uma boa crítica sobre seu show no Oi Futuro RJ na semana passada. Não pude ir, mas uma galera disse que foi lindo o seu show. Conta para os leitores do Música Pavê: Quais são seus próximos passos? Onde mais você se apresentará?
César Lacerda: As apresentações no Rio foram maravilhosas. O teatro da Oi Futuro esteve lotado por duas noites e muitas pessoas que foram até lá não conseguiram entrar. Estou realmente bastante feliz com tudo isso. Agora, estou na estrada indo pra São Paulo. O lançamento acontecerá lá, no Sesc Vila Mariana (dia 5 de setembro). Depois iremos pra Belo Horizonte. O lançamento acontecerá na Virada Cultural no dia 14 de setembro. Tocaremos depois do Pato Fu e da Elba Ramalho no palco da Praça da Estação. Por aqui, só felicidade!
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