Entrevista: CeeLo Green
Você conhece CeeLo Green há muitos anos, ou ao menos achava que conhecia. Ele também, na verdade, e foi essa busca por identidade que o levou ao lançamento do excelente CeeLo Green Is Thomas Calloway. Utilizando seu nome de nascença no título e se apropriando da sonoridade que ele cresceu ouvindo no sul dos EUA, o músico apresenta sua obra mais intimista até hoje (ou a única de fato a carregar esse adjetivo).
Isso porque tanto em seu trabalho com Danger Mouse no duo Gnarls Barkley, em grandes hits solo (como o inesquecível Fuck You) ou em suas diversas aparições no cinema e na TV (incluindo três temporadas no The Voice estadunidense), CeeLo sempre levou seu bom humor à frente, com figurinos icônicos e grande carisma.
Desta vez, CeeLo – ou Thomas – aparece romântico, nostálgico e espiritual, com outra energia em som e em atitude. Com produção de Dan Auerbach (The Black Keys), gravado em Nashville, o disco nos convida a conhecer a introspecção, a melancolia e outras cores e texturas que compõem agora sua obra.
Foi sobre isso a conversa com o Música Pavê por telefone, na qual ele relatou os aprendizados que o levaram à decisão de trabalhar nesse disco e relembrou diferentes momentos da carreira, do grupo de hip hop Goodie Mob ao trabalho na TV. Entre longas pausas nas respostas e falas carregadas de reflexão, o álbum ganha ainda mais uma camada de pessoalidade após esta conversa.
Música Pavê: Você está em um momento da carreira no qual você pode fazer o que quiser. Como, então, você escolhe seus projetos?
CeeLo Green: Às vezes você tem uma ambição, você é atraído na direção de uma ideia, mas muitas vezes é o projeto que te escolhe, especialmente aqueles que têm muito a ver com você. Entende? São obras que, por serem honestas, você realiza e as pessoas abraçam e vivem indiretamente através daquela música. Essa reação de causa e efeito dá uma perspectiva humilde para o artista. São essas as coisas que me chamam mais atenção hoje.
MP: Com esse novo disco, você está voltando às suas raízes, reencontrando sua musicalidade. Por que fazer isso agora?
CeeLo: Acho que, quando você faz as pazes com sua realidade, você se percebe no meio de um caminho. Tenho idade suficiente para olhar para trás, ver o que já foi feito e querer exercitar minha maturidade para continuar trabalhando. Eu acredito que nós, como seres humanos, chegamos a um certo ponto em nosso desenvolvimento em que queremos retribuir o que recebemos, para que novas pessoas sejam inspiradas da forma que um dia nós também fomos. Tem a ver também com, em um processo de introspecção, investigar sua própria mortalidade. Percebi que, uau, tive muita sorte de poder chegar até aqui e realizar tanto. Se eu puder ajudar alguém com a minha experiência, a aventura da vida terá ainda mais valor. Há também uma grande sensação de ser alguém de confiança para os outros, ao ponto de influenciá-los. Então, você quer que o seu sucesso inspire confiança em quem ainda está tentando se encontrar. Estou em um momento em que é claro para mim que quero continuar buscando mais coisas. Minha jornada sempre foi a de fazer música como uma extensão de mim mesmo, para que as pessoas pudessem ser introduzidas ao que eu tenho de mais íntimo, à minha expressão e àquilo que formou minha identidade. Esse disco representa uma era musical que é muito querida para mim. Tenho 45 anos, essa época [à qual o álbum se refere] é mais velha que eu, e mergulhar nessas referências me deu um novo foco para viver. Percebi que eu estava distraído, eu estava cego. Essa música que eu sempre amei me fez voltar a andar para frente. Foi aí que eu fui relembrado a fazer a minha parte como ser humano.
MP: Como foi trabalhar com Dan Auerbach?
CeeLo: Foi muito orgânico, sem precisar de muitas palavras (risos), entende? Tudo muito calmo, um dos ambientes mais pacíficos em que já trabalhei. Rolou vibração, vitalidade, eletricidade na dinâmica entre o analógico e o digital. Eu sou todo digitalizado, enquanto Nashville tem essa aura mais clássica, acústica e analógica. Essas linhas entre nós não nos dividiram, elas nos uniram.
MP: Seu trabalho é tão diversificado, de Goodie Mob a Gnarls Barkley, passando por atuações em TV e filmes e até a ser juiz no The Voice. Como atividades tão diferentes moldam sua mentalidade?
CeeLo: Bem, ser juiz no The Voice era uma oportunidade de ensinar, mentorear e cuidar. Com Goodie Mob, nós estávamos fazendo arte, política, ativismo. E em algo tão enlouquecido como Gnarls Barkley, você tem a oportunidade de dar o exemplo. É fazer algo que, se Deus quiser, será magnífico, sua arte terá vida, e as pessoas vão aprender com isso. Tudo isso me deu a perspectiva de estar em uma posição de ensinar os outros.
MP: Em todas essas atividades, você sempre apresentou uma persona tão colorida e vibrante, enquanto esse novo álbum chegou mais melancólico. E ele foi lançado também em uma época em que todos estão mais introspectivos, não é?
CeeLo: Sim. Eu acho que nos foi dada essa oportunidade de redirecionar as questões que não estavam sendo faladas, de renovar nossas relações, de reconectar com o Criador, com o Cosmos. Eu só consigo olhar essa época dessa forma. Enxergo algo incrível acontecendo na Vida. É a inevitabilidade de algo que causamos em nós mesmos, e não sabíamos que precisávamos dessa oportunidade de nos distanciar das distrações e nos unir novamente às nossas famílias. Algumas pessoas estão em quarentena há tanto tempo, gente que antes só via seus filhos poucas horas por dia e agora precisa reaprender o que é passar horas com a família. Isso faz bem para a criatividade também, porque estamos todos nos readaptando para novos formatos. Porque não é só quem cria que é criativo. Quem tem a habilidade de ouvir e compreender aprende a ser criativo e temos agora a oportunidade de acessar essa área dentro de nós. É um momento muito precioso de grande vulnerabilidade.
MP: Há uma dinâmica muito interessante de você, com essa persona que mencionei, usar o próprio nome como se ele fosse um alter ego. Então, gostaria de te perguntar: O quanto de CeeLo Green existe em Thomas Calloway hoje?
CeeLo: (Risos)(pausa) Sabe… acho que CeeLo Green virou um sinônimo de diversão. Quando a pessoa ouve essas palavras, sabe que ela poderá curtir o que vem por aí. E ele me ajuda a me divertir. Eu adoro ser CeeLo Green para uma plateia de milhares de pessoas. É só chamar que ele canta para você (risos). Thomas Calloway é fã de CeeLo Green.
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