Entrevista: Bruna Mendez

foto por junior ribeiro

“André, você foi a última pessoa assim que eu vi”, disse Bruna Mendez assim que entrou em nossa sala do Zoom para esta entrevista. A ocasião à qual ela se refere foi um show em São Paulo – o último que ela fez e o último que eu vi – à beira dos cancelamentos por conta da pandemia, em março de 2020. E por “pessoa assim“, ela quis dizer alguém da mídia com quem ela sentou para falar sobre seu disco Corpo Possível, que ainda era novo naquela época.

Um ano e pouco depois, a artista de Goiânia anuncia uma versão Deluxe para o álbum que conta com três faixas, todas elas em parceria: Uma com Tiê, outra com Davi Sabbag e A Vida Segue, Né?, que traz participação da cantora June. Nesta entrevista, ela explica muito do que está contido nessas frases, e também em suas entrelinhas.

Música Pavê: A Vida Segue, Né? carrega consigo a “responsabilidade” de ser a primeira novidade sua desde Corpo Possível. Para você, o que essa música tinha que ser para cumprir essa função?

Bruna Mendez: Então, essa nem era a música pra isso! A que faria isso é a próxima, que vem ainda. No meio desse processo, eu tinha feito A Vida Segue, Né? como um teste de possibilidades – porque a métrica dela é um pouco diferente das do Corpo Possível, que era até então o meu limite do pop. Ela surgiu nesse rompimento dessas “barreiras” do pop. Por exemplo, eu tinha uma barreira de melodia e temática. Beleza, no Corpo Possível eu trabalhei isso. Agora, tinha a dos refrões, de entregar os sentimentos logo de cara e também de entregar tudo a uma nova pessoa. Até então, eu só tinha feito isso com os Tuyo, que estavam muito envolvidos na produção do disco e foi natural eles entrarem ali. Essa agora foi a primeira vez que existiu um feat que eu falei “se quiser acrescentar a letra, pode, ou só cantar, ou fazer outras melodias, fica à vontade”. Essa música serviu pra isso tudo.

MP: E, mesmo sabendo que isso é incontrolável, como você quer que essa faixa seja percebida pelos outros?

Bruna: Acho que por um lado meu de evolução. Porque a música tá aí, ela tá entregue, acho que fácil de ser absorvida e quem ouve vai pegar alguma coisinha pra si. Mas, eu gostaria que ela fosse mais percebida como uma evolução de um trabalho mesmo. Ela vai estar do Deluxe e é um pouco diferente das coisas que vêm em Corpo Possível, mas também não… queria que as pessoas perguntassem “aonde essa menina quer chegar?” (risos).

MP: Sim! Falando nisso então, eu tinha escrito aqui que sua carreira está sempre em movimento. Conhecendo você já há sete anos, quando ouço que está para sair um lançamento seu, não penso “lá vem um lançamento da Bruna”, mas “o que será que ela vai lançar agora”, sabe?

Bruna: (Risos) Sim, acho que tem isso mesmo. O Deluxe do Corpo Possível vem em um momento em que não dá para fazer show e em um momento em que eu estou também me entendendo melhor – isso desde antes da pandemia já, que eu estava tentando buscar o meu lugar. Porque eu percebi que ele não é desse indie que às vezes não paga a conta, sabe? Que às vezes é mais pelo exclusivismo do que pelo trabalho mesmo. Eu saquei que essa era a única coisa que eu tenho [para trabalhar], então fui buscando novos jeitos de me encontrar, de como eu gostaria de cantar. No Mesmo Mar…, que eu considero mais nichado dentro desse universo alternativo, eu não sabia me colocar muito bem. Eu acho às vezes que ele poderia ser um disco melhor, mas ele alcançou coisas que nem Corpo Possível alcançou, sabe? Mas entendo que ele é o nicho do nicho e eu estava me descobrindo. Agora, é outra coisa, é só pra frente, saca? Vamos conquistar tudo o que der, é trabalho (risos).

MP: É, e quando você sente mesmo que esse é seu trabalho, que ele precisa pagar as contas, isso impacta a maneira com que você faz sua arte, não é?

Bruna: Sim! Um exemplo besta, vai, mas essa música vai ter partes pré-definidas porque é assim que funciona, no geral – falando bem pro mercado pop, que precisa ter refrão, um pré-refrão, precisa ser identificável, ter no máximo três minutos. Tudo bem você abrir mão às vezes de uma estrutura.

MP: Dá para fazer algo que é 100% dentro desses limites.

Bruna: É, e um disco é um universo de dez, doze músicas. Corpo Possível tem Azul Profundo e tem Tropical, sabe? Cabe tudo.

MP: Falando nesse disco então, como foi um ano e meio depois revisitar Corpo Possível para esse Deluxe?

Bruna: Eu gosto muito dele, de como as coisas fluíram, de como eu canto, e se deixasse ele só acabar, seria muito pouco aproveitado – porque a nossa maneira de aproveitar é viajar e fazer shows, o máximo possível. E, durante esse processo, você vai reinventando o show, os jeitos de mostrar esse trabalho. Como a gente não tem isso, pensei que uma forma de não deixar ele morrer é estender, e eu consigo ver essa extensão como o fim de um ciclo para ele. Quem ouviu ganha agora três músicas. Quem não ouviu tem agora a oportunidade. Os três feats vêm também com essa busca por quem não ouviu.

MP: É, e se pegar June, Davi Sabbag e Tiê, eles têm coisas em comum, mas eles não são três artistas parecidos. Como foi escolher para as novas músicas?

Bruna: Cada um deles já habitava meu universo de alguma forma. No tempo em que eu passei em Curitiba para fazer o disco, June também estava lá – e o Lucas Romero, que co-produziu o disco, e também essa faixa, produz ela. Vi que ela tinha o que essa música precisava, que era algo mais sutil e delicado do jeito que eu canto. Sobre Davi, acho que ele tem o disco que eu mais ouvi em 2019, acho que é um dos melhores trabalhos pop, mais cheio de detalhezinhos e coisas de bom gosto, sabe? E ele é de Goiânia também, a gente habitou o mesmo universo de crescimento, ele com a Banda Uó, que eu acompanhei todo o processo. Achei incrível quando ele começou a carreira solo, porque sempre achei que ele fosse se dar bem nesse caminho tão difícil de fazer algo que gosta, sem abrir mão do que você acredita – e isso custa (risos) -, o desse limbo em que pro pop você é indie e pro indie você é pop, sabe? E a Tiê… o terceiro show da minha vida foi abrindo pra ela, há muitos, muitos anos, em um lugar em Goiânia que nem existe mais. E esse lance dela da nova MPB que ela trouxe era o lugar que todo artista novo que surgia queria habitar, que era o que parecia que ia se consolidar mais naturalmente – e foi o que aconteceu, né? Cada um habitou um momento diferente, os três fazem parte da minha memória afetiva.

MP: Quando você inclui três músicas novas no Deluxe e as três são parcerias, eu entendo que você está em uma fase também de olhar mais especificamente de olhar para as possibilidades com outros artistas. É isso?

Bruna: É isso sim. Eu tinha um pouco de medo de não gostar do que outra pessoa faria [com uma música minha], mas entendi também que você entrega a música porque você confia naquela pessoa, daí você gosta. No caso dessa, June é intérprete, mas a do Davi tem refrão dele. Então, vai vir outra coisa que as pessoas talvez pensassem que eu nunca fizesse, mas juntei com ele e fiz (risos). Eu não tinha feito isso até então até por medo de mostrar minhas coisas pra outra pessoa e ela falar “ah, acho que não”. Foi até difícil concretizar esses feats, porque estávamos produzindo essas músicas com a mentalidade delas serem só uma extensão para o disco mesmo. Elas já estavam até finalizadas, aí veio a ideia das parcerias. Foi entrega e coragem, para convidar e para deixar que eles se envolvessem com algo que é muitíssimo pessoal.

Esta entrevista continuará em um episódio futuro do podcast Música Pavê.

Curta mais de Bruna Mendez e outras entrevistas no Música Pavê.

Compartilhe!

Shares

Shuffle

Curtiu? Comente!

Comments are closed.

Sobre o site

Feito para quem não se contenta apenas em ouvir a música, mas quer também vê-la, aqui você vai encontrar análises sem preconceitos e com olhar crítico sobre o relacionamento das artes visuais com o mercado fonográfico. Aprenda, informe-se e, principalmente, divirta-se – é pra isso que o Música Pavê existe.