Entrevista: Barbagallo

Não foi a primeira vez que o francês Julien Barbagallo veio tocar no Brasil, já que sua banda Tame Impala, sempre que pode, passa aqui por nossa terra, mas ele acaba de fazer sua estreia no país com seu projeto solo. E também não foi a primeira vez que conversamos, já que, semanas antes, ele contou ao Monkeybuzz como estava sendo sua primeira turnê pela América do Sul sob o nome Barbagallo, passando também por Peru, Chile e Argentina.

De volta à base da banda em Melbourne, ele falou com o Música Pavê por telefone para contar sobre como ele vê agora, alguns dias depois, um pouco do que viveu no país, onde tocou em três importantes festivais – Se Rasgum (Belém), Balaclava Fest (São Paulo) e No Ar Coquetel Molotov (Recife) – em um período tão complicado para a história brasileira. Por aqui, ele cantou em francês e apresentou um conteúdo sonoro intencionalmente diferente do que faz com Tame Impala, como ele mesmo explica na entrevista a seguir.

Música Pavê: Belém, São Paulo e Recife são cidades tão distantes geograficamente que, em outros lugares do mundo (como na Europa), estariam em outros países. O que você notou de diferente entre elas?

Julien Barbagallo: Belém foi o primeiro show da turnê, então era tudo muito novo para mim. Não só por ser minha primeira vez na cidade, mas também por uma vibe muito diferente do que eu tinha visto com Tame Impala no Rio ou em São Paulo. Dava para sentir que eu estava em uma outra parte do país, a vegetação era outra, a forma das pessoas interagirem também. Não tenho certeza, mas me pareceu um lugar menos turístico, daí também ser mais verdadeiro. Foi também a primeira vez que fui confrontado com as duas faces do país, onde você vai de uma área privilegiada onde estão os restaurantes e as lojas para partes mais pobres. Na Europa, temos uma diferença menor entre os extremos da população, então era algo novo para mim. Eu não vi isso em São Paulo, porque a cidade é tão grande, e eu estava sempre cercado de prédios altos, fica mais difícil sacar essa desigualdade. Ao meu ver, SP é mais metropolitana, parece com qualquer outra cidade desse porte no mundo, então ela é menos… autêntica? Não sei. Ao mesmo tempo, é um lugar de grande valor cultural, parece que tem sempre muita coisa acontecendo. E Recife foi o fim da turnê, também com uma vibe muito diferente, com o litoral lindo, as palmeiras etc. Aí, para chegar ao festival, você passava por um lugar bem detonado, com prédios abandonados e tal. O público lá foi muito interessante, muito investido emocionalmente. Parece que isso faz parte de todo o Nordeste, o que era muito novo para mim. Em São Paulo, o público era mais quieto.

MP: E o que essas cidades têm em comum, ao seu ver?

Barbagallo: Senti as plateias todas muito calorosas, muito simpáticas ao nosso som. Acho que é especial receber uma banda que veio de tão longe, então rola muito amor em troca. Para nós, é recompensador, até mesmo comovente.

MP: Você veio ao Brasil em um momento muito delicado para o país. Como foi, para alguém de fora, tocar em meio a esse contexto?

Barbagallo: Pois é, eu já sabia de todas as controvérsias que o presidente eleito representa. Quando eu toquei em Belém, eu mencionei isso no palco, disse algumas palavras sobre como precisamos nos unir e nos amar para trazer luz a este mundo enquanto forças das trevas nos cercam cada vez mais – no Brasil e também na França. Eu não passei tempo o bastante no país para entender bem o que está acontecendo, mas, conversando com algumas pessoas, ficou claro o quanto essa mudança afeta muita gente. Senti isso também na Argentina, onde me disseram que também há muitos problemas econômicos e políticos. Acho que isso está acontecendo no mundo todo. Conversando com as pessoas, notei que todos estão prontos para “reagir”. Cada um à sua maneira, mas todos prontos para fazer algo a respeito. Os próximos anos serão muito interessantes para observar como as pessoas vão querer fazer alguma diferença em suas ações, pensamentos e crenças políticas. Em São Paulo, indo para o aeroporto para ir embora, estava conversando com o motorista do Uber e fiquei assustado, porque ele parecia estar feliz com o novo presidente. Ele dizia que o país estava uma bagunça e que precisava de alguém mais autoritário. Fiquei assustado porque deve ter mais gente pensando que a solução pode ser essa. Por isso essa situação é tão triste, porque as pessoas parecem não entender as raízes dos problemas, então não sabem quais são as respostas. Eu perguntei pra ele sobre as florestas, sobre como o presidente eleito é pró-desmatamento, e ele falou “é, isso pode ser um problema”, aí ele ficou em cima do muro. É difícil falar alguma coisa quando você não é do país, não porque “não é problema seu”, mas porque você não tem todas as ferramentas para entender a população, a crise e as condições de vida. Ele criticou Roger Waters por ter se pronunciado, disse “ele devia só fazer música e calar a boca”, e eu precisei discordar. Se você pode fazer qualquer diferença no seu meio, seja em um nível grande ou em um nível menor, você deve sempre se pronunciar.

MP: E como foi a experiência ao lado de bandas brasileiras? Deu para conhecer algum som novo, talvez até fazer amizade?

BarbagalloNo Se Rasgum, nós conhecemos Letrux, nos falamos rapidinho. É difícil fazer amizade, quase nunca dá tempo de conversar direito. Minha baixista se apaixonou pelo disco e me fez ouvi-lo alguns dias depois, ele é muito bom. Parece que a vocalista, se eu entendi bem, virou um ícone para o público LGBT, o que é muito legal. Me surpreendeu a quantidade de bandas representando essa comunidade, principalmente no Se Rasgum, foi muito interessante de ver. Dava para sentir que, principalmente por esse cenário político, era ainda mais importante que eles pudessem falar através das músicas. Também Boogarins, que já colaborou com uma grande amiga minha, Laure Briard. Não consegui ver seu show no Coquetel Molotov, mas é outra banda brasileira que eu gosto.

MP: Vendo seus clipes, noto que eles costumam girar em torno de você, da sua imagem. É importante você estar nos vídeos para mostrar que Barbagallo é um projeto solo seu?

Barbagallo: Acho que há diferentes motivos de eu estar nos vídeos. É um misto de uma vontade minha de evidenciar que estou em um projeto solo, que eu componho e também canto, mas também porque eu acho legal poder participar em projetos assim. Gosto de me envolver no roteiro e de estar presente nos detalhes do dia da gravação. No meu último vídeo, eu não pude estar na produção, então aconteceu sem mim, o que eu também achei interessante. Sei que as pessoas com quem trabalho farão boas escolhas para os vídeos mesmo se eu não estiver lá e teremos algo legal no fim. Enfim, são vários pequenos motivos.

MP: Em entrevistas, você costuma dizer que ouve coisas bem diferentes e que acabam te influenciando, como Oasis e Air. Como funciona seu processo criativo?

Barbagallo: Ele pode começar de maneiras muito diferentes. Eu posso estar em casa, no sofá, e pegar o violão, tocar alguns acordes e talvez uma melodia chegue. Ou eu estou no parque com meu cachorro e uma melodia aparece, daí eu pego meu telefone e gravo o que está na minha mente. Às vezes, são palavras. Eu construo muitas cenas na minha cabeça a partir de coisas aleatórias que eu leio. Eu anoto, nem que seja só duas palavras, e deixo minha mente trabalhar inconscientemente. Pode ser algo que eu acho que esqueci, mas ressurge meses depois quando compondo. Outro dia, por exemplo, um ator francês morreu e a chamada no jornal dizia la mort d’un roi (“a morte de um rei”), essa imagem me impactou e eu logo escrevi a frase. Logo depois, já comecei a compor – não sobre o ator, mas sobre o que essa frase poderia representar, eu imaginei toda uma história de um casal acordando de manhã no dia em que seu rei morreu. É aleatório, eu gosto de como isso é quase mágico. É como se você fosse uma antena com muita coisa passando no ar, daí você tem que saber o que interceptar.

MP: Você parece ficar mais introspectivo a cada disco. Você acha que a música que faz em Barbagallo é uma resposta ao som expansivo e volumoso que trabalha com Tame Impala?

Barbagallo: Não é uma resposta a Tame Impala em si, mas ao mundo musical que eu observo hoje em dia. Há muito caos, muitos sons, muita energia, muita compressão. É como uma corrida para se fazer um hit. Para mim, é muito alto e muito rápido. Esse é meu jeito de dar um passo para o lado e respirar. Tento trazer algo mais suave, mais calmo no meio dessa indústria musical caótica. Eu penso em fazer algo ainda mais calmo no meu próximo disco, talvez só voz e violão, mas não tenho certeza. Mas você está certo, é mesmo uma resposta.

MP: La Lune, seu single mais recente, parece estar se aproximando de sons mais contemporâneos do que os que você costuma trabalhar. Acha que deve continuar experimentando mais daqui pra frente?

Barbagallo: (Risos) é engraçado, as pessoas parecem não saber que La Lune é uma cover de uma música dos anos 1960. E por ser uma regravação, eu me sinto mais à vontade de experimentar de uma forma que eu não faria nas minhas próprias músicas. O interessante é que mais gente veio me falar dessa direção mais diferente que eu segui, mas a questão é que essa não é a diferença que eu pensei em seguir enquanto produzia, eu achava que faria algo ainda mais acústico, meio folk (risos). Nunca se sabe, eu agora quero fazer música mais livre em termos de propostas. Eu costumo trabalhar de maneira bem tradicional: Eu componho, gravo, depois lanço, aí esperamos um álbum sair, faço show etc. É tudo bem convencional. Agora, quero experimentar formatos mais curtos, talvez discos não de dez, mas quatro ou cinco faixas, daí poder fazer coisas diferentes em espaços de tempo mais curtos. Posso explorar novos sons, talvez compor em instrumentos diferentes. Por que não compor no teclado ao invés da guitarra? Por que não fazer uma série de músicas instrumentais? Não sei. La Lune me mostrou que eu consigo navegar em águas diferentes, talvez seja por aí que vou seguir na próxima. Mas não tenho certeza de nada, só sei que vou querer tentar de novo explorar novas vibes.

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