Entrevista: Alt-J

foto por rosie matheson

Uma das bandas com melhores videografias entre os nomes de sua geração, Alt-J cravou seu lugar na música desta última década com um som de forte identidade. Suas faixas podem ser diferentes entre si, mas o ouvinte sempre sabe quando está diante de uma criação do trio britânico.

Em conversa com o Música Pavê por Zoom, Gus Unger-Hamilton comentou essa dinâmica, que deve marcar também seu próximo álbum. The Dream. A obra, com lançamento marcado para 11 de fevereiro, traz o gênero true crime como inspiração para seu repertório, que inclui as já lançadas U&Me e Get Better – lançada hoje.

Música Pavê: Antes de falar do disco, gostaria de falar primeiro de U&Me. Foi interessante como, assim que dei o play, me lembrou Left Hand Free e, ao mesmo tempo, In Cold Blood – que são músicas bastante diferentes entre si. Achei interessante notar como reconheço facilmente em uma nova música a identidade que Alt-J construiu ao longo do tempo.

Gus Unger-Hamilton: Interessante. Suponho que nós, às vezes, compomos músicas estranhas e longas, mas também temos a habilidade de escrever canções mais pop. Nossa sorte é que Joe (Newman) tem uma voz muito distinta, e tudo aquilo que ele canta vira automaticamente “uma música do Alt-J”, sabe? Se ele tivesse um timbre mais comum, seria outra história, mas acho que o torna o nosso som coeso é sua voz. Foi difícil escolher o primeiro single para esse retorno, porque U&Me não representa necessariamente a sonoridade do álbum. Por outro lado, não sei se tem alguma faixa do disco que o represente muito bem (risos).

MP: É legal ouvir o seu ponto de vista, de alguém de dentro da banda, porque a impressão que temos do lado de cá é também de que há uma coesão na escolhe de timbres, por exemplo. E isso me leva à segunda pergunta, que é: Como é para você ver Alt-J sendo citada com referências para bandas novas que fazem essas mesmas escolhas estéticas que vocês têm feito?

Gus: Pois é, isso é curioso. Eu nunca conheci alguém que nos citasse diretamente como referência, mas eu sei que isso acontece porque estamos em um nível de quem já está em atividade há um certo tempo e isso acaba ocorrendo. Acho que as bandas com uma sonoridade mais singular são também aquelas que mais são citadas como influência. The Ramones, por exemplo, costuma ser referência porque todas as suas músicas parecem uma só – mas de um jeito bom! (Risos) Não estou falando mal da banda! Mas se alguém me disser que é influenciado por Alt-J, eu vou perguntar: Mas por Matilda ou por Fitzpleasure? São coisas muito diferentes. Talvez o que podemos deixar como influência é a atitude de não ter medo de lançar um álbum com dez músicas muito diferentes entre si. Essa é a contribuição que eu gostaria de deixar para a música indie.

MP: De volta a U&Me, seu videoclipe é um dos melhores do ano, e um dos melhores que Alt-J já lançou. De onde veio essa ideia, como foi produzi-lo?

Gus: A ideia foi minha. Eu estava andando de bicicleta pelo meu bairro em Londres, vi alguém no skate e pensei: “Cara, seria engraçado se fizéssemos um vídeo em deep fake em que fôssemos ótimos no skate”. Sempre que eu vejo filmes com dublês e efeitos especiais, penso que deve ser muito legal se ver na tela fazendo algo que não aconteceu de fato, ver sua cara e seu corpo em situações impossíveis. E a música já tinha um som de skate em um sample, então essa ideia já estava flutuando pela minha cabeça. Meu irmão Prosper dirigiu, e foi o primeiro vídeo em que aparecemos como banda. Gravamos ao longo de três dias e foi incrivelmente divertido, porque foi nossa primeira experiência no set, com figurino, maquiagem… Espero que o vídeo comunique o quanto nos divertimos na produção.

MP: Eu diria que Alt-J, entre as bandas dessa última década, está no top 5 das melhores videografias. Todos os clipes são excelentes. De onde vem esse cuidado com os vídeos?

Gus: Primeiramente, obrigado! Acho que sempre tivemos essa regra sobre não aparecermos em videoclipes – regra que nós acabamos de quebrar -, porque não queríamos lançar vídeos que fossem apenas conosco tocando e coisas malucas acontecendo. Sempre estivemos mais interessados em realizar pequenos curta metragens do que meros vídeos promocionais. E acho que, a este ponto, em nosso quarto álbum, podemos estar no clipe, se a ideia é interessante o suficiente. Sinto que ganhamos esse direito de quebrar a nossa própria regra, depois de trabalhar uma videografia assim em três álbuns, então agora pensamos em algo novo que poderíamos fazer, ao invés de simplesmente dar continuidade à regra de antes. Somos todos fãs de clipes e de cinema, então temos um crivo muito alto. Joe costuma ser a pessoa que está por trás das ideias dos vídeos, ele tem um cérebro muito criativo para essas ideias. Acho que as melhores premissas de clipes podem ser resumidas em uma ou duas frases. A ideia que ele teve para Hunger of the Pine, por exemplo, era apenas “um homem correndo por um campo, fugindo de flechas incendiadas”. Ou minha ideia para este era só “aprendemos a andar de skate e nos tornamos profissionais ao longo de poucos minutos”. As melhores ideias são assim: “O conceito é esse, agora vai lá e faz”.

MP: Falando em The Dream agora, fiquei intrigado com a informação do disco ter sido inspirado por true crime. Fico curioso pensando como vocês se inspiram em algo tão distante do seu dia a dia e tornam isso algo autoral, algo com a sua voz.

Gus: É uma questão interessante. Acho que sempre estivemos obcecados, nas letras e nas músicas, pelo lado mais obscuro da vida, muitas de nossas composições são sobre morte. E creio que haja uma razão para tantos podcasts, séries e livros de true crime serem tão populares, é porque as pessoas têm um fascínio sombrio por como a mente humana pode ser capaz de cometer esse tipo de crime. Acho que, desde que você seja sensível no trato do tema, não tem problema falar de morte nas letras, não acho que estamos glorificando [os assassinatos]. E Joe anda obcecado com true crime, é como uma criança em uma doceria, cercado de tanta inspiração para suas letras.

MP: Este é o primeiro álbum lançado após Reduxer. A experiência de ver sua música tomando outros rumos inspirou, ou moldou, de alguma forma a maneira como vocês compuseram para este disco?

Gus: Hmm. Nunca me perguntaram isso antes. Reduxer foi uma tour de force do selo (risos), uma ação de colaboração e relacionamentos. Eles moveram pessoas ao redor do mundo para que o disco acontecesse. Acho que, de certa forma, nossa principal influência e nosso principal interesse é fazer música um com o outro [da banda], não necessariamente colaborar com outras pessoas. Mas, hoje em dia, para colaborar com alguém, tudo o que você precisa é de uma conexão com a Internet, é irrelevante estar no mesmo local. Acho que, se decidirmos colaborar mais com outros artistas no futuro, será novamente à distância. Já tentamos isso antes, de ir ao estúdio com outros músicos para ver o que acontece, mas é um processo que é difícil para nós, e todos ficam um pouco constrangidos pela situação, um fala “ah, legal” enquanto pensa “nossa, terrível” (risos). Prefiro mandar uma música nossa para alguém e falar: “Beleza, agora você mude o que quiser e nos devolva”. É uma maneira bem mais interessante do que estar com alguém ao piano falando “toca aí você”, “não, toca você”, sabe?

MP: E de quais modos foi diferente trabalhar em The Dream, comparado aos discos anteriores?

Gus: Foi legal termos nosso próprio estúdio dessa vez. Alugamos uma casa no Leste de Londres, levamos um piano e todo equipamento de gravação para lá, daí compusemos e gravamos todo o disco no local. Acho que ter nossa própria “fábrica de música”, que não precisávamos dividir com ninguém, com a decoração que nós mesmos fizemos, foi muito legal. Foi preciso cortar músicas do repertório final do álbum, porque ele estava longo demais. Isso nunca aconteceu antes, e foi porque estávamos todos muito à vontade lá.

MP: Você disse que as melhores ideias de videoclipes podem ser descritas em uma ou duas frases. Imaginando que isso também se aplique a álbuns, como você descreveria The Dream?

Gus: (Pausa) Uma caixa de bonbons obscura e estranha, que você não sabe se gosta do chocolate, mas não consegue parar de comer.

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