Entrevista: A Fase Rosa
Pouco estimulada pela indústria fonográfica atualmente, a musica popular brasileira aos poucos vem ganhando mais e mais força no cenário independente do país. Talvez, essa nova geração de artistas sinta que olhar as nossas raízes ainda seja a melhor coisa a se fazer, mesmo quando somos praticamente obrigados a pertencer aos inconvenientes movimentos de massa.
A Antropofagia, manifestação artística brasileira, fundada e teorizada pelo poeta paulista Oswald de Andrade, tem se mostrado um movimento ainda atual e importantíssimo para a ascensão do que podemos entender como música de qualidade. E é dessa forma que a banda mineira A Fase Rosa, como seu álbum Leveza, lançado no segundo semestre de 2013, vem conseguindo destaque no cenário nacional e internacional – defendendo e modernizando a nossa história.
O Música Pavê trocou uma palavrinha com o cantor e compositor Thales Silva para saber mais sobre esse e outros assuntos
Música Pavê: Há quase 2 anos eu fiz uma resenha do clipe de Desmancha. O que mudou do lançamento do clipe para hoje?
Thale Silva, A Fase Rosa: Muitas portas se abriram. A banda tocou diversas vezes em SP, no Rio e, agora com o segundo disco, fomos pela primeira vez ao Nordeste. No aspecto musical, o propósito da banda ficou mais claro pra todos e sinto que conseguimos cada vez mais atingir bons resultados no que sempre falamos sobre reciclagem, filtragem e tradução da brasilidade para o mundo e da música globalizada pra brasilidade.
Internamente também é fácil notar que as coisas estão mais harmônicas e fluindo de um modo mais leve e natural. A ansiedade e sensação de estarmos diante do desconhecido já são tão pungentes quanto antes.
MP: O quão importante é para vocês unir o passado e o presente da música nas suas próprias canções?
Thales: No passado, está a tradição, está tudo aquilo que pouco a pouco veio concebendo e desenhando o que é a música e a cultura hoje. Muitas vezes, é inclusive mais fácil entender a história moderna através da interpretação da cultura. No presente aplicamos esses exemplos tentando atualizá-los e compreendê-los sob um novo olhar. Muita coisa mudou, muitos valores, recursos materiais e técnicos para se fazer arte. Quem não assimila isso fica naturalmente ultrapassado e na verdade desnecessário.
É essencial compreender o passado pra saber como lidar com o que chega diante da gente agora aqui no presente-futuro. Mas simplesmente reeditar o passado é algo desnecessário dentro do processo da arte. Talvez no entretenimento isso tenha um lugar especial, pelo aspecto nostálgico. Mas arte é criação e reflexão. Não dá pra repetir.
MP: Qual a maior dificuldades que vocês sentem em pertencer ao cada vez mais populoso grupo dos “Independentes”?
Thales: Particularmente, eu entendo que o mercado independente é muito pequeno, proporcionalmente ao que se chama de mercado oficial, ou mainstream. É necessário partir disso, para realizar bons discos e bons projetos artísticos. Outro aspecto é que o mercado independente ainda não se resolveu como deve funcionar. Não é possível, por exemplo, viver de circulação, temos dúvidas quanto ao preço das coisas. Tudo muito básico e simples ainda se mostra como um desafio, no aspecto mercadológico da coisa. A maior dificuldade com certeza é essa de chegar na realidade do consumo. A parte artística eu sinto que está muito bem, saudável, criativa. O problema é de fato depois disso. Não gostaria de lidar, se possível (risos).
MP: A música de vocês faz uma crítica social/política importante – O álbum Leveza referencia muito a Tropicália. Qual o papel do músico hoje em relação às questões do nosso país?
Thales: Eu entendo o músico como um dos milhares de agentes no processo de consciência político-social. Muitas vezes, colocamos uma lupa em temas que talvez a sociedade de um modo geral não esteja prestando atenção e aquilo pode, de repente, levantar algumas orelhas mais curiosas. Eu não acredito que tenhamos a força de criar ou iniciar processos de mudança. Mas acredito que temos a capacidade de chamar a atenção pra tais processos e então ajudar a catalisar isso tudo. A música mexe com o aspecto emocional, então de início a licença poética permite sonhar, acreditar nas utopias ou naquilo que se mostra quase impossível. Existe também, como na religião, a possibilidade de provocar histeria coletiva.
Mas por outro lado o artista tem que ser muito virtuoso pra conseguir de fato entrar no coração das pessoas e incentivar qualquer tipo de coisa que seja. Em geral, nos vejo mais como colunistas, tratando de temas cotidianos segundo o nosso olhar e encontrando do outro lado um grupo de pessoas pré-dispostas a refletir sobre aquilo. A minha linguagem vai representar o meu limite. O alento fica no aspecto de sermos humanos e as delimitações nunca serem rígidas demais. Há sempre espaço para o imprevisível e o emocional conta muito.
MP: Há muita omissão dos músicos neste sentido?
Thales: Acredito que sim. Mas não acredito na falta de caráter. Acho que a música foi mercantilizada e profissionalizada demais. As pessoas foram incentivadas a evitar conflitos e usar de uma linguagem mais simpática. Isso tudo por medo e por vontade de viver do próprio sonho. Na realidade, eu entendo que o lugar da arte foi reduzido e esmagado. O que se vende como arte é em realidade entretenimento. Então, mesmo no meio independente, o que predomina é o entretenimento.
A reflexão, sobretudo crítica, encontra mais barreiras quando pensamos em dinheiro. O mercado quer funcionar livre, sem rugosidades. As críticas são rugosidades. Prejudicam o encontro com patrocinadores, dificultam a aproximação com possíveis investidores da cultura e por aí vai. Me parece que é vendida a necessidade do artista imaculado. Sem inimigos e sem amigos, pois esse não encontrará curvas no curso da sua promoção midiática. Basta prestar atenção nas letras dos maiores ícones da música independente hoje. São poucos os que tratam para além dos pormenores do seu cotidiano amoroso, das suas viagens. Não que isso seja menor e não é. Mas enfim, vivemos um contexto político conturbado no país e no mundo e eu particularmente gostaria de ver artistas tomando partido e comprando brigas ideológicas mais determinantes.
MP: Por que os grandes festivais – como Lollapalooza e Rock in Rio – “esquecem” das bandas de rock que namoram mais a música popular brasileira do seu line up?
Thales: Acredito que seja porque estão direcionados a esse público específico, carente do rock americano. Não vejo problema, pois me parece uma segmentação estética desses festivais. Jaquetas londrinas, cervejas dos comerciais e filmes americanos. Acredito que seja a ideia deles. Não frequento, então fica difícil ir além. Mas não frequento por conta do porte, que acaba me espantando. Não pela qualidade. Tem muita banda nesses festivais que sou bem a fim de ver.
MP: Por que estes festivais estão sempre envolvidos mais com a música de fora do que a feita aqui dentro?
Thales: Porque estes festivais são promovidos por excelentes empresários que respondem diretamente a uma demanda que aparece cristalina pra eles. A classe média globalizada. Essa classe média não recebe cultura brasileira em casa. O nosso cinema, aprisionado à Rede Globo, fica debilitado, sem espaço e investimento, e não consegue chegar as salas do país. As novelas vem perdendo espaço para as séries americanas. O meio independente está também largado e dependente dos poucos incentivos institucionais. Logo, a estética demandada é a que esses festivais propõem. As roupas, os sons que ecoam e o estilo de vida desejado por essa classe média complexada é o que está nos festivais. É uma classe média que desde cedo aprendeu que no Brasil é pior, que na Califórnia não é assim, que em Londres isso seria inadmissível e por aí vai. Isso reflete diretamente aqui dentro. Tudo aquilo que de algum modo lembra o Brasil, seja um parangolé, uma sequência harmônica que lembre o nordeste, um corte de roupa que não seja londrino, de certo modo desvaloriza o “produto”.
Mas a resposta a esse movimento já vem crescendo no meio independente e são diversos artistas que como nós, naturalmente, estão interessados em entender justamente o que é brasileiro, o que é lixo cultural e por aí vai. Quem sabe não conseguimos equalizar isso daqui um tempo. Quem sabe o nosso cinema não consiga investimento, espaço e então multiplique sua produção pra todos os gostos, quem sabe nossa música não consiga o aval midiático e o espaço para além do meio que independente que na verdade é um micro-nicho. Enfim, tenho esperança e gostaria de ouvir o Milton Santos falar sobre isso.
MP: A Fase Rosa e a sua Leveza tem tido ótimas críticas no Brasil e fora dele. Vocês esperavam isso? Como foi o processo de criação desse grande álbum?
Thales: A gente sempre busca o melhor e a expectativa, por mais que contida, acompanha essa busca. Sentíamos que estávamos fazendo um bom disco. E acho que muita gente entendeu assim. As críticas positivas dão aval ao que fizemos e mexe com o ego, com a confiança no trabalho. O disco foi feito de um modo muito natural, leve mesmo. A convicção de que estávamos num caminho mais certeiro já vinha nos tranquilizando desde o Homens Lentos. Isso acabou por tirar um peso das costas de todos os integrantes. Acredito que estávamos mais entrosados e sintonizados ao criar esse álbum. Eu levava as composições e rapidamente surgiam ideias compatíveis para produzir as canções e tudo foi se dando no modo de experimentações, em ensaios. Depois apenas lapidamos o que foi feito nesse processo de jam e o disco estava pronto.
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