Em “Manauero”, Jambu Encontra Sua Maturidade

foto por rafael tavares

Com uma mistura de MPB, rock, indie, reggae e shoegaze, a banda alternativa Jambu lançou em 2025 o seu segundo álbum de estúdio, MANAUERO. O grupo, que se formou na cidade de Manaus em 2020, é composto por quatro integrantes: Gabriel Mar (voz e guitarra), Gustavo Pessoa (baixo), Roberto Freire (guitarra) e Yasmin Moura (bateria e voz). A produção do disco foi realizada pelo próprio quarteto, com Lucas Cajuhy, Zeca Leme, Roberto Kramer e Bezebra.   

O álbum possui uma atmosfera solar, e trata de temas como amor, juventude e amadurecimento com uma leveza contagiante. Além disso, MANAUERO marca uma importante fase da banda, em meio à mudança de Manaus para São Paulo, a busca por identidade e a adaptação na cena musical brasileira. “Esse álbum só poderia surgir nesse momento agora. Nunca mais na vida faremos um disco igual a esse”, enfatiza Gabriel, vocalista do quarteto. 

Em conversa com o Música Pavê, Jambu deu mais detalhes sobre o processo de criação de seu novo trabalho, além de revelar quais são as suas principais influências musicais. A banda também se abriu sobre a sensação de ser um grupo que vem da região Norte do país — que, historicamente, não tem muito espaço na cena alternativa. 

Música Pavê: MANAUERO é um álbum eclético, com uma mistura de estilos diversos. Como foi o processo de composição dele?

Yasmin: Pelo menos em questão de letra, normalmente Gabriel que toma mais a frente, ele tem mais ideias de composição. Mas, nesse álbum, teve mais a minha participação cantando e acaba que, nessas que eu canto, trabalhamos juntos. Moramos juntos um tempo e tínhamos um home studio na casa. Então, sentávamos juntos, pensávamos na melodia e íamos encaixando a letra. 

Gabriel: Eu faço muita canção, é uma coisa que fica padrão na banda, mas eu não tenho muito esse lance de fazer sempre as músicas. Faço porque é meu natural estar compondo, mas gosto muito desse lance de aprofundarmos além da música, do som em si e do instrumental. Principalmente, que nem Yasmin falou: Se ela for cantar uma coisa, é importante que ela participe do que vai ser cantado, porque eu componho as coisas que imagino ficam legais para mim, e que consigo me identificar. Bob participa também. Nesse álbum, acho que não foi diferente, eu vim com as ideias das letras e algumas coisas que Yasmin cantou, Bob mesmo também lapidou. 

MP: Quais foram suas principais influências musicais nesse álbum?

Gabriel: Jambu tem várias influências diferentes, dependendo do tempo. Acho que isso é muito natural para cada artista. Conforme ele passa, tem a bagagem que vamos juntando, mas vamos colocando coisas além das que já temos. Nesse álbum, foi bem livre o processo de juntar essas referências, que no fim foram as músicas populares brasileiras: O Rappa, Skank, música brasileira no geral, assim. O meu avô também, que foi uma das pessoas que tem uma composição no álbum —  INCENDEIA

Bob: O processo do álbum foi muito longo, começamos a fazer as músicas lá atrás quando estávamos fazendo a turnê do outro disco. Então, tem influências desde Radiohead, Natiruts, muitas coisas que escutávamos juntos, muitas coisas que escutávamos separados. Mas, se eu pudesse resumir, é música brasileira, na mais pura forma, porque essas referências que temos também tinham inspirações de fora. 

MP: Tem alguma música do álbum que foi mais marcante para vocês? 

Bob: Mais marcante talvez seja INCENDEIA. Para mim, é a mais forte, porque ela é uma música do avô do Gabriel. Ele é um artista manauara que teve muito mais dificuldade de colocar a arte dele em prática. Temos muito mais estrutura hoje em dia para fazer as nossas músicas. É como se Gabriel tivesse realizando através dele um sonho do seu avô.

Gabriel: Eu não gosto muito de me prender ao literal, mas todas as músicas atravessam de alguma forma uma história da nossa vida. Mas acho que INCENDEIA é a mais marcante, porque já era uma música que escutávamos, porque meu avô me manda muito as músicas que ele faz. Foi uma música que, pela primeira vez, pegamos uma coisa que não era de nenhum de nós. É um processo que demos outra cara, porque é um reggae, não é uma música como ela é no álbum. Então, tivemos que dar a cara da Jambu, e ajudou a banda a ter uma identidade mais voltada para o rock. O fato de ser uma coisa que todo mundo gostava, uma música do meu avô, fez com que déssemos muita importância para ela. Meu avô me disse que ele só conseguiu ouvir a primeira música dele gravada com 30 anos, ele tem 70. Então, é outra época geracional. Imagina como era o acesso no Brasil, como era o acesso para ele que era um artista em Manaus. A letra toda foi ele que escreveu, eu não quis tocar em nada dessa parte.

MP: Vocês sentem alguma evolução dos projetos anteriores de vocês para MANAUERO? 

Bob: Eu acho que maturidade. Tivemos um trabalho mais colaborativo, o projeto ficou mais na mão de todo mundo em vários aspectos. Em cada fase do processo do álbum, pudemos colaborar de formas diferentes para que música fosse feita.

Gabriel: Buscamos ter uma evolução, não no sentido de “estamos tocando mais ou fazendo músicas mais complexas”, porque não é a ideia da Jambu. Mas é mais de ser um divisor de momentos da nossa vida. O primeiro álbum, ele mostra um trabalho sólido, legal, que tem uma estética boa, mas acho que MANAUERO, tem profundamente o lance de identidade. Dificilmente, tu vai conseguir ouvir ou ver o álbum e fazer o que estávamos muito acostumado já, que era as pessoas chegarem e falarem: “Ah, isso aqui parece muito com tal coisa”. Então, acho que, entregamos nesse processo um trabalho que poderia muito ser “esquisito”, ser só nós tentando buscar nossa identidade. Mas, não foi. Considero uma obra de arte completa, tanto visual quanto sonora. É um álbum de música popular, é legal de escutar, é simples de ouvir e assimilar. Então, nesse quesito, eu acho que melhoramos muito. Sentíamos que isso pesava em um aspecto que a gente não queria muito: “Ah, essa banda soa como essa outra aqui”. Não, Jambu é Jambu. Não importa a música, no fundo, ainda tem nosso tempero. Soar como outras bandas passadas, tudo bem, porque elas abriram o caminho. Então, isso é natural. É claro que vamos fazer um som que as pessoas vão falar: “Pô, isso lembra Charlie Brown Jr.”, porque foi um marco na época que as gravadoras mostravam uma música para o mundo. Mas, hoje em dia, com Spotify e tudo, não é uma parada muito maneira soar como os outros, porque mostra a tua identidade no fundo.

MP: Jambu é uma banda que nasceu em 2020. Como vocês lidam com essa era digital acelerada?

Bob:  Acho que, para qualquer artista, é uma parada muito confusa. Porque, quando você fazendo arte, sinceramente não está se preocupando sobre a forma que vai vender. Temos uma preocupação estética, com o clipe, mas tudo de uma forma sempre artística, não se as pessoas vão aceitar ou não. E, cara, pessoalmente falando, acho que você está sempre tentando equilibrar essas duas coisas. Tanto se for para um lado que é muito TikTok, ou se for para um lado muito artístico, esquecer de um lado também não dá certo. O grande desafio da nossa geração de artistas talvez seja aprender a equilibrar esses dois lados, porque para mim é muito difícil. A banda sempre está se cobrando nesse quesito, de “ter que postar”.

Gabriel: Todo mundo fica muito preocupado com isso porque, antigamente, as responsabilidades eram muito divididas. E, hoje em dia, o artista pode só pegar o celular e gravar. Levamos um ano para fazer esse álbum, e é uma coisa que não deveria levar tanto trabalho hoje em dia para fazer, porque ele perde o valor muito rápido. Sabemos que o tempo de vida das coisas que a plataforma pede, ou as redes sociais pedem, é reduzido. Mas, acho que no começo foi de boa lidar com o lance da Internet, porque nascemos lá. A banda começou em 2020. Então, foi bem na época da pandemia, só que estávamos focados na vida pela Internet. Hoje em dia, com a volta da vida física, ficamos em um pouco de conflito no começo, mas, depois de um tempo, também refletimos que a carreira da pessoa acaba se confundindo um pouco com a vida. Então, fica um pouco difícil às vezes, ficamos alternando entre: “Ah, deixa isso para lá e vamos focar no que é importante.” Mas aí, as redes sociais ficam paradas. Publicamos quando sentimos necessidade ou vontade, mas, se você olhar os artistas que admiramos, nem eles são assim nas redes sociais. Não é sobre o quanto eu apareço: Preciso ter o meu trabalho fluindo. Isso é prioridade. 

MP: Vocês sentem falta de espaço no Brasil para a cena alternativa nortista?

Gabriel: Antigamente, quando estávamos em Manaus, acho que nem sabíamos da falta que faz, porque estávamos lá. Então, isso não pesava tanto. Só sabíamos que a realidade é não ter espaço. Mas, não conseguíamos [perceber] que existe uma coisa onde nós não estamos inseridos. Hoje, morando aqui, todo dia eu percebo é preciso construir, bem ou mal, um ecossistema onde tem bandas, festival e tal. Conseguimos perceber muito mais a falta de espaço que a nossa banda tem por ser uma banda manauara. Quando você se depara com a realidade do ambiente, e vê que tem um fluxo muito grande, pessoas que começaram ontem com seus projeto já indo para uns lugares absurdos, começa a pensar: “Cara, como que vamos nos inserir?”. É contato, é conhecer as pessoas, é muito além da nossa música. Para nós é tempo e maturidade. E vamos olhar outras pessoas, que estão ocupando lugares que gostaríamos de ocupar, e falar assim: “Mano, essa pessoa tipo, começou anteontem, ela está voando”. Não comparamos números, mas acabamos tendo que comparar. O problema não é com as bandas, mas com essa realidade mesmo. É uma questão estrutural. Agora que estamos aqui em São Paulo, estamos meio que em xeque. Vai rolar um circuito de festival maneiro em Manaus. Jambu agora é uma banda de São Paulo ou uma banda de Manaus? Falamos com o festival que vai rolar lá em Manaus, dizendo da nossa expressividade na cidade, mas, para a galera que vai fazer o event,o é melhor levar um artista que é muito famoso aqui do que levar Jambu. Então, estamos meio que em xeque – é caro voltar para o Norte e estamos conseguindo planejar shows aqui, mas não fazemos ideia de quando vamos tocar em Manaus, porque agora ficamos meio que em um limbo. 

MP: Como foi essa mudança de Manaus para São Paulo? 

Yasmin: Logo que nos mudamos para São Paulo, começamos a morar todos juntos, porque era a única forma de conseguirmos nos manter aqui. Esse tempo foi muito bom para esse álbum, porque tínhamos esse espaço em comum que surgiam ideias.

Gabriel: Esse álbum só poderia surgir nesse momento agora. Nunca mais na vida vamos fazer um álbum igual a esse, nem sonoramente, porque ele só aconteceu porque estávamos em contato direto ali com aquela mudança – ainda em Manaus e vindo para São Paulo. 

Bob: O fato de estar longe da sua base faz com que você consiga evidenciar mais isso dentro de ti. Porque está em um lugar que é muito diferente. Então, começa a entrar em conflito com todas as coisas ao teu redor, porque você é uma pessoa com raízes e com ideais, e em uma forma de viver totalmente diferente. Então, todas essas coisas ficam muito mais evidentes na tua cabeça. 

MP: Vocês falam no álbum muito sobre a identidade manauara. O que é ela para vocês? 

Gabriel: Tem a identidade que não conseguimos colocar em palavras. Ao mesmo tempo que você está vendo só pessoas normais, representamos essa identidade. É óbvio que não como um todo, cada um dentro do seu recorte do que tem de bagagem. Manaus também é muito grande e tem várias outras realidades. Mas, acho que nós temos menos o sentimento de competitividade, porque tem menos oportunidade. A identidade manauara é muito sobre isso, sobre não levar as coisas muito a sério, além do contato com a natureza. O álbum é muito sobre isso, acho que ele poderia ser um disco de reggae facilmente. É muito solar, e não é uma coisa que vai aparecer, por exemplo, em bandas que vivem no contexto de cidade. Para mim, a identidade manauara é uma coisa coletiva.

Yasmin: Não quisemos mostrar que esse álbum é a vivência de todos os manauaras. Estávamos em São Paulo quando gravamos ele, mas temos referências da nossa cidade. Somos nós falando do nosso ponto de vista sendo manauaras.

Bob: Tem muito uma questão de resiliência, também. De estar sempre preparado, não importa qual seja a situação. A oportunidade que tivermos, vamos abraçar porque é a oportunidade que temos. Somos resilientes o suficiente para encarar todas essas situações.

Gabriel: Eu quero dar o meu melhor. Porque eu sei que para nós é muito diferente. Temos que estar preparados e não temos a possibilidade de sermos ruins. Não temos essa oportunidade de vacilar. Sobre as cobranças de termos uma identidade manauara, isso nunca foi um peso para nós, porque, como eu te falei, não temos responsabilidade nenhuma de seguir o caminho de outra banda. Mas é natural que as pessoas que não têm o conhecimento esperem que sejamos diferentes, de um jeito estereotipado. Já fizemos show e em que uma pessoa só falava: “Nossa, o som de vocês é lá do Norte. Se vocês fizessem uma coisa tipo Chico Science, pegasse os ritmos…”.  Pegamos todos os sons que nos influenciaram e ainda somos uma banda manauara. Não temos que pegar um artista nada a ver só para fazer um “som do Norte”, às vezes nem temos essa experiência. 

MP: Vocês lançaram em 2024 um selo musical, Datafolha. O que inspirou vocês a terem essa ideia?

Bob: Tem muito a ver com o fato de estarmos em Manaus, vir para cá e perceber que o universo da música é totalmente diferente da nossa realidade de lá. Quando abrimos para Boy Pablo, foi a maior experiência que tivemos. Mesmo a estrutura era muito maior, não tínhamos conhecimento para suprir tudo que ela poderia oferecer para nós. Eu acho que veio da a vontade de querer passar isso para outras pessoas. Passamos por uma experiência de assinar com uma distribuidora e ela tentou nos enganar e falou: “Não, não tem nada a ver esse negócio de direito autoral”. Isso nos ferrou em um ponto da nossa carreira. Nós não queríamos que outras pessoas passassem por isso. Conhecemos muitos artistas legais de Manaus, que fazem um som muito bom e queríamos poder, de alguma forma, colaborar, passar a nossa experiência. 

Gabriel: Só tendo a vivência é que conseguimos entender que existem pequenos detalhes que são mais importantes do que o que a galera tá vendo na Internet. Isso é uma coisa que se alinha muito com Jambu.  A ideia não era pegar um monte de artista, era trocar uma ideia sincera com aqueles que estão no mesmo corre que estamos e contribuir nesse sentido. A ideia sempre foi trazer uma coisa que faz parte da Jambu, mas ela é muito maior que a banda em si. Vemos ela como uma ponte que leva a gente, mas também pode levar vários outros artistas. Isso é uma ideologia nossa de querer fazer esse lance coletivo, porque é importante que mais pessoas em Manaus saibam da experiência. Lá, não temos muito essa troca de como é um show com uma equipe técnica, por exemplo. O selo é muito sobre isso, além da distribuição, ele é mais uma troca de papo. 

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