Em entrevista, Elza Soares desabafa: “O Brasil tá passando perrengue e ninguém faz nada”

Elza Soares dispensa introduções. Mas, já que preciso escrever uma, escolho contar as impressões que ficam depois de 15 minutos ao telefone com a artista.

A conversa começou com “Oi, André, como você vai, cara? Me diz, quero ouvir tudo” e terminou dizendo que nos abraçaremos domingo, quando ela lança seu disco Planeta Fome em São Paulo, na programação do Balaclava Fest*. Entre tanto afeto no cumprimento e na despedida, Elza disse repetidas vezes o quanto estava triste.

Sim, a mulher que um dia cantou Eu Agora Sou Feliz traz para a conversa o tom pesado que marca este novo e seus dois últimos discos (Deus É Mulher, de 2018, e Mulher do Fim do Mundo, que a estabeleceu de vez em 2015 como um dos nomes mais influentes para esta geração de músicos brasileiros). Penso que o senso de urgência, ou mesmo de realidade, é outro aos 82 anos, em mais de seis décadas a serviço da música.

Há um grande incômodo em sua fala, que pode ser percebido em suas frases curtas nesta entrevista, reproduzida no Música Pavê propositalmente com pouca edição. É fácil ouvir sua voz ao ler as respostas, com a simpatia e a força desta que foi eleita a cantora do milênio pela rádio mais renomada do mundo, a BBC de Londres. Do lado de cá [do fim] do mundo, Elza situa sua tristeza na intenção de acordar o brasileiro para saciar suas fomes, sejam elas quais forem.

Música Pavê: Vendo sua discografia, é interessante notar como não importa quantos lançamentos já aconteceram, sempre há algo novo a ser dito. Como foi montar o repertório desse disco?

Elza Soares: Não, o assunto nunca acaba, estamos sempre em dia. Eu comecei a buscar as músicas que eu precisava cantar, porque o povo anda muito calado. Não sei o que está acontecendo com o Brasil, todo mundo tá aceitando isso que tá acontecendo. Nós estamos em uma fase tão ruim, meu Deus do céu, será que só eu vejo isso? Eu acho que não.

MP: É inegável como seu olhar está atento ao que está acontecendo hoje no país.

Elza: Cara, eu fui buscar música lá de trás do Gonzaguinha que fala hoje, pra você ver há quanto tempo o Brasil tá passando perrengue e ninguém faz nada. [O povo] se calou, aceitou de braços cruzados, tá tudo bem. E não é por aí, né? Está tudo triste.

MP: Fico surpreso com você dizer que parece que só você enxerga tudo isso, já que sempre tem muita gente boa do seu lado, principalmente nos discos. Imagino que tenha muita gente compactuando com sua mensagem.

Elza: Tomara, meu Deus, tomara. Eu quero eco. Não quero falar sozinha, quero respostas. Isso é muito importante. Planeta Fome tá aí pra falar disso tudo.

MP: Você está cantando sua mensagem, mas o disco tem mesmo cara de ser também uma resposta. Como se ele estivesse no meio de um processo.

Elza: Deixa eu te contar, Planeta Fome tem mais de 50 anos. Imagina o quanto eu venho falando, chorando, brigando, pedindo ao povo de joelhos: Por favor, vamos tomar cuidado, se não piora. Dei entrevistas outro dia falando que o Brasil está gripado, ele precisa tomar remédio. E o remédio é o povo. Eu fiz o show no Rock in Rio completamente resfriada, mas mandei mensagens para todo mundo. Valeu, né?

MP: Com certeza. Acredito que seja bom levar sua mensagem a esses shows em festivais, porque acaba atingindo às vezes públicos diferentes, talvez gente que ainda não tenha ouvido seu disco inteiro.

Elza: É verdade, é uma garotada maravilhosa. Essa juventude está precisando de apoio, de carinho, de respeito. E eu não vejo ninguém fazer nada por eles.

MP: A senhora se sente responsável por levar um pouco de carinho e respeito a esse jovem?

Elza: (pausa) Ô cara, eu não sei como eu me sinto não. Me sinto no dever de falar. Eu posso não ver o futuro do país, é lógico, mas a minha participação está aí. 

MP: É o que a gente pode fazer, né?

Elza: É o que a gente pode fazer, André. Não dá para fazer mais nada.

MP: Por falar nessa juventude que vai em festivais, me chamou muita atenção Não Tá Mais de Graça, tão cheia de referências à cultura pop de hoje. Como você percebe sua música no meio desse universo jovem com que está dialogando?

Elza: É uma maravilha, cara, eu me sinto pop também, honestamente. O [Rafael] Mike foi muito feliz ao compor essa música. Ele tem uma história linda, tão empolgante, tão forte, que me fez chorar. Você sabe que o pai dele foi meu baterista, e ele nem sabia… enfim, é toda uma história.

MP: E história é o que Elza Soares mais tem para contar, com dezenas de discos lançados. É uma jornada musical que já passou por muitos cenários diferentes. Mas o que para você nunca mudou ao longo de seus discos, o que é constante na sua música?

Elza: Cara… o desejo de falar, o desejo de ser ouvida, como eu gostaria que esse país fosse. Estamos precisando de cultura. Estou com fome, André, fome de cultura, de saúde, de uma juventude sadia. Tô com fome disso tudo, cara.

MP: Você viaja bastante pelo país, imagino que veja muitos países diferentes dentro de um mesmo Brasil. Como é ter contato com tudo isso?

Elza: É muito bom. Eu sou muito brasileira. Amo esse país demais, demais, demais, demais, demais. Não sei como seria se eu fosse embora. Peço muito ao pessoal que quer ir embora que não vá não. O Brasil precisa de nós. Fugir agora é covardia. Não sei, cara, não sei.

MP: Você lançou Mulher do Fim do Mundo em 2015. Fico pensando que, nesses quatro anos, cada vez mais gente se sentiu no fim do mundo também. 

Elza: Eu acho que não vejo o mundo acabar, eu vejo a gente acabando [com ele]. Mas a gente tá querendo isso, a gente não tá fazendo nada, tá deixando o planeta passar por tudo o que tá passando. Acho que o povo está desgostoso mesmo. Não tem mais aquele prazer de vida não. Isso é muito triste, me dói muito.

MP: Fico com o coração apertado ouvindo esse lamento vindo da sua voz. Temos falado muito sobre artistas que espalham alegria, mas penso que também é importante infectar as pessoas com a tristeza, para elas entenderem o que está acontecendo.

Elza: É lógico, elas têm que sentir o peso das coisas. Meus Deus, tem que acordar. [O povo] tá dormindo muito. Vamos acordar! Eu quero cantar para um país onde a saúde não esteja doente, onde a educação forme cidadãos. É isso o que eu quero ver, é o que está no meu disco.

MP: Isso porque, há alguns anos, tinha gente dizendo “o gigante acordou”, mas parece que a realidade é outra, não é?

Elza: É. Eu acho que deram alguma coisa para ele adormecer mais. Não acordou não. Queria que estivesse acordado, eu estaria feliz à beça. 

MP: E como a gente faz para acordar o Brasil?

Elza: É sair para as ruas. É gritar. É cantar música verdadeira. Falar, se comunicar uns com os outros – ninguém faz isso mais, tá horrível.

MP: O lado bom é que o país tem produzido músicas lindas, que é o caso do seu disco.

Elza: Obrigada, meu amor. Se Planeta Fome tem essa mensagem, vamos escutá-lo para ver se anima alguma coisa. (risos)

*O Balaclava Fest acontecerá neste domingo, 13 de outubro, em São Paulo (Audio – Av. Francisco Matarazzo, 694 – Barra Funda). Além de Elza Soares, o festival terá Kelela, Battles, Shame, Ryley Walker, Papa M, ÀIYÉ e Boogarins. O ingresso, à venda no Ticket360, pode ser adquirido na promoção 2 Amigos (dois pelo preço de um).

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