Em 2021, Coquetel Molotov Está Mais ‘No Ar’ do que Nunca
“Um mergulho no digital” é a proposta da 17ª edição do No Ar Coquetel Molotov, que, como todo evento durante a pandemia do covid-19, precisou se reinventar para ser feita à distância. E “reinvenção” é mesmo a palavra chave para entender o que o tradicional festival do Recife trouxe desta vez.
Ao invés de apenas ter transmissões ao vivo por alguma plataforma, o evento promoveu rodas de discussão sobre os mais diversos assuntos pertinentes ao meio independente do qual faz parte. Além disso, sua grande atração não era um nome no line up, mas uma obra audiovisual composta pelas performances ao vivo e registros desta que é uma nova experiência de receber o conteúdo de um festival. Dividida em dois episódios, com estreias em 22 e 23 de janeiro, a obra traz Tuyo, Jup do Bairro e diversos outros nomes em performances exclusivas, mas não em tempo real.
“A Aninha nunca teve medo de arriscar”, conta Benke Ferraz (da banda Boogarins, que, além de mediar alguns painéis e se apresentar com Ava Rocha nesta edição, assina a direção artística do evento/longa) ao Música Pavê. Aninha, no caso, é Ana Garcia, fundadora do Coquetel Molotov e grande fomentadora do meio alternativo brasileiro (musical e além). “O primeiro show do Boogarins fora de Goiás foi em um evento do Coquetel”, explica ele, “então antes mesmo de ter uma relação de trabalho e pessoal com a equipe, enquanto artista eu já tinha isso”.
Ele comenta que o NACM, por exemplo, “foi o primeiro festival independente a trazer o brega funk para o palco, em 2018. É um festival que, ao mesmo tempo em que está ligado no avant garde, naquilo que é experimental, também está preocupado em ser responsável com a cena à qual fomenta e que também fomenta o festival”. Depois de trabalhar no formato de “lives” (“como um evento mesmo, com lotação de público”, como relembra Benke) no primeiro semestre, a primeira ideia era apenas crescer e realizar algo ainda maior, gratuito e transmitido pelo YouTube. “Mas a conta não fecha”, comenta ele, “não daria para pagar um cachê legal para os artistas fazendo só isso”. Foi quando o plano de gravar os shows com antecedência e exibi-los como um filme começou a tomar forma.
Como o Coquetel Molotov possui edições também em São Paulo e Salvador, a produção logo entendeu que um dos desafios para sua versão digital seria reproduzir suas identidades também nesses lugares. “Aí que deu o clique de entender que o recorte do que é a representatividade do Coquetel para a cena do Recife era muito mais importante de ser passado como caráter do que fazer as lives“, conta Benke, “mais do que o festival, é a tradução do que ele é para a tela”.
Como cenário, foi escolhido um local bucólico, bem diferente da cidade grande de costume. Lá, o festival pôde armar seu palco para não apenas receber apresentações musicais, mas também “cruzar conversas e trazer os artistas em performances que não são padrão, e também brincar com a ambiência do local”. Tudo isso contribui para a impressão que, ao chegar ao seu 17º ano, o festival ganhou uma espécie de “versão definitiva” que resume o que a marca Coquetel Molotov realizou ao longo dessas quase duas décadas de eventos e aponta também para seu futuro.
O fator tempo também acaba sendo um de seus maiores diferenciais, justamente porque ele não se limita às duas semanas de painéis e performances que aconteceram desde o dia 11 de janeiro. “Quando o Coquetel assume a pegada de fazer uma obra audiovisual, como um longa serial, com diferentes episódios por dia, também está assumindo esse lado atemporal de uma obra”, explica Benke, “é um material trabalhado para ser o longa de um festival que realmente aconteceu – como o longa do Woodstock, que a gente vê depois de 40 anos e acha maravilhoso”.
“É uma obra que pode ser assistida daqui cinco ou dez anos, e a pessoa vai se sentir parte daquilo de alguma forma, seja pelas entrevistas ou nas apresentações”, continua ele, que observa também como este formato está em par com as discussões que temos hoje sobre o uso da tecnologia. “A gente tá vivendo uma época em que temos pelo menos duas gerações com celular como realidade e o culto à personalidade digital”, explica Benke, “e essas ferramentas não deveriam ser maiores que o fazer artístico, o criar, o estar sendo verdadeiro ali”.