Dylan Cartlidge Encontra Vários Passados em seu Presente

“Quando você descobre um artista novo, você começa a categorizar seu som pelo conteúdo da obra completa que ele já lançou, seja com álbuns, EPs ou singles. Sei que existem muitos fatores aí, tem a tal da síndrome do segundo disco, ou as mudanças que ocorrem naturalmente entre um lançamento e outro, mas eu sou fascinado por essas narrativas. No meu caso, reúno o que aprendo sobre a minha experiência de vida e os elementos do meu passado para criar essa minha identidade como artista”.

Não é sempre que os artistas revelam uma perspectiva tão ampla sobre seu trabalho quanto a forma que Dylan Cartlidge apresentou ao Música Pavê durante uma entrevista por Zoom. O artista britânico, com a mesma simpatia palpável em suas fotos e vídeos, compartilhou a forma com que trabalha seu processo artístico e que resultou em seu mais recente single, Yellow Brick Road.

Quem vê todas as cores do clipe e de seu figurino pode não desconfiar que Dylan vem de uma região periférica na Inglaterra e atravessou uma série de grandes dificuldades antes de se encontrar na música. “Eu tive uma criação complicada e eu lido com isso diariamente”, conta ele, “vivo com a charada de tentar entender que a maior parte das pessoas de onde eu vim que passaram pelas mesmas dificuldades estão ou presas, ou dependentes de drogas, ou mortas, e eu estou na posição única de, não apenas não estar nessas situações, mas também poder buscar minha visão artística”.

Isso explica grande parte do conteúdo otimista, ainda que realista, que vemos em suas letras. Como ele mesmo conta: “Tento sempre aprender mais sobre mim mesmo em razão da minha arte”. “Me esforço para que minha música seja o mais autêntica possível”, explica ele, “isso tem a ver com eu abrir a tampa de alguns sentimentos e ver como as coisas saem ligadas a alguns estilos de som. Como essa é minha maneira de criar, sem estar preso a um método mais técnico, sinto que minha identidade artística é bem representada”.

Ao estar atento a esses processos, Dylan entende que as estéticas presentes em seu som “tem a ver com minhas experiências pessoais, mas também com o tempo que vivemos”, como ele mesmo conta: “As pessoas hoje não são mais tão ‘tribais’ com a música como eram antes – se seus amigos ouviam punk, você só podia ouvir punk, ou se eles ouvissem rap, você tinha que escutar também, sabe? Os serviços de streaming ajudaram as pessoas a terem acesso a mais gêneros e estilos, e essa geração já cresceu com isso. Acho que esse gosto eclético molda muito da produção musical de hoje – e a minha também”.

O ecletismo está no DNA musical de tudo o que Dylan faz, o que também tem muito a ver com como ele processa seu passado a partir da perspectiva do presente. “Eu comecei como rapper quando ainda era moleque, e qualquer coisa que tivesse guitarra ou instrumentos ao vivo não era para mim, não era minha música”, relembra ele, “quando eu tinha uns 16 anos, entrei em uma banda de um pessoal que usava jaquetas de couro e botas. Eles me mostraram The White Stripes e The Black Keys, e eu nunca mais saí dessa”.

“Eu tenho uma visão nostálgica muito forte da música no início dos anos 2000. Particularmente, o revival do rock e o hip hop daquela época são o cimento que pavimentou toda a minha música. Acho interessante como eles são um revival de um revival. E a forma com que eu vejo hoje, tudo ali me influenciou, até mesmo o quanto de Cartoon Network eu assistia (risos). Tem algo muito enraizado em mim daquela época”.

Ao analisar o som que apresenta hoje, Dylan se sente à vontade para chamá-lo de “hip hop alternativo”, porque “o hip hop parece estar cada vez mais novo à medida em que envelhece, alguém sempre descobre algo que ainda não foi feito nele. Aquilo que as pessoas achavam que o rap seria quando ele surgiu, nos anos 1980, evoluiu de um jeito que nem sempre damos conta de acompanhar. Hoje ele é reflexo da mistura de culturas e do acesso que temos a produções do mundo todo. Você entra na Netflix e pode ver programas da Espanha, do Brasil, ou do Japão. Isso culminou em artistas como Anderson .Paak e Childish Gambino, gente que está agregando tudo o que está acontecendo no mundo e fazendo um som original. É algo que eu quero conseguir fazer”.

“Eu ando nessa corda bamba de ser um rapper, não ser bem um cantor, nem um baixista ou produtor. Eu tento fazer tudo isso, mas não com tanto empenho para ser tão bom (risos), para criar uma situação interessante que pode ser capturada no meu som. Para mim, é importante que cada música seja como uma epifania na minha vida. Sei que quando eu crio algo e acho a relevância de ser algo diferente do que já fiz antes – pode ser parecido com The Strokes, Ray Charles ou Talking Heads -, sei que era exatamente o que eu deveria estar fazendo. Gosto desse processo de chegar a um resultado e pensar ‘nem sei como eu fiz isso, mas gostei’”.

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