Dudu Marote: Sobre XAXIM e a espiritualidade na música
Xaxim é como é chamado o caule de uma espécie nativa da Mata Atlântica, da qual pedaços seus são cortados para o cultivo de outras plantas em sua superfície, ou mesmo para adubar a terra. É um paralelo direto com o trabalho de um produtor musical, que oferece seu repertório, técnicas e percepções para outros artistas plantarem sua criatividade. Não à toa, XAXIM é o projeto que une o produtor Dudu Marote ao DJ e diretor criativo Fabião Soares. Juntos, eles têm apresentado uma sonoridade essencialmente brasileira dentro da música eletrônica, unindo a expertise de décadas de trabalho a pesquisas e demais questionamentos recentes de ambos.
O nome Dudu Marote ressoou na mídia nas últimas semanas a partir de dois fatos: BaianaSystem ter ganhado o Grammy Latino para um disco com ele nos créditos (O Futuro Não Demora) e o anúncio do fim da banda Skank, da qual ele produziu alguns de seus trabalhos mais referenciais (Calango, de 1994, e O Samba Poconé, 1996). São exemplos de como o produtor está presente nos bastidores da música brasileira já há mais de 30 anos, e encontrou agora a oportunidade de mostrar algo seu.
Falando ao Música Pavê por telefone, ele comenta que XAXIM surgiu quase espontaneamente. “Estávamos no festival Dekmantel vendo Carrot Green, que faz um som bem brazuca, groovado, com muita espiritualidade”, conta ele, “a gente falou de fazer algo assim junto e ficou com essa ideia. Fabião é meu amigo há mais de 20 anos. Ele sempre foi DJ, mas nunca exerceu muito, porque ele faz muita direção criativa de eventos, como o show de Alok no Rock in Rio e a abertura das Olimpíadas (2016). Musicalmente, a gente sempre dialogou muito. Como ele é um cara de conceito, ele trouxe essa ideia de se apresentar com duas samambaias na cara – como se fosse um Daft Punk verde (risos)”.
A parceria logo rendeu apresentações no Brasil e na Europa, tendo passado por Berlim, Londres e Paris antes mesmo do lançamento do primeiro single – Pó de Guaraná, com Laylah Arruda, no último 8 de novembro. “Não quero ter pressa para fazer as coisas, prefiro fazer direito”, comenta Dudu, “mas estamos fazendo muitas coisas, com planos de um álbum no ano que vem”. Logo mais, no entanto, XAXIM lançará o EP Praii, que contará com parcerias de Castello Branco, Luê e o duo português Oxhala, além de um remix para Calor da Rua, da banda francisco, el hombre.
Além das colaborações com outros artistas, o trabalho de estreia de XAXIM vem marcado por uma profunda investigação da relação da música com a natureza, a começar pelas plantas. “A gente comprou um artefato que tem uns eletrodos que lêem a energia das plantas e transforma [a informação] em midi”, conta Dudu, “a gente fez um set na Casa Aberta que, na abertura, ‘as plantas tocavam’. Soa uma coisa mais de instalação. A minha análise, que ainda é superficial, é que a planta no estúdio é mais ‘nervosa’, reage mais rápido e de maneira mais aleatória. Já em um lugar com mais gente e mais calor, ela responde suavemente. Com o tempo, nossa ideia é que as plantas toquem conosco em todos os sets”.
Para além do mundo vegetal, o duo traz para seu som os estudos sobre a espiritualidade e o papel do som nas conexões do homem com o sagrado. “Pude nesses últimos anos visitar e estudar inúmeras coisas, seja xamanismo, umbanda, candomblé, enfim”, comenta o produtor, “e também estudei muito [esses movimentos] musicalmente. A gente quer que todo trabalho que a gente tá fazendo nas músicas tenha uma conexão com a espiritualidade. É uma coisa que não é muito conversada no Brasil, que toda conexão de espiritualidade – seja católica, evangélica ou de matriz africana – tem música. Passei a ter toda essa coisa de espiritualidade dentro do meu repertório. E o XAXIM tem muito desse Brasil espiritual”.
“Aos 54 anos, eu não tenho nenhuma outra chance a não ser brasileiro. Tá incrustado em mim”, conta Dudu, “a pretensão que havia na música eletrônica brasileira de querer soar gringo… acho que cada um está em seu rolê – fiquem à vontade -, mas esse não é o meu. Ao mesmo tempo, se eu ouvir um tecno e quiser incorporar uma vibe, tá tudo certo. O que a gente faz é um pouco reciclador de lixo. Você pega, muda, ressignifica e faz outras coisas. Como Fabião é um cara de conceitos, a gente pode trazer uma música que é eletrônica, é orgânica e é conceitual – não é só para tocar em um set de house, por exemplo. A galera de festas e festivais tá curtindo muito, porque tem uma cara própria”.
Nessa relação de atuar no Brasil e dialogar com a cultura de hoje tem muito a ver também com a vivência que os dois têm tido de ver as reações das pessoas aos sets e as experiências transcendentais que a música possibilita – o que está ligado intimamente à questão espiritual que o projeto toca. “Tem uma palavra pouco utilizada, mas que gosto muito do significado: Egrégora”, explica o produtor, “é um grupo unido naquele momento para vibrar junto algo. Uma egrégora é muito poderosa, porque ela fala de um desejo em comum das pessoas para coisas que não são materiais. Sei que não vou conseguir resolver todos os problemas do Brasil neste momento. Mas, se eu puder resolver o micro-Brasil que está na minha frente agora, já está bom. Se em cada set eu conseguir trazer uma sensação na qual a pessoa fique bem, acho que já estou ajudando”.
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