DJ Dolores e a “necessidade de uma psicanálise nacional”

foto por fred jordão

“É importante manter o diálogo com o pessoal mais jovem… e quando a pessoa fala ‘pessoal mais jovem’ já tá entregando que é um puta coroa, né? (risos)” – experiência, bom humor e muita inspiração marcam o lançamento de Recife • 19, disco com o qual DJ Dolores comemora os 30 anos de carreira. Em entrevista ao Música Pavê por telefone, o sergipano radicado no Recife conversou sobre como sua música tem intenção de ser sempre atual, mesmo ao falar sobre o passado.

É essa a proposta do novo álbum. Helder Aragão (o nome por trás do projeto) investiga o Brasil que já aconteceu para entender melhor as perspectivas que temos recentemente sobre o país. “Eu acho que a gente está profundamente mergulhado na necessidade de uma psicanálise nacional”, conta o artista, “quando comecei a trabalhar com música em um sentido mais comercial, formando banda e fazendo turnê, no começo dos anos 2000, tinha uma perspectiva muito positiva no Brasil. A gente acreditava que as coisas iam se transformar. Hoje em dia, a visão sobre o país tá muito negativa, parece que a gente tá entrando em umas trevas sem fim, né?”.

Antes desse início da discografia (seu álbum de estreia, Contraditório, é de 1998), DJ Dolores já era um nome conhecido na cena independente pernambucana e no manguebeat, onde atuava também em outras linguagens, não só a música. É dele, por exemplo, a capa do clássico Da Lama ao Caos, que Chico Science e Nação Zumbi colocou no mundo em 1994. Essas atividades multimídia tiveram impacto direto sobre a maneira com que ele trabalha a carreira musical.

Mais importante do que minha formação como designer, foi minha formação como roteirista e diretor”, explica ele, “comecei a fazer música como trilha para as coisas que eu e meus amigos dirigíamos. Quando você trabalha com audiovisual, você coordena uma equipe, e esse senso de organização foi uma grande escola quando comecei a trabalhar com música. Entendi que dirigir uma banda era como trabalhar com uma equipe de cinema: Você reconhece o talento de cada um, entende como deve funcionar o conjunto, como cada um tem o seu papel para contar a história final”.

Sua função de trilheiro segue firme três décadas depois. Helder conta que ter que seguir uma demanda de trilha em um estilo específico é um grande exercício criativo: “Às vezes tem que fazer uma coisa bem roqueira, ou bem eletrônica. Acho que, quando vou fazer um álbum autoral, trago todo esse conhecimento adquirido nas experiências com cinema”. O resultado – como Recife • 19 bem mostra – é uma liberdade maior para passear com fluidez por uma grande diversidade de gêneros.

“Uma coisa que eu gosto muito, e que está sempre presente nos trabalhos, é estar conectado com a música de rua que é feita no Brasil”, diz Helder, “tem um monte de influência do brega funk, dos arrochas, do funk que está sendo feito no Brasil hoje. Não tem nenhum 150bpm, porque a ideia não é mimetizar o que as pessoas estão fazendo, não queria ter nenhuma propriedade sobre isso – tenho 53 anos, não sou moleque -, mas é óbvio que existe uma influência muito forte deste tipo de experiência desbravadora dessa música nesse meu álbum”.

Como o título do disco não nega, DJ Dolores escreve sobre o que enxerga nas ruas hoje em dia, o seu “aqui e agora”, a começar pelo Recife, mas também na produção do país como um todo – “Ter Edgar no disco tem isso. Reverenciar [Jards] Macalé também, que é super importante. Os dois são vanguardas de épocas diferentes”, como ele conta. Para Helder, o que temos de melhor na música hoje “é a relação com a tecnologia, no que se refere ao meio de produção. Fico muito encantado com a quantidade de música bacana que eu ouço quase diariamente que não é lançada por selo, que tá fora da indústria, que não vai ganhar Prêmio Multishow e que não estará nos festivais estabelecidos. No entanto, é uma música que vai chegar em milhares de pessoas, de caráter internacional”. Dono de uma carreira mais sólida fora do país do que aqui, ele observa todos esse fenômenos com propriedade.

Acabei de chegar de uma viagem para a China, toquei em vários festivais e um deles era na rua. Fui como DJ, levei dois dançarinos comigo. Os caras sabem nem o que é o Brasil, ou onde fica o país. Aí, o povo estava saindo do trabalho, os dançarinos ali comigo, coloquei um funk, dali a pouco um brega funk, um arrocha… E os chineses foram chegando, se envolvendo. É muito foda, cara, essa música super desprezada no Brasil é a dance music brasileira de verve mais internacional. Para mim, como DJ, é muito interessante ser um curador e tocar as músicas dos outros. Ver aquele resultado, as pessoas reagindo, é fantástico, faz todo o sentido eu ainda estar exercendo esse tipo de coisa com mais de 50 anos de idade”.

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