Dicas de Discos: Outubro e Novembro/2022
Em um mês, uma grande quantidade de trabalhos musicais chegam ao mundo. Apesar de todo empenho da equipe do Música Pavê, nunca é possível contemplar tudo. A fim de chamar atenção para a impossibilidade de abraçar o mundo da música, fica aqui a seção Dicas de Discos do Mês, com álbuns que não deu tempo de comentar no momento exato de seu lançamento.
Os pavezeiros indicam obras que não podem ficar de fora dos seus dias. Se deparar com um trabalho musical que mexe com você é muito prazeroso, então fica o incentivo de experimentar esses sons e ir além, se atentando às recomendações de outros veículos e até mesmo às sugestões de algoritmos. Nunca se sabe de onde pode surgir seu próximo disco favorito.
Eis as dicas de outubro e novembro de 2022.
Djonga – O Dono do Lugar
O Dono do lugar apresenta um Djonga mais maduro, mas que não foge do que precisa ser dito. Com discussões sobre masculinidades de homens pretos e, como sempre, construindo narrativas de denúncias raciais, o álbum pode ser considerado um manual de autocríticas e conclusões autênticas (com ótimas letras e referências) sobre problemas que vão demorar a ser resolvidos – mas ele tenta com maestria a cada disco. (Rafaela Valverde)
Lucrecia Dalt – ¡Ay!
Aqui, a artista colombiana entrega uma poesia aqui se manifesta de variadas formas: Os versos declamados com um charme performático diferenciado, ornados por sons que soam como gotas e borrões e pinceladas de tinta que desnorteiam o que soa como a caminhada de uma Alice latina descobrindo as cores de uma noite errática e inesperada. É tudo muito inesperado: Um pouco de jazz, um pouco mais de bolero, um tanto de teatralidade e algo que escorre das mãos com facilidade se você não se permitir se entregar e se tornar um só. (Vítor Henrique Guimarães)
Laura Schadek – A Insanidade
Após alguns singles em que tateava possibilidades dentro do pop, Laura chega a esse EP com uma intenção bem definida: Trabalhando a estética do punk pop, a artista traz em apenas três músicas um sopro de energia genuinamente jovem. São letras confessionais e ganchos melódicos mostram que há possibilidade de trabalhar em terreno já explorado sem cair em clichês. Aguardamos os próximos passos da garota. (Eduardo Yukio Araujo)
Jéfferson Plácido – Música Clássica do Subúrbio
O carioca criado no bairro da Penha, um dos mais centrais do subúrbio da cidade, traz em seu álbum de estreia algo que serve quase como um manifesto: breves inserções vocais invocam um quê de afrofuturismo; Um gangsta jazz que respeita e reverencia a rua e sua potência criadora; Um instrumental que entende e costura o quintal calmo numa tarde de domingo à experiência caótica que é viver uma segunda-feira numa cidade que grita a cada passo – e, no fim das contas, meio que nos lembra que uma das únicas coisas que podem nos salvar é a música. (Indica-se abrir uma cerveja antes de dar o play). (Vítor Henrique Guimarães)
Phoenix – Alpha Zulu
É o sétimo disco da banda francesa, mas é, como bem sabemos, seu primeiro feito durante uma pandemia. Esse dado afetou (e como não afetaria?) toda a produção de Alpha Zulu, que acabou entrando para a discografia do grupo como seu trabalho “mais de estúdio”, menos com cara de algo feito para shows, tendo sido composto e gravado em um Museu do Louvre fechado ao público devido ao isolamento. (André Felipe de Medeiros)
Clarissa – para-raio
Após um EP de bedroom pop, a cantora carioca viralizou um single de rock adolescente e flertou com outras vertentes. Para seu primeiro álbum, Clarissa estabeleceu uma linha bem definida de pop contemporâneo, com a organicidade do soft rock e linhas dançantes, repletas de letras bem construídas sobre relacionamentos. Coeso e sem faixas descartáveis, o disco agradará quem vive ou já viveu os vinte e poucos. (Eduardo Yukio Araujo)
Hagan – Textures
De vez em quando surgem uns álbuns que conseguem aglutinar as tendências negras urbanas e diaspóricas de uma só vez, de uma forma muito coesa, familiar. O disco de estreia do produtor anglo-ganês é o mais recente representante dessa linha: Faz o funk carioca conversar com o jazz londrino, o noturno gqom sul-africano flertar com as texturas plásticas do deep house e ainda vem com um feat que eu particularmente nem sabia que precisava: O carismático e quase-brasileiro Sango e a queridona Luedji Luna. Disco fora de série. (Vítor Henrique Guimarães)
Lady Aicha & Pisko Cranes Original Fulu Mziki of Kinsasha – N’Djila Wa Mudjimu
Seguindo a tradição de bandas referências do centro africano, como Konono Nº1 e Kasai Allstars (e do ótimo selo ugandense de música eletrônica Nyége Nyége), a banda congolesa é incandescente desde o primeiro som metálico até o último gesto vocal num álbum que parece uma grande celebração do movimento: Da filosofia inicial de Pisko Cranes de inventar instrumentos a partir de objetos sucateados, tornando-os acessíveis para todos, ao inevitável balançar do ombrinho que acompanha o transe percussivo e elétrico de cada uma das músicas, até à simples visualização de como seria dar vida a cada nota que sai pelo fone de ouvido, tudo nos leva ao movimento, à circulação, à pergunta e à resposta. É o afrofuturismo extrapolado. (Vítor Henrique Guimarães)
Clara Valverde – BURBURINHO
A artista paulistana (via Salvador) já havia demonstrado seu talento para compor hits, mas o novo álbum, seu segundo, soa como uma coletânea de singles pop. Ao combinar gêneros como MPB, samba, arrocha, funk e outras vertentes brasileiras em canções perfeitinhas e que versam sobre relacionamentos, empoderamento, tristezas e alegrias de forma natural, Clara entregou um dos grandes discos deste ano. (Eduardo Yukio Araujo)
Red Hot Chili Peppers – Return of the Dream Canteen
Com solos de baixo e guitarra que remetem a seus sons mais antigos, além da influência do funk, Red Hot Chili Pepers traz Return of the Dream Canteen, irmão mais novo de Unlimited Love, lançado em abril de um ano que já é de grande feitos para a banda – que, além de lançar dois discos que se complementam e, ao mesmo, tempo se diferenciam, mostra que ainda tem criatividade para contar o que quer e precisa contar. (Rafaela Valverde)
Kyan – Dias Antes de Mandrake
O primeiro álbum do MC de SP traz o resultado da caminhada do artista nos últimos anos: Com naturalidade e fluidez, Kyan passeia pelo trap, funk, drill sem deixar de manter uma visão artística coerente. Ajuda demais ter a parceria do produtor Mu540, os versos ilustram um componente emocional sem esbarrar em sentimentalismo fácil ou o velho papo de autoajuda travestido de exaltação do sucesso individual. De fato, há mais detalhes nessas canções, que merecem ser percebidas como um retrato de um artista em evolução. (Eduardo Yukio Araujo)
NNAMDÏ – Please Have a Seat
Chega mais, senta aqui bem juntinho, vamos conversar sobre as contradições da fama num contexto onde tudo pode se tornar tóxico muito rápido, agir de forma quase autodestrutiva quando se está completamente perdido, e sobre a dificuldade de seguir com relações desgastadas e frustrantes. No fundo disso, você vê uma mistura incomum de rap, pop e math rock, e até você entender o que tá pegando (e se perceber parte de uma experimentação que te coloca num lugar que de certa forma é tão incômodo e confuso quanto do artista nígero-estadunidense) demora um tempo. A parte boa (ótima) é que você tá batendo cabeça numa viagem que não tem freio. É pé no acelerador e vambora. (Vítor Henrique Guimarães)
Thai Flow – Paris Café
Um disco de estreia com ideias sólidas não é tão comum, porém a jovem carioca já desbrava o cenário de batalhas de rima desde 2015, mostrando versatilidade na levada e versos sagazes. A entrega de boa produção e beats bem trabalhados ajuda o resultado final ser tão interessante, mas brilha mesmo a estrela de Thai: Com carisma de sobra, sua intenção de criar uma atmosfera quente e sexy é bem sucedida. Temos aqui uma garota versando sobre poder, atitude e ambição, com a aspereza esperada da vida real. (Eduardo Yukio Araujo)
Loyle Carner – hugo
Não tem como: O cara sabe canetar demais. Se aprofundando de uma forma ainda mais madura e honesta a temas que o atravessam há outros dois álbuns, como paternidade (um passado de ausência e a descoberta da própria no presente) e identidade étnico-racial que lhe causa confusão (“I’m black like the key on the piano / White like the keys on the piano”, ele diz em Georgetown, e lamenta com um “I told the Black man he didn’t understand / I reached the white man, he wouldn’t take my hand” em Nobody Knows (Ladas Road)), o rapper inglês entrega verdade, perdão, traumas, confissões, dores e uma produção (com nomes como Kwes., que já trabalhou com a Solange, Madlib e o jazzista Alfa Mist) tão sensível e linda quanto a vida pode ser. (Vítor Henrique Guimarães)
BK’ – ICARUS
O MC do Rio do Janeiro comete aqui seu trabalho mais acessível, sem que isso signifique diluição ou perda de identidade. Trabalhando com a mitologia grega como elemento ligação de seus pensamentos e digressões, BK foge de estereótipos e clichês, ao mesmo tempo em que permite brechas de raios solares entre nuvens escuras que normalmente permeiam sua discografia. Destaque para as participações muito bem encaixadas de Júlia Mestre e Marina Sena, além da produção caprichada. (Eduardo Yukio Araujo)
Rashid – Movimento Rápido dos Olhos
Com referências do cinema e da cultura pop/geek, o rapper entrega sua obra mais conceitual até agora, ainda mais cheia de ideias bem executadas que seus trabalhos anteriores – e isso em um nível surpreendente. Acompanhado de audiodramas, o disco nos brinda com participações certeiras de Liniker, Don L, Marissol Mwaba, Curumin, BK’ e Stefanie, entre outros. Um álbum redondo, bem amarrado e sempre muito divertido (o que é sempre importante). (André Felipe de Medeiros)