Dicas de Discos do Mês: Outubro/2024
Em um mês, uma grande quantidade de trabalhos musicais chegam ao mundo. Apesar de todo empenho da equipe do Música Pavê, nunca é possível contemplar tudo. A fim de chamar atenção para a impossibilidade de abraçar o mundo da música, fica aqui a seção Dicas de Discos do Mês, com álbuns que não deu tempo de comentar no momento exato de seu lançamento.
Os pavezeiros indicam obras que não podem ficar de fora dos seus dias. Se deparar com um trabalho musical que mexe com você é muito prazeroso, então fica o incentivo de experimentar esses sons e ir além, se atentando às recomendações de outros veículos e até mesmo às sugestões de algoritmos. Nunca se sabe de onde pode surgir seu próximo disco favorito.
Eis as dicas de outubro de 2024.
Tyler, The Creator – CHROMAKOPIA
Na capa do disco, Tyler cobre o rosto com uma máscara, mas, nas canções, o rapper está mais exposto e vulnerável do que nunca. Ao longo de catorze faixas, o artista trata da paranoia causada pela fama, da sexualidade reprimida e narra algumas questões familiares que enfrentou. Enquanto isso, a sonoridade transita entre a agressividade, a grandiosidade e, em alguns momentos, a quietude. No oitavo disco da carreira, Tyler traça uma autobiografia e ostenta seu talento de entreter a audiência e contar histórias. (Guilherme Gurgel)
Tess Parks – Pomegranate
Uma das características mais marcantes da música dos anos 1990 é a proposta de uma música meio lisérgica. Não no sentido alucinógena, muito bem elaborado nos anos 60 e 70, mas é como se você ouvisse algo e naturalmente entrasse numa grande e questionável trip sintética muito boa, mas também meio errada. Toda essa introdução pra dizer que a canadense Tess Parks chega a talvez seu álbum mais consistente, mais uma vez no que parece ser um esforço de fazer perdurar aquela sensação de deslocamento do real projetada pelos outros artistas citados. As guitarras rasgadas, às vezes pintando cenas que você quase consegue escrever na sua cabeça de tão instigantes. Algo bonito, bem bonito. (Vítor Henrique Guimarães)
MOMO. – Gira
O sol nasceu diferente na musicalidade de Marcelo Frota. Novas cores, texturas e sensações aparecem em sua discografia com essa coleção de dez músicas, que se comunicam tanto com a música do Brasil onde ele nasceu, quanto da Londres onde vive hoje. Gira é cosmopolita em sua estética, mas bastante pessoal no sentimento que o músico coloca nas músicas. Acima de tudo, é um trabalho caloroso, convidativo e sempre deslumbrante. (André Felie de Medeiros)
Pongo – PONGO BADDIE
O novo EP da cantora angolana é só mais uma prova do quão próximos são o funk e o kuduro: Primos que se encontram uma vez por mês na casa da avó, cada qual com suas preferências, mas sempre compartilhando referências. Essa é uma das características da música negra, em África ou na Diáspora. Não só pela percussividade contagiante, mas também por uma certa marra no canto e nas letras. E também no esforço de abraçar primos mais novos, como o amapiano em Alambamento ou o afropop em Celebrate, e um pouco de tudo isso Mandela. É um daqueles trabalhos em que você vê a família crescendo, e isso é sempre bonito de ver. (Vítor Henrique Guimarães)
BINA. – Chaos Is Her Name
Não é exagero dizer que de uma década pra cá a porta de artistas negros ocupando o entremeio do indie e da música eletrônica foi paulatinamente escancarada. Não que outros artistas não fizesse isso anteriormente (Erykah Badu é só um dos nomes que podem ser citados), mas a possibilidade de não ser uma excepcionalidade é tentadora e encantadora. Uma das portas dentro dessa porta é capitaneada pelos trabalhos de Solange (Knowles), numa pegada charmosa e experimental, que veio a inspirar nomes como Yaya Bey, Sudan Archives (que tiveram seus últimos trabalhos bastante elogiados) e, agora, a londrina BINA. Em pouco mais de 20 minutos, ela expande seu repertório enquanto compositora e produtora, e traz sete músicas bastante convincentes quanto ao seu talento. (Vítor Henrique Guimarães)
Maria Beraldo – Colinho
O mundo já é outro desde que Cavala foi destaque em 2018. No entanto, Colinho parece uma continuação muito natural daquela obra, repetindo características que gostamos de ver em Maria Beraldo e dando oportunidade de outras qualidades virem à tona. Com Zélia Duncan, Ana Frango Elétrico e Negro Leo como convidados, o disco comenta sexualidade por sons (e uma produção impressionante) que acompanham muito bem a complexidade do tema. Antes do fim, somos brindados com uma versão sublime de Minha Missão, da dupla João Nogueira e Paulo César Pinheiro. (André Felipe de Medeiros)
Amaria – Free Fallin’
Tão irresistivelmente deliciosa quanto a produção açucarada de seu álbum de estreia é a voz da cantora Amaria. Talvez em algum momento você possa pensar que ela peca pelo excesso, mas não se engane. Deixe-se levar pela música, pela dobra, pelo apelo, pela fisicalidade inevitável que este álbum proporciona. Deixe-se levar pelo zelo nas escolhas de produção como em, por exemplo, Beggin’: Ela poderia ter optado por um riff com baixo elétrico, mas no fim veio um contrabaixo – que contrasta lindamente com a bateria eletrônica que entra logo em seguida e com os arranjos de cordas que floreiam o restante da música, o que soa como uma poesia a mais no todo. Aqui, estou tomando o todo pela parte. Talvez seja um álbum intencionalmente melado, e isso é bom. Ideal para atos libidinosos, mandar mensagem para ex ou deixar tocando enquanto lava a louça. (Vítor Henrique Guimarães)
Audrey Nuna – TRENCH
A lógica de TRENCH parece muito a de a liquid breakfast (2021): Mostrar Audrey Nuna em vários cantos do espectro musical onde ela transita, de um pop bem torto e experimental a um pop não lá tão fora do convencional assim, mas ainda considerado e alternativo. A grande novidade é o álbum ser duplo, com ainda mais oportunidades de curtir a musicalidade múltipla e sempre muito caprichada da artista. Vale reservar seus melhores fones para faixas como Suckin Up e Mine (releitura do hit que Brandy e Monica lançaram nos anos 1990, relançado por Ariana Grande recentemente). (André Felipe de Medeiros)
Sans Soucis – Circumnavigating Georgia
A cantora italiana sai do minimalismo proposto em seus EPs iniciais e chega um debute que oscila entre o pop recente (como nas duas primeiras faixas, Best Class e Sexed & Sexual) e algo quase que cinematograficamente orquestral (Giulia chega a remeter às trilhas sonoras mais clássicas, tanto hollywoodianas quanto italianas). Brinca também com sons oitentistas e o som experimental dos anos 2010 e, ao final, retorna ao minimalismo de seus EPs iniciais. Foi proposital da minha parte: É como se ela estivesse navegando em torno de si mesmo, explorando suas referências, num exercício de refletir sobre quem ela é, sua própria identidade, o que já vinha sendo tema em trabalhos anteriores. Tudo um pouco meta – um dos motivos para acompanharmos a artista. (Vítor Henrique Guimarães)
Kinkajous – Nothing Will Disappear
Kinkajous é uma banda meio novata que faz parte de uma longeva cena inglesa de nu jazz, gênero que coloca camadas de sons eletrônicos de forma muito orgânica em arranjos de jazz, criando o que se chamaria alguns anos atrás de “vibe indescritível”. Em seu mais recente trabalho, o grupo se aproxima dos feitos de bandas mais consagradas do gênero (e da cena), como Portico Quartet e The Cinematic Orchestra. Não que seja a obra melhor finalizada – em algumas faixas parece que a ideia ficou pela metade -, mas é ainda assim um resultado que mostra amadurecimento em relação a onde se quer chegar, o que poeticamente é algo bem interessante de se pensar enquanto artista e ouvinte. (Vítor Henrique Guimarães)