Di Ferrero se Liberta da Perfeição e Abraça Sua Verdade no EP “7”

Di Ferrero retorna com um novo projeto solo, trazendo uma sonoridade mais crua e autêntica em 7, seu mais recente EP. Em entrevista ao Música Pavê, o cantor revelou detalhes do processo criativo, destacando como cada faixa surgiu a partir de momentos pessoais e reflexões sobre desilusão, amor, imperfeições e escolhas. Com influências que vão do groove envolvente ao rock energético, 7 é um reflexo do artista em um momento de maturidade, priorizando a verdade em sua música acima das pressões do mercado.
Durante a entrevista, Di compartilhou como buscou um som mais orgânico, valorizando as conexões entre os instrumentos e a banda. “Eu dei alguns passos para trás – no bom sentido -, para tocar de forma mais crua e sentir mais a música”, comentou ele. Também demonstra seu ponto de vista sobre o cenário musical, defendendo um processo de criação mais espontâneo, sem se prender a fórmulas ou expectativas externas: “O importante é respeitar o som e não ficar refém de uma estratégia de mercado”
Além da sonoridade, 7 carrega uma forte identidade visual, com uma capa que simboliza a transição entre o fim e o começo — um conceito que se reflete nas letras das músicas.
Para saber mais sobre como funciona a narrativa intrigante de Di Ferrero, leia a entrevista na íntegra abaixo.
Música Pavê: Na numerologia, o “7” representa o aprofundamento da alma, é aquela coisa da harmonia, do equilíbrio. Você acha que esse EP alcançou esse conceito?
Di Ferrero: Não, estou totalmente desequilibrado (risos). Mas o ser humano é isso, né? Imperfeito, e é assim que funciona. Mas, brincadeiras à parte, consegui alcançar a sinceridade comigo mesmo. Estou feliz com o que consegui gravar, passar, escrever, e o projeto está bem amarrado em vários sentidos. As músicas têm uma sensação, uma sequência, e o que consegui transmitir me deixa feliz, sabe? Fui sincero. Fui real, né? Ainda não alcancei esse nível, mas acho que poder usar as músicas para levar essas histórias e ideias adiante, além de expressar a vulnerabilidade de tudo o que vivemos, é muito significativo. E a sonoridade, eu amei também. Consegui transmitir algo que eu gostaria de dar play e ouvir, sabe? Com isso, estou bem feliz comigo.
MP: Aproveitando que você falou que o ser humano é imperfeito, essa foi uma das frases que eu anotei do EP: “É tão normal ser imperfeito”. O 7 é um manifesto dessa liberdade de sermos quem somos, perfeitos ou não? E como isso se aplica a sua trajetória como artista?
Di: A cobrança que tenho sobre o que quero fazer e o que preciso fazer, ou acho que preciso, sempre foi muito forte. Isso me travou e me atrapalhou muitas vezes, fazendo com que eu deixasse de tentar coisas que poderia ter experimentado, mesmo que não dessem certo. Sinto que ele transita por aí, sabe? O EP fala sobre essas sensações. Por exemplo, quando gosto de alguém, gosto dos defeitos também. É isso que quero dizer: não tem como ser perfeito, né? Se a pessoa fosse perfeita, como o trecho de Além do Fim: “fala que eu sou insuportavelmente gente fina”, mas até uma qualidade em excesso pode não ser algo tão bom. A personalidade, do jeito que somos, com nossas imperfeições, é o que nos conecta com os outros e nos permite ser sinceros com nós mesmos. Acredito que consegui dar um grande passo na minha vida, e esse EP me ajudou.
MP: Acho que 7 está numa vibe mais introspectiva, um pouco mais orgânica e como você disse, chegou na sonoridade que você queria. O que você acha que mudou na sua abordagem musical e na produção para alcançar esse resultado? E como ele pode se diferenciar dos seus outros autorais?
Di: É muito louco que você fica procurando sons, né? Eu vou para onde? Vou fazer o quê? Nesse caso, eu não procurei assim. Eu acho que dei uns passos para trás, no bom sentido, né? Tocar, ficar mais cru, mais orgânico, sentir mais ali os instrumentos junto, a banda junto. E isso é muito legal, sabe? Porque eu tenho ali muita coisa de sintetizador e vários outros elementos de cordas. A tecnologia está ao meu favor. As músicas estão muito sinceras, né? Você fala de desilusão, que é uma sensação que você vai passar, que todo mundo tem um momento, tem alguma hora de desilusão, ou tá passando ou já passou por algo assim. Mas, ao mesmo tempo, você fala isso com um som que tem um groove, que vai para frente. Não é que você vai ficar triste, você vai refletir sobre uma coisa dançando. Ele é realmente profundo, introspectivo, mas, ao mesmo tempo, ele está pra fora, tem uma conexão real. São temas que a gente passa mesmo, como a desilusão em Além do Fim, por exemplo. Essa coisa que a gente tá falando de não ser perfeito, de você se identificar até com os defeitos às vezes, isso não tem fim. Então, você vai terminar com alguém por ela não ser perfeita? Mas, na verdade, isso não é um motivo de término. Então, Além do Fim, o que vai sobrar? E Universo Paralelo também pega um pouco dessa introspecção, que é o lance do “e se”, né? E se eu…? E se fosse…? Se eu tivesse feito isso, se eu tivesse ido para esse caminho…? Essa coisa de se arrepender às vezes por não fazer algo, sabe? Então, é legal porque elas vão se conectando, têm uma linha de raciocínio e, principalmente, o vídeo. O vídeo tá muito legal, o visual do som, né? Tô chamando de visual do som, não é nem o clipe, porque eu acho que o clipe é mais comercial, virou uma coisa meio Hollywood. Não é isso. É um conceito de som que você vai entendendo com as cores, com o momento e tudo mais. Então, eu começo com Universo Paralelo, é uma IA (Inteligência Artificial) meio lúdica, e vai contando ali uma história que muda para Além do Fim. Aí eu estou num lugar já real, já não é mais IA, e tipo no meio do nada, só que no meio de todo mundo ao mesmo tempo. Então, o vídeo vai ser muito legal, tá tudo bem amarrado.
MP: Eu ia te perguntar exatamente isso, quando eu escutei o EP, senti uma sintonia muito forte entre as faixas, como se tivesse uma “programação”. É muito legal elas se conectarem realmente e não ser apenas uma impressão. Teve alguma coisa que te marcou muito durante a composição dessa história?
Di: Ah, todas tiveram um gatilho real, né? Som da Desilusão, eu estava mesmo numa desilusão. No meu caso, uma desilusão de amizade, algo que eu passei e acabei jogando para fora essa sensação, esse sentimento. E eu acabei de passar por isso. Tipo, enquanto eu sentia, eu escrevia. Além do Fim é o meu cotidiano, né? Quem eu vivo, quem eu sou. Minha esposa, a gente passa por esse momento em que nos amamos, mas também temos defeitos e coisas que enfrentamos, e isso não acaba, porque ainda tem amor. E Universo Paralelo, eu lembro que eu estava fora do Brasil compondo. Eu já tenho outras músicas que fiz lá fora, em Los Angeles, que fazem parte dessa sequência desse novo momento. E um dia eu me perguntei: “Cara, e se eu tivesse nascido aqui, e não onde eu nasci? Se eu tivesse feito outras escolhas, como seria?” Aí comecei a pensar nessa situação e, depois, vendo uma série que eu esqueci o nome, vi um cara tentando resolver um problema em vários multiversos, mas só piorando tudo. Tipo assim, você tenta resolver, quer sempre voltar no tempo para consertar as coisas, mas isso é impossível. Você tem que resolver em cima do que já aconteceu, da verdade, assumir e tentar seguir em frente. Então, todas essas coisas foram sensações reais, sabe? As músicas carregam isso. E elas têm, sim, essa linha que você falou, têm uma sequência. Tanto que começa com Som da Desilusão, que já tem uma intro dentro da própria música, aí ela toca, e a outra já vem na sequência. Até as notas seguem essa lógica, e termina para cima, com uma música mais porrada, que é Universo Paralelo.
MP: Falando de Universo Paralelo, tiveram algumas guitarras que me lembraram um pouco Charlie Brown Jr. Eu queria saber se você teve alguma inspiração externa de alguma banda ou de algum estilo específico na composição de 7?
Di: Ah, teve algumas coisas que estou ouvindo que acabam sendo mais cruas, né? No domingo, fui ao show do Lollapalooza. Tive show no sábado e, no domingo, fui assistir. E tem um cara, por exemplo, que tem um som bem de alma, bem tocado. É o Michael Kiwanuka. Não sei se já ouviu falar, mas esse cara é muito foda. É um som bem dinâmico, de olho fechado tocando, com groove e tal. E isso me chamou muita atenção. As guitarras de Universo Paralelo foram gravadas pelo Bruno Genz, que toca e compõe comigo, além de ser o co-produtor do EP. A produção ficou por conta do Felipe Vassão, um cara muito talentoso. Inclusive, recomendo para a galera que está acompanhando dar uma olhada no conteúdo dele. Ele manda uns conteúdos de música incríveis, fala sobre tudo. O co-produtor, Bruno Genz, que gravou as guitarras, toca comigo e era da banda Cine. Ele trouxe uma pegada que tem uma influência forte de Charlie Brown Jr., que é uma grande referência para mim. Além de ter crescido ouvindo, toquei muitas vezes com eles. No começo da nossa carreira, tínhamos o mesmo empresário, e tive o prazer de dividir o palco várias vezes. Fiz feat com Chorão, que foi um mentor para mim, sempre gostou do meu trabalho. Tenho um carinho enorme pela banda e pela história dela, e essa influência está presente nesse som.
MP: Falando da estética, eu fiquei muito curiosa com o design da capa. É uma casa, uma pessoa no deserto e eu vi que foi usada inteligência artificial para criar algumas dessas texturas. Queria saber como essa estética dialoga com o conceito do álbum?
Di: O sete, na verdade, o que mais me chama atenção, além de toda a simbologia, é o horário do dia. Às 7 horas, que é o fim do dia e o começo da noite, aquele tom azul, né? Para mim, essa é a melhor hora, a que mais me inspira. Eu adoro esse momento, porque algo está acabando e, ao mesmo tempo, algo está começando. E essa capa foi feita para transmitir isso. Tem um feixe de luz refletindo no telhado da casa, com o começo da noite azul ao fundo. A casa representa onde estamos, um reflexo de nós mesmos. E tem um cara ali, que sou eu — ou pode ser qualquer um —, apenas uma silhueta refletindo na casa, que simboliza ele mesmo. É uma brisa assim, mas essa é a ideia da capa, sabe? Passar essa sensação de estar em casa, de pertencimento. E o reflexo do cara no deserto representa essa chegada ao oásis, esse encontro consigo mesmo.
MP: Muito interessante. Acho que trouxe bastante essa coisa mais abstrata pro disco.
Di: Eu acho que o fato de ser subjetivo e abstrato abre muito espaço para a gente falar sobre tudo isso, né? Não é algo simplesmente literal, do tipo “é isso e acabou”. Eu conto o que mexeu comigo para escrever, de onde veio a inspiração e como tudo se amarra. Mas, ao mesmo tempo, a música pode te levar para o seu próprio mundo, para o que faz sentido para você. Eu gosto disso. Às vezes, até evito descobrir a inspiração de algumas músicas que escuto, porque já fizeram sentido para mim de um jeito pessoal. Tenho medo de me decepcionar se o artista disser algo completamente diferente, tipo: “Ah, fiz essa música porque engasguei com um copo d’água”, enquanto, para mim, ela tem um significado profundo. Não é que eu deixe tudo no ar, mas o abstrato permite esse sentimento. São temas que todo mundo vive, que eu também estou passando, e falar sobre isso foi quase terapêutico. De certa forma, foi muito libertador.
MP: Em entrevista anterior com o Música Pavê, você comentou sobre a pressão do mercado para lançar apenas singles. Disse que estava focado em fazer o que realmente acredita, sem pressa, como falou agora. Com 7, você sentiu essa mesma liberdade? Acha que isso reflete uma fase mais confiante, talvez mais desprendida dessas expectativas externas?
Di: Eu sempre tentei não me prender a essas pressões, principalmente na música, porque isso é o que mais frustra e trava um artista na hora de compor. Tem gente que fala: “Nossa, tô travado”, e, na maioria das vezes, isso acontece inconscientemente por medo de lançar algo, de se expor com um trabalho que talvez não pareça totalmente seguro. E, muitas vezes, essa insegurança vem porque você sente que não conseguiu passar exatamente o que queria. Nesse caso, estou muito feliz porque realmente consegui transmitir o que eu gostaria de ouvir agora. Se fosse de outro artista, eu daria play nessas músicas pelo tipo de som, pelas letras, pelas melodias. Falando do mercado e dessa pressão, eu não sei… Talvez, para artistas mais novos, pareça fácil eu dizer isso, porque já estou aqui há um tempo. Mas sinto que estamos num momento em que menos é mais. Hoje, o processo de fazer música está muito rápido, já tem uma fórmula, um jeito pronto, e muita gente segue essa lógica de lançar o máximo possível, no estilo “quanto mais, melhor”. Beleza, você pode entrar nesse fluxo, mas é uma escolha. Agora, quando você abaixa a expectativa e a ansiedade, foca em fazer um som bem trabalhado e lança no seu tempo, é diferente. Se você estiver numa fase em que soltar várias músicas está fluindo de forma natural e sincera, ótimo. Mas se não for assim, é importante respeitar o seu processo e, principalmente, o seu som. Caso contrário, você vira refém de uma fórmula de lançamento, de uma dancinha no TikTok, de um challenge qualquer. E a verdade é que os números no Spotify e no YouTube nem sempre refletem a realidade. Tem muitos artistas com números absurdos, mas que não conseguem se conectar com o público de verdade. E, sem essa conexão, não conseguem se manter. Em algum momento, mesmo que tenha dinheiro e plays, isso vai frustrar. São escolhas, né? Você pode tentar equilibrar as duas coisas. Pode sacrificar um pouco a fórmula do mercado e fazer um som que realmente acredita. No fim, isso é o que dura para sempre. Eu acredito nisso, sou otimista. Comigo, foi assim, e as bandas e artistas que admiro também seguem esse caminho. Talvez eu já esteja mais acostumado, mais cascudo com o mercado, porque já vi muitas mudanças. Quando cheguei, a galera das bandas que eu curtia já reclamava que os álbuns não vendiam mais. E eu falava: “Ih, álbum? Eu já tô no YouTube aqui!” Estava com NX Zero lançando músicas, e depois o jogo mudou de novo… Agora, está mudando outra vez. Se você, como artista, entrar nessa paranoia de acompanhar todas as mudanças do mercado, a chance de se frustrar é enorme. Mesmo que tenha números exorbitantes, pode acabar se sentindo perdido. Acho que o segredo é encontrar esse meio-termo. Hoje, estou muito feliz com meu time, lançando as coisas no tempo certo, de um jeito que faz sentido para mim, para os shows, para minha identidade como artista. Se eu pudesse passar uma mensagem adiante, seria essa. É o que eu gostaria de ter ouvido lá atrás, do Di mais novo, ou de algum artista que eu admirava.
MP: E para finalizar, que mensagem você gostaria que seus fãs levassem desse EP? O que você quer comunicar com ele, no seu íntimo, tirando toda essa questão de “fazer sucesso” — porque, no fim, todo mundo quer que sua música seja ouvida, compartilhada, e alcance o maior número de pessoas. Mas, no fundo, o que você gostaria que as pessoas sentissem ouvindo?Di: Eu gostaria de dividir esse momento ao vivo, de verdade. Quero que as pessoas me vejam lá e cantem junto comigo. Que se identifiquem com as músicas e saiam do mundo de casa para viver isso de perto. Mais do que tudo, o que eu quero com esse EP é cantar essas músicas junto com as pessoas. Se isso acontecer, pode ter certeza de que a conexão vai rolar e vai ser um momento incrível.
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