De Terráqueos a Marcianos: Capítulo Dois
Inaugurado semana passada com o artigo sobre a universalidade da música, estreamos com o World Project, um projeto obviamente mundial iniciado por um músico brasileiro com a participação de outros estrangeiros. Enfim, continuando a série De Terráqueos a Marcianos, hoje vamos falar da barreira da língua na música.
Não é de hoje que temos o inglês como a língua oficial e universal da música, além, obviamente, dos ritmos que dizem por si só. Mas, dentro de um contexto em que exige versos falados, poetizados e cantados, a língua inglesa ganhou muita notoriedade dentro desta arte. Os suecos do Abba, lá em 1973, abriram mão da língua mãe e compuseram em inglês para atingir um sucesso mundial e para tentar transmitir a mensagem na tal língua universal. Anos antes, lá em 1965, os alemães dos Scorpions também abriram mão da língua germânica e decidiu compor em inglês (mesmo que haja controvérsias nas diversas pronúncias). Para dar mais exemplos, os noruegueses do A-ha em 1982 também decidiram colocar o norueguês de lado e investir na língua inglesa.
Percebe-se que a música, desde a sua comercialização e espetacularização, mudou um pouco de figura e cedeu espaços para que artistas de outros países analisassem a importância de estar no mercado mundial. A língua inglesa foi drasticamente colocada “goela abaixo” nos cinco continentes e o que mais se ouvia nas rádios (até mesmo na Ditadura Militar no Brasil) eram músicas de bandas cantando em inglês; o famoso massacre yankee com Elvis Presley e o sucesso estrondoso dos britânicos dos Beatles.
Porém, como estamos falando da universalidade musical, é possível uma língua apenas ser o elo entre povos e artistas? Apenas os acordes, a emoção e a sinceridade na composição não são suficientes para comunicar o ouvinte com o artista? Há quem concorda que é importante ter uma língua universal na música (inglês) e outros defendem com unhas e dentes o nacionalismo lírico.
Jack Endino, produtor estadunidense, protagonizou um dos maiores embates do século 21, pelo menos no Brasil, sobre “cantar ou não cantar em inglês, eis a questão”. Pelo Facebook, Endino bombardeou: “Bandas brasileiras! Por que vocês estão cantando em inglês? Eu nunca entendo uma palavra! Qual o objetivo? Isso não vai lhes dar sucesso fora do Brasil e não entendo como possa trazer sucesso dentro do Brasil. Sim, eu sei que Sepultura fez isso, mas o inglês deles era excelente, as letras boas e eles eram contratados por uma gravadora de metal internacional. Quem mais fez isso? Fico realmente frustrado e confuso com isso”. Dias depois, O Globo o entrevistou e ele pediu perdão aos músicos brasileiros que optam pelo inglês para expressar suas mensagem e rebateu as críticas dos internautas alegando que tudo não passou de um mal entendido entre o que ele estava pensando e o que ele realmente queria escrever (bom, parece que Jack Endino não sabe expressar seus sentimentos com palavras, já que confunde o que pensa e o que quer transmitir). Na entrevista para O Globo, o produtor diz que não concorda com as bandas brasileiras que utilizam o argumento “rock não fica legal em português” e criticou os pensadores desta ideologia. Ok, um direito dele e de qualquer outro.
Conversando com alguns músicos brasileiros e um estadunidense que compõem em inglês, eles foram enfáticos nas suas opiniões:
Vítor Palano, vocalista e compositor da Me and The Plant – “Acho que cantar em inglês faz sentido para o pop e o rock, mas o artista tem que dominar o idioma. Se ele o domina, ninguém vai se perguntar de que país o artista é, porque a linguagem é a música, não o idioma”.
Luís Calil, compositor e vocalista da Cambriana – “Se a banda não tem o domínio da língua, ou uma relação interessante com ela, então realmente não é uma boa ideia”.
Roger Paul Manson, vocalista e produtor do projeto Champu – “Minha resposta é que é totalmente legal cantar em outra língua, mas você tem que ser muito bom, musicalmente, liricamente e na pronúncia. É um pouco perigoso, talvez bem difícil, para bandas medianas. Eu adoro uma banda francesa que canta inglês, por exemplo”.
Esta possibilidade de brasileiros (ou argentinos, franceses, alemães, noruegueses, islandeses, italianos etc.) estarem familiarizados com o inglês é que consegue unir músicos de diversos países, como aconteceu com o World Project. Mesmo que o projeto não tenha letra nas músicas, a interação dos três músicos começou por conversas em inglês e pela afinidade musical. Roger Paul Manson é nova-iorquino e se familiarizou com o Brasil com os convites em produzir bandas daqui. Ele já é mais conhecido em São Paulo do que talvez em Nova York e mantém um projeto com músicos brazucas, mesmo ainda morando em NY. Esta conectividade entre músicos acontece hoje com facilidade causada pela Internet, por interesses em comum dentro da música, pela facilidade de bandas estrangeiras falarem e comporem em inglês e ainda assim passarem despercebidas.
É como o título desta série induz, a música é tão universal que atinge até marcianos sem mesmos termos pesquisas que marcianos existem e de que ouvem músicas. Mas, sem dúvidas, se eles existem ou existiram, a música – falada ou não – os liga também.
(Leia o primeiro capítulo da série De Terráqueos a Marcianos no Música Pavê)