Das Mazelas aos Desejos, Mulamba Ecoa Verdades em “Será Só Aos Ares”

foto por fábio setti e tamara dos santos

Toda a discografia da banda Mulamba é um manifesto – seja político, social ou sentimental – e o grupo sabe como argumentar a seu favor. No segundo disco da carreira, Será Só aos Ares, as seis integrantes enfatizam seus discursos ao revisitarem seus íntimos para ecoar verdades em relação ao conjunto social e aos desejos pessoais. 

As histórias que reverberam nas canções são fundamentalmente reais, potencializando as identificações do público, principalmente dos brasileiros. De Phoda a Dandara, as integrantes Amanda Pacífico (voz), Cacau de Sá (voz), Caro Pisco (bateria), Érica Silva (baixo, guitarra e violão), Fer Koppe (violoncelo) e Naíra Debértolis (guitarra, baixo e violão) escancaram seus questionamentos. 

“Nossas inspirações sempre foram e seguem sendo nossas vivências enquanto seres viventes. Falamos muito dos nossos prazeres individuais, mas também não temos como fechar os olhos pras mazelas dos acontecimentos atuais. Vivemos num país de realidade dura e isso atravessa nossas vidas e pensamentos. É difícil falar de amor na atual conjuntura na qual reina o ódio, mas aí mesmo é que falamos e amamos”, fala Amanda Pacífico ao Música Pavê.

À sua maneira autêntica e extremamente franca, Mulamba utiliza da linguagem poética para denunciar as injustiças da sociedade. Amanda explica: “A música tem o efeito e o poder de levantar pautas e discussões sem criar um ar de guerra. Quando a gente vê, já está dançando e cantando uma frase que nos faz pensar em muitas possibilidades e nos abre a cabeça com o suporte de uma melodia”. Para a artista, é exatamente isso que a banda faz no segundo disco, destacando a faixa de abertura, Phoda, que fala sobre censura e moralismo enquanto coloca “todo mundo para dançar”. 

Apesar de todas as canções do disco apelarem às emoções e sinceridades, as faixas Mãe do Corre e Bença, a última em parceria com a cantora Luedji Luna, têm uma sensibilidade aflorada que consegue dialogar de uma maneira bastante única com os ouvintes. Em ambas, as integrantes refletem, a partir das canções, sobre as complexidades da maternidade. 

“Somos seis mulheres, nosso público é majoritariamente de mulheres, somos rodeadas de amigas mães, principalmente mães solo. Essas duas canções falam mais sobre o afeto, sobre as dificuldades de se criar um ser humano, das fragilidades, da doação e da devoção que é ser mãe. Em Bença, especificamente, a música traz a realidade de muitas crianças que perdem a infância tendo que sustentar suas famílias”, analisa Amanda. 

A poesia de Mulamba se manifesta até no título, “será só aos ares”, o qual é um palíndromo – frase ou palavra que é possível ler, indiferentemente, da esquerda para a direita ou vice-versa. O nome, que surgiu por uma epifania de Amanda Pacífico, carrega significados e representa os processos internos das integrantes para a construção e criação do disco.

Segundo a artista conta: “Palíndromo era uma coisa que já estava me rondando há um tempo. E eu estava nesse processo de buscar nomes para o disco, querendo algo que falasse das pequenezas, desse novo momento que a gente vive. Escrevendo no papel, esse nome me veio como uma epifania, as letras surgiram. E dialoga muito com esse nosso processo de olhar para dentro, fazer o caminho inverso de trás para frente, silenciar ao invés de gritar”.

Mais experimentações e ‘misturas rítmicas’

A sonoridade é a maior novidade de Será Só aos Ares, e as doze faixas expressam diversas identidades musicais, com a concepção sendo influenciada por manifestações culturais originadas na diáspora africana. Para o álbum, a banda quis resgatar e revisitar sons das décadas de 1990 e 2000, mas acrescentando uma perspectiva contemporânea.  

No segundo disco, Mulamba explora os elementos eletrônicos com os beats, os synths, os efeitos e as texturas sintéticas – tudo com produção musical de Érica Silva e Leo Gumiero -, e essas características são, certamente, a principal diferença entre os dois álbuns da carreira (Mulamba e Será Só aos Ares). Além de, é claro, apostar em novas participações com grandes nomes da música, como Luedji Luna, Kaê Guajajara e BNegão.

Sobre as experimentações, Amanda fala: “Érica, além de multi-instrumentista, é uma nerd que ama descobrir novas sonoridades. Naíra, além do baixo, também gosta de brincar em synths e teclados. Até eu experimentei fazer uma música no GarageBand para esse disco, que é o caso de Bagatela”.

“A diferença principal [entre os dois álbuns] é a sonoridade, a abertura que a gente se permitiu para experimentações e para as misturas rítmicas que representam cada uma de nós. E os dois discos dialogam e se assemelham na nossa vontade de seguir falando do que nos atravessa e do que nos move”, acrescenta. 

Fruto, também, da pandemia e do distanciamento social, Será Só aos Ares pôde ser melhor trabalhado, sendo artesanalmente criado em meio a este período. Amanda Pacífico conta que a banda teve mais tempo para maturar e percorrer pelas referências de cada uma das integrantes. Assim, neste disco, Mulamba olhou mais para as individualidades e vivências – e, para a artista, isso fica nítido na “sonoridade enquanto grupo”. 

“Tivemos tempo de fazer esse passeio por diversos ritmos que já queríamos ter explorado desde o início. E é isso, a mensagem fica mais gostosa de ser tocada quando a gente mistura todas essas referências de nós mesmas. […] Nós somos isso, né? Cada uma é de um canto do Brasil”, reflete. 

Amanda Pacífico conclui: “Esse disco foi muito aguardado pelo nosso público e por nós mesmas. O retorno é muito positivo, são muitas mensagens, muita gente vindo falar da identificação e do quanto gostou da mudança sonora e de como cada música toca de um jeito. Agora queremos fazer esse som ao vivo mais e mais.”

Será Só aos Ares chegou ao público em 22 de junho, lançado em todas as plataformas digitais pelo selo PWR Records.

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