Cruz & Jobim: “Resistência é mostrar que o Brasil tem um valor tremendo”
Quando você vê o clipe O Mundo É Só, fica claro que o duo Cruz & Jobim trabalha em um outro espectro da fruição que a maioria dos artistas e bandas que tanto ouvimos. É um som que convida à introspecção, a uma apreciação mais consciente e atenta do conteúdo musical, ainda que sua poesia venha em uma estética com a qual nós, que nascemos e crescemos aqui no país, temos tanta familiaridade.
A dupla se propõe a mostrar seu Rio Grande do Sul com paisagens fora do lugar comum, inserindo, ao som da influência sambista em seu som, esse cenário como parte integral do Brasil. Isso surge na contramão tanto de (absurdos) movimentos separatistas quanto outros (tão absurdos quanto) que insistem em negar o que é propriamente nosso, em subserviência ao estrangeiro. “Resistência não é só política”, como diz Marcos Jobim, “resistência também é mostrar que o Brasil tem um valor tremendo”.
Falando ao Música Pavê, Marcos e Jean Cruz expressaram suas intenções em dar continuidade às estéticas que permeiam nossa produção cultural há décadas. “A gente tem que ter esse cuidado com o patrimônio”, explica Jovim, “acredito que é melhor a gente fazer isso voltar à tona com novas canções, com uma nova expressão, do que fazer cover ou tributo. Por isso que a gente tem essa preocupação de bater nessa tecla da tradição da música brasileira na nossa produção autoral”.
“A gente se encontra, querendo ou não, em uma linhagem”, comenta Jean, “a gente não está chegando com algo do zero, mas empapuçado de referências”. Ao ser perguntado sobre como Cruz & Jobim trabalha essa herança dentro de uma nova proposta de apreciação – aquela menos urgente, mais introspectiva -, ele responde: “A gente busca sempre coisas com substância e fundamento para causar algum tipo de reflexão na gente mesmo, e a consequência é causar [também] no ouvinte”.
O recém-lançado videoclipe – retirado do disco Desencontro (2018) – é uma boa ilustração de todas essas suas características. Sobre sua temática, Jean comenta que “é uma coisa que se conecta com todo mundo. Todos passam por uma luta interna quanto à fé, à esperança, à influência do destino nas nossas vida. A música fala disso, de predestinação, do paradoxo do ateu que tem Deus, enfim, trata dessas questões que são universais. Talvez até o ateu se depare mais com a questão ‘deus’ do que muitos religiosos, porque, para chegar ao ateísmo, ele teve que elaborar essa ideia”.
“A nossa busca é mais dessas questões universais, de ir fundo nas questões humanas”, diz Marcos Jobim, “expressar isso na poesia e trazer algum legado da tradição da música brasileira, para fazer isso reverberar de um modo que não seja uma chupação, mas uma nova roupagem com elementos modernos”. Sobre artistas que chamam sua atenção neste cenário atual, ele cita: “Tim Bernardes é um cara que acho extraordinário, Rodrigo Amarante, Cícero. Tem um pessoal que tem uma estética muito genuína e também tem essa preocupação do resgate, mas de uma forma sempre original. Temos alguns nomes que, no futuro, serão colocados em seu devido lugar como grandes nomes da música brasileira”.
“Essa nova geração tem grandes músicos, grandes poetas, gente com uma grande vontade de fazer as coisas mesmo com uma grande adversidade”, conta Jean Cruz, “são poucos incentivos para tantos artistas no Brasil. Esse lance de ser independente é uma constante de ir atrás e fazer seu trampo, o que requer sempre uma vitalidade. Isso é admirável em um artista. E arte é sempre resistência, né? Além de estar em um combate consigo mesmo, que é de onde vem inspiração – pelo menos a minha -, ainda somos músicos em um país que não valoriza a cultura como deveria”.
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