Cordel do Fogo Encantado: “A gente chega no cenário para contribuir”

foto por tiago calazans

“Canta que o mundo tá louco”, incita Cordel do Fogo Encantado em seu mais recente single, Homem da Meia Noite ou É Carnaval no Sertão. Diferente de grande parte de sua obra (que já alcança a marca de duas décadas), a música é toda feita dentro dos moldes do frevo para homenagear um tradicional bloco carnavalesco de Olinda.

“A gente costuma ser muito contra as regras, mas preferiu seguir o caminho tradicional do frevo desta vez”, contou o violonista e vocalista Clayton Barros ao Música Pavê. “A gente teve a oportunidade de colocar para fora tudo o que a gente tinha de frevo dentro da gente – mas um que não está nas paradas de sucesso, um que veio do sertão”. Ainda assim, o fim da faixa revela a liberdade criativa que sempre guiou o trabalho do grupo pernambucano: “É mais um arrasta-pé, nosso lado mais do sertão mesmo”, explica o músico.

Formado em 1999, Cordel do Fogo Encantado montou uma carreira que transita entre referências diretas de uma música brasileira de cunho folclórico, sem perder o diálogo com o mundo do rock e do pop com quem divide espaço na mídia e em festivais. “Sempre curtimos essa zona de fronteira”, explica Clayton, “e tem quem nos chame de ‘música regional’. Sim, nós viemos de uma região. Mas por que só a música do nordeste é regional? Por que não a de Minas ou do Rio Grande do Sul? Tem essa ilusão de nordeste sendo vendida e a gente luta muito contra isso. Nós carregamos sim as nossas raízes, mas estamos em constante mutação e constante movimento”.

“A cada disco, Cordel experimenta algo novo”, continua ele, “nunca ficou no formato do primeiro álbum. A gente se desafiou para não se engessar e sempre colocou nas composições o que estava sentindo na gente e ao nosso redor. A gente é nordestino e a gente é do Sertão, que não é só uma região, mas o nosso interior. E gente busca a libertação desse nosso interior através da nossa linguagem [artística]”.

Clayton explica que a base de toda sua arte é a palavra cantada, o batuque e o teatro: “Cordel surgiu como grupo de teatro, então a gente nem se chama de banda.  Nossa percussão tem influência indígena, negra e do invasor europeu também, Cordel é ligado a essas três raças que formam o país. Emerson tem [ascendência] indígena, Nego e Rafa são do Morro da Conceição, de origem negra e de religião candomblé, Lirinha criado no meio dos poetas, eu músico de bar que cansou de tocar em bar e passou a querer tocar suas próprias músicas. A gente celebra essa miscigenação e o sincretismo”.

Homem da Meia Noite ou É Carnaval no Sertão chega menos de dois anos após o retorno do grupo de um hiato que durou cerca de oito anos. Foi quando Cordel do Fogo Encantado lançou Viagem ao Coração do Sol (2018). Sobre esse novo momento, Clayton conta que o grupo “decidiu voltar porque sentiu que poderia ajudar um pouco esse mundo – e também pela nossa saudade de querer tocar. Depois que Naná [Vasconcelos] transcedeu (2016), a gente sentiu que era a hora. Também pela situação política que o país estava adentrando, a gente sentiu que poderia contribuir de alguma forma lançando um disco novo. Não só fazendo um revival, mas plantando uma semente do agora para o futuro, dando continuidade à nossa trajetória”.

“Nossas diferenças deveriam ser o que nos unem e nossas igualdades devem ser comemoradas. Ver o país adentrando esse momento tenebroso, obscurantista, repleto de sementes do mal e ovas de serpente sendo chocados a cada instante faz com que, cada vez mais, façamos arte e poesia – o que eles não suportam”.

Ao ser questionado se este momento requer um resgate da arte essencialmente brasileira, Clayton responde: “A gente nunca se ateve muito à palavra resgate, porque a arte e a cultura se transformam, resistem e desdobram por si só. A gente chega no cenário para contribuir. Somos um galho a mais na árvore, mas essa árvore continua germinando, novos talentos sempre vêm. O rio não para. Aquilo que precisa de resgate talvez esteja doente. Acho que a arte pode até padecer um pouco, mas ela parte por cima. Quanto mais você oprime, mais você dá combustível para o artista se fortalecer”.

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