Confeitaria + João Paulo Prazeres: Encontro que Transborda

A analogia vem pronta e é perfeita: Minas Gerais sempre tem paisagens que surpreendem. Quando você menos esperar, vai olhar pela janela e vai ver novas silhuetas de verdes, suas sombras, novas curvas e novas entradas que podem te levar para um lugar que pode ser o seu novo canto favorito da vida.
De uma forma geral, as explorações que o post-rock permite operam nessa lógica. A progressão melódica que se repete e se transa em transe de guitarras texturizadas, ataques quase incomedidos de bateria e ornamentos sin(t)uosos que compõem uma paisagem dinâmica, hipnótica, com surpresas catatônicas.
Junte post-rock e Minas Gerais e você pode chegar na banda Confeitaria. O duo, formado por Gabriel Murilo e Lucas Mortimer, vinha de dois lançamentos – Enero (2016) e Confins (2018) -, ótimos exemplares do que os dois são capazes de pintar. E, neste ano, depois de muitos caminhos também sinuosos, encontros, desencontros, reencontros e convites, eles lançam o seu terceiro álbum, Cheia, com participação do saxofonista João Paulo Prazeres.
Foi na confluência sintonizada do estúdio que eles conseguiram dar vazão à Cheia. É um nome que está aberto a interpretações. Na daquele que vos dirige a palavra agora, tem muito a ver com o tempo: é, de fato, um disco “cheio”, incomumente longo (1h50min de duração) e que carrega uma intensidade tangível, na qual o trio parece gostar de se demorar nos acordes, um prazer que transparece no resultado.
A cada nova longa curva sonora da estrada dessa viagem, há um novo elemento possível na paisagem, algo que te encara e te desafia; te pergunta “e agora, o que você vai fazer com isso? O que você vai fazer comigo?”. E eu não estou totalmente errado.
Falando ao Música Pavê, Gabriel diz que há uma “desconstrução da expectativa de fazer um tipo de música ‘mais esperado’, ‘escutável’, ‘usável’, [que] se conecta também a uma resiliência de aceitar o que surge a partir da nossa autenticidade. Nós priorizamos acolher e amar o que a nossa relação musical nos dá de frutos possíveis, em detrimento a uma busca idealizada do que seria uma banda ou obra sonhada. E esta abertura nos permitiu gostar muito deste aspecto processual da criação, valorizá-lo como parte da obra, e até considerá-lo como a obra em si. Ao escutar as gravações, é possível observar o momento exato em que as melodias nascem, como elas se desenvolvem e como elas são ressignificadas ao longo das repetições, a partir de novos contextos sonoros e camadas”.

Quanto ao nome Cheia, Gabriel diz que “vem do tema que escolhemos para o trabalho: água, como símbolo das emoções humanas. As músicas dialogam profundamente com emoções muito complexas que estávamos vivendo na época da composição. Foi, inclusive, difícil trabalhar estes temas que evocavam muitos desconfortos e memórias pessoais. Mas, ao longo do processo de acabamento, estas emoções foram sendo elaboradas e nos apaixonamos muito por estas intensidades. O nome Cheia traz as metáforas de uma água que transborda, que alaga, que afoga, que sacia e que é abundante. Lembra maré, e sazonalidade. A força da natureza enquanto personificação dos sentimentos”.
O clipe de BRUMA, faixa que abre o álbum, reflete bem essa introspecção intuída e intencionada pelos artistas. Uma introspecção multifacetada: ela é íntima, dinâmica, cheia de cores e moléculas e vida, de contornos, sons e sombras. É um vídeo contemplativo e para quem se permite arranjar um espaço dentro de si para ser preenchido.
E Cheia é um álbum para quem se permite demorar.