Coala Festival como Experiência
(*com colaboração de Anna Rinaldi/Fotos: Lucas Silvestre)
“O festival que a gente queria ter feito” – foi com esse espírito que o Música Pavê chegou ao Memorial da América Latina, na capital paulista, para passar o sábado, 3 de setembro, em mais uma edição do Coala Festival, evento que comprovou de uma vez por todas que um elenco de bandas brasileiras é mais do que o suficiente para vender dez mil ingressos e entregar uma experiência sublime dentro e fora do palco.
Fora dele porque era o evento de proporções certas, sempre cheio, mas nunca daquele jeito de não conseguir respirar no meio da multidão. Conforme a noite chegava, algumas filas se acumulavam aqui e ali, mas nada que virasse “perrengue” ou atrapalhasse o dia de ninguém. A arquitetura esparsa do Memorial (e a icônica estátua da mão com a América Latina) colaboraram para o conforto dos pés no concreto do chão e os olhos no visual abstrato do espaço (e a localização, bem em frente à estação de metrô, conta mil pontos a favor do lugar).
Experiência também no palco, já que cada músico ou banda parecia viver um momento especial ali. A começar por Silva, que comprovava o alcance de suas músicas com uma pequena multidão que chegou cedo só para vê-lo (foi o primeiro show, às 14h20) e celebrava cada canção – em um curioso repertório que trouxe à tona as faixas mais adequadas para festivais de Vista pro Mar – sob o olhar satisfeito do artista, que mirava o público com cara de quem compreendia o tamanho daquilo tudo.
Em seguida, Lila conquistou a todos meio que aos poucos, deixando com que suas músicas justificassem sua inclusão entre as atrações – ela mesmo disse logo no início que aquela era sua maior apresentação já feita, uma experiência que entrou certamente para sua história. Sempre conversando com o público entre as canções, a artista (acompanhada de uma bela banda) fez todos cantarem Clube da Esquina e Banda Eva (sim!), mas nada tirou o brilho de Bicheiro do Meu Samba – ponto alto não só de seu show, mas um dos melhores momentos daquele sábado.
Quando Céu apareceu, o lusco-fusco também dava as caras e embelezava ainda mais as canções de Tropix. Foi um show-coroação, que argumentou a todos o quanto sua voz e seu trabalho são uns dos mais interessantes de toda esta geração – e seu olhar e sorrisos eram de quem agradecia por isso e devolvia uma performance à altura do esperado.
As canções de A Praia podem não ter muita cara de grandes festivais (muito menos as de Sábado), mas o nome Cícero é sempre uma boa escolha ao vivo, ainda mais quando ele recebeu o reforço de Marcelo Camelo em cinco músicas – incluindo a já clássica Conversa de Botas Batidas (que Los Hermanos gravou em 2003), momento que deu ao público a chance de reviver, ainda que só um pouquinho, a carga emotiva de um show do quarteto. Nos momentos sem Camelo, Tempo de Pipa e Ponto Cego foram amplamente comemoradas entre os fãs do carioca, como já esperávamos.
O clima até então era o de poesia (com o sol brindando o festival em alguns momentos), uma festa que celebrava a boa música em um espírito feliz e satisfeito, sem apelar para uma euforia que causaria ressaca horas depois. É válido destacar o trabalho dos DJs que tocavam entre os shows – Samuca, Tutu Moraes e Tamenpi -, que trouxeram Jorge Ben, Tim Maia, Criolo, Roberto Carlos e vários grandes nomes que colocaram o Brasil para dançar nas últimas décadas. Não eram apenas faixas sendo executadas, eram argumentações em favor da qualidade e suficiência que esses sons possuem, sem que seja preciso levantar qualquer bandeira ufanista para isso.
A festa tomou outros ares com as duas atrações que fecharam a noite: BaianaSystem e Karol Conka. Quando a banda baiana entrou no palco, todos os ali presentes sabiam que estavam diante de algo muito grandioso – e ninguém ousaria discordar disso, sendo que o grave apontava o dedo para o peito de cada um em um alto volume -, e a multidão cantando Lucro (Descomprimindo) mostrou de vez por todas a merecida popularidade possuída pelo grupo hoje. No caso da curitibana – que vive também o ponto mais alto da carreira até então -, sua apresentação veio para satisfazer fãs e curiosos de seu som em uma experiência dançante e envolvente sem deixar de lado a relevância de suas composições.
Com preço acessível (todos tinham direito à meia entrada se levassem um quilo de alimento não-perecível ou um livro), o Coala Festival foi certeiro na curadoria, na escolha do local e na realização do dia como um todo, sendo um evento de grande porte que fez por merecer ser chamado dessa forma. Mais do que promover a música brasileira, foi um refúgio para a loucura em que o país se encontra no momento e um alívio, cheio de poesia e dança, para um público exigente que sabe reconhecer a qualidade das atrações ali experimentadas. Uma inspiração para festivais por todo o país.
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