Céu: “Escrevo uma música já pensando em imagem”

foto por fabio audi

A história do Música Pavê, que completa seu 9º aniversário neste 11 de novembro, é permeada pelo acompanhamento em tempo real de todas as novidades que Céu nos deu no período. Em um movimento muito pertinente a esse tempo, a cantora tem construído sua carreira resgatando legados da nossa música e incorporado novas estéticas ao cenário autoral brasileiro, o que é refletido em todo o espectro de seu trabalho.

Ou seja, seus videoclipes são verdadeiros ícones das melhores características de seu trabalho. Eles mostram uma Céu criativamente inquieta, dotada de muito bom gosto e cuidadosa com todos os aspectos de sua obra também para além do som. Falando ao site por telefone, ela relembrou toda sua videografia, em comentários que adicionam várias camadas àquilo que já percebíamos dela.

Celebrar sua carreira é também comemorar o que o Música Pavê apresentou de melhor ao longo desses nove anos no ar. Relembre os videoclipes, aproveite a playlist Passado a Limpo e mergulhe na obra de uma artista que, não à toa, é frequentemente apontada como um dos nomes mais influentes desta geração.

Música Pavê: É interessante notar como Roda, sendo seu primeiro vídeo, é também o que traz a linguagem de clipe mais convencional dentre todos os seus lançamentos. São muitos cortes, muita coisa acontecendo, mas sem tanta liberdade criativa.

Céu: Nossa, concordo totalmente. Ficou datado, né? Não era tão fácil fazer um clipe naquela época, os valores para execução eram outros, era uma coisa de outro mundo. Eu não sabia direito como fazer isso, as ideias que a gente tinha eram super simples. Acho que “convencional” é a palavra mesmo. Eu preciso até revê-lo, ele ficou em um lugar meio escondido da minha carreira. A música tem um beat mais pesado e eu cantando sobre São Paulo bem sussurradinho, era a mais moderna do primeiro disco, por isso eu quis fazer um clipe para ela. Mas, pensando bem, ele hoje ficou um pouco apagado. Mas foi o que deu para fazer na hora.

MP: MP: Na sequência, você fez um vídeo bem diferente para Museu das Minas e do Metal. Ele parece ser uma experiência audiovisual e nem vem com o nome de “clipe oficial”, embora pudesse ter.

Céu: Sim, eu fiz em cima da música do Guilherme Arantes (Planeta Água), foi uma produção grande que o Marcello Dantas me convidou para fazer, com a trilha e essa fala que ficavam projetadas dentro do museu (em Belo Horizonte). Foi um ótimo trabalho, eu me senti super profissional (risos). 

MP: Depois desse, veio Grains de Beauté, que inicia uma grande tendência nos seus lançamentos: As capas de discos estão nos clipes, ou vice-versa.

Céu: Olha, nunca tinha pensado desse jeito. O clipe foi feito mesmo baseado na capa do Marcelo Gomes, um cara de quem eu gostava muito do trabalho e fui atrás. Ele gosta muito de foto sem maquiagem, tudo natural, uma linguagem que eu acho que dialoga muito com o Vagarosa. E aí o Renan Costa Lima sugeriu de fazermos um clipe muito simples com essa imagem, uma coisa bem caseira. Eu sempre fui uma artista independente, eu fui ter gravadora a partir do DVD do Caravana Seria Bloom. Tudo foi muito na raça, sem muita estrutura. Eu contava muito com o apoio dos amigos e de quem estava a fim de fazer. E eu acho que ficou lindo, uma proposta bem pouco comercial que não tinha muito no Brasil na época. 

MP: Para mim, ele é um dos seus clipes mais referenciais. E acho que isso vem da própria beleza da imagem e como ela casa com a música.

Céu: Sim, concordo. Lembro bem desse dia, foi muito agradável e divertido de fazer, o que nem sempre é o caso com clipes. Essas cores que aparecem no vídeo são fitinhas coloridas que ele coloca em frente à câmera e dão esse efeito. Foi muito legal ver isso acontecer, foi tudo muito feito à mão. 

MP: Cangote veio na sequência, e ele já aconteceu com outra estrutura, né?

Céu: É, eu recebi uma ligação da Vera [Egito], que eu já sabia que era uma diretora incrível, e ela disse que queria me dar um vídeo. Ele teve sua importância, mas, honestamente, não é um clipe que eu amo. Acho que essa coisa de efeito especial, principalmente naquela época, não é algo que envelhece muito bem. Tenho minhas ressalvas, mas foi uma experiência maravilhosa com uma diretora muito talentosa.

MP: Eu entendo o que você está dizendo. Para mim, a proposta tem um tom quase jocoso, é algo que não é todo dia que eu vou querer ver.

Céu: Quando eu olhei o storyboard, veio para mim uma referência ao Fale com Ela, do Almodóvar. É uma cena em que a mulher está deitada e tem um “mini-homenzinho” passeando pelo corpo dela. É surrealista e arrepiante. Eu fiquei um pouco nessa expectativa que não se deu, porque… Almodóvar é Almodóvar (risos). Mas fazer clipe é passar por isso também.

MP: Depois dele, veio Retrovisor, novamente com capa de disco (Caravana Sereia Bloom).

Céu: Pois é. Foi uma experiência muito interessante, um clipe feito todo na raça, com pessoas envolvidas que queriam muito estar ali. Eu tenho muito orgulho da equipe que a gente construiu. Tem um tom brasileiro cinematográfico que eu gosto muito, e a gente quis passear pelo Brasil mesmo, pela estrada, circo e referências do nosso cinema. E tinha muita paixão ali, que é quando eu acho que o clipe acontece. Sou muito feliz por esse.

MP: Acho que, mais ainda do que Grains de Beauté, é um clipe que comunica muito bem o conteúdo do disco.

Céu: Sim, tinha um conceito muito fechado. A capa é um frame com um ângulo meio de filmes de caubói, tem algo esquisito também. A gente achou que isso comunicaria muito bem o que vinha por ali. Acho que sempre tive essas coragens meio louquinhas de não fazer o que se espera (risos). 

MP: Por falar nisso, é interessante você ter feito uma videoarte para Sereia. Penso que a própria decisão de parar para produzir algo para uma faixa tão curtinha mostra que você não está produzindo dentro dos esquemas mais convencionais.

Céu: Cara, para mim a arte não é só uma parte. Eu tenho essa pluralidade na maneira com que eu vejo o que é ser artista. Não é só ser cantora e compositora, mas também a parte imagética, das ideias que você está passando, da política, da cidadania. A minha vida é totalmente misturada com a minha arte. Muitas vezes, eu escrevo uma música já pensando em uma imagem. Eu tenho essa coisa da contemporaneidade no meu trabalho. Quando eu vi os peixinhos, essa tecnologia tosca (risos), tinha muito a ver com essa cara de “rascunho” que o Caravana trazia, e com essa coisa de você compor e criar um disco em um computador na estrada – que foi como aconteceu. Eu fui escrevendo e montando as bases no Garage Band na estrada mesmo, e só depois que veio uma fase de produção mesmo. Então, eu achava que essa videoarte fazia sentido.

MP: E você fez também com Esmir Filho um vídeo para SereiaStreets Bloom que parece estar no meio do caminho entre um videoclipe e uma videoarte.

Céu: A gente queria fazer algo juntos e eu estava indo fazer uma turnê muito grande nos EUA e ele me deu das camerazinhas. Disse: “Faz o que você quiser com elas e depois eu faço alguma coisa com as imagens. Pode ser um clipe, vamos ver no que vai dar”. E aí a gente começou nossa parceria que depois culminaria em um clipe de fato no outro disco. 

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MP: Seguindo a proposta de liberdade criativa – e, para mim, as melhores videografias são aquelas nas quais um clipe não se parece com o outro -, veio Baile de Ilusão no formato animação.

Céu: Pois então, eu sou uma pessoa de sorte, cara. Eu ganho esses presentes de pessoas que se identificam com meu trabalho. É uma troca incrível em que minha música serve também para o trabalho de alguém muito talentoso. E esse foi feito assim. Foi uma animação muito trabalhosa e eu achei o resultado final muito lindo.

MP: Chegamos então a Perfume do Invisível, que retoma a parceria com Esmir Filho e também a proposta de capas nos clipes.

Céu: Sim. Nesse caso, a capa não saiu do vídeo, ela veio antes. Mas o Esmir, muito sagaz, já tinha entendido o que era a imagem da capa, o que estava dentro do conceito que ele já tinha, então ficou parecendo uma coisa muito dentro da outra. Ele foi brilhante nesse clipe, a gente tinha pouco tempo e pouca estrutura para gravar. Ele tinha entendido que eu estava flertando com o universo digital, e ele já tinha trabalhado com o glitch nas imagens. As luzes em volta de mim fazem referência ao filme francês O Inferno (de Henri-Georges Clouzot), em uma estrutura que ele construiu. As outras cenas foram feitas em uma balada em São Paulo. Ele foi muito esperto, sacou como as coisas iam funcionar dentro do preto e branco. Ficou incrível.

MP: Tem uma proposta ali muito interessante na sua figura como uma cantora pop quase sobre-humana. Na própria capa do disco, não vemos seus olhos, há todo um mistério.

Céu: Sim, essa coisa meio robótica, até mesmo fria, de diva. Foi a primeira vez que eu fiz isso.

MP: Lembro de um post seu nas redes sociais na época do Tropix que perguntava qual música do disco deveria ganhar clipe, mas “não vale dizer Varanda Suspensa“. Você sabia que ela seria um grande hit do disco?

Céu: (Risos) eu não sabia, eu não sou muito boa em saber o que vai ser hit. Tem vezes que eu acho que uma coisa vai ser super facilmente compreendida, mas depois não é. É muito complicado.

MP: Eu acho um clipe muito paulistano, traz umas referências que eu lembro da infância – como o Rá Tim Bum, de Fernando Meirelles – que mostravam uma São Paulo fria e preto e branca.

Céu: É muito interessante como eu estou falando de mar e a referência que vem para você é São Paulo. Era isso o que eu queria. Eu sou muito paulistana, mas eu fui criada indo para São Sebastião. Eu acho o litoral da Rio-Santos o mais lindo do planeta, porque tem aquela Mata Atlântica. Isso faz parte da minha essência como paulistana, que tem também esse traço tropical. A Indira (Dominici) conseguiu trazer essa imagem de uma maneira torta, feita com Super 8, uma coisa muito manual em que ela pinta frame por frame, faz rabiscos. Uma coisa roots e também super paulistana.

MP: Amor Pixelado continuou sua tendência de construir uma videografia variada e trouxe o formato 360º. E também tem a intenção de colocar várias mulheres ao seu lado na tela.

Céu: Sim, o que faz sentido com o momento que a gente vive. Essa coisa do 360º foi algo que a gente quis mostrar essa tecnologia que está vindo, mas que ainda não chegou totalmente. Vale a pena ver com o óculos VR, é uma experiência muito diferente de só ver no YouTube. E foi outro presente – eu realmente tenho sorte – com essa maravilhosidade de poder estar com outras mulheres, inclusive a Thaia Perez, de Aquarius. Ela é muito maravilhosa.

MP: E então chegamos a Coreto, que está quase batendo seu primeiro milhão de visualizações no YouTube.

Céu: Que demais, né? E foi outro presente, a Aline [Lata] me disse que queria fazer um clipe meu. A gente até tinha pensado de fazer de outra música de Tropix, só que aí tinha o fim da produção do disco, eu fiquei grávida e pedi para ela esperar um pouco, aí chegamos a Coreto. Ela vem da dança, então adorou pegar uma música que tem uma referência de baile charme. Tem uma narrativa linda ali no começo de um casal, que você pode interpretar de diversas maneiras na música, e ela levou por esse caminho também. Foi muito divertido fazer. A gente gravou em um lugar na represa Billings chamado Flutuante Netuno. Era o casco de um barco de cem anos que foi encontrado ali e hoje é um restaurante-bar. 

MP: E o que eu acho mais legal é colocar o vídeo em paralelo com Perfume do Invisível. Se naquele você é uma figura mítica, aqui você é uma mulher dançando, uma figura humanizada.

Céu: Exatamente. Não tem nada de diva, eu nem estou no primeiro plano. Achei fantástico a ideia de ser retratada assim.

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