Bruna Mendez se Reconstrói

foto por junior ribeiro

Tem a Fênix que renasce das cinzas, o Orfeu que desce ao inferno e outras tantas narrativas de personagens que passam por algum tipo de destruição e reconstrução em suas jornadas. Bruna Mendez pode não ter vivido algo tão mitológico na produção de seu segundo álbum, Corpo Possível, mas o caminho percorrido traz vários paralelos com essas histórias. Mais do que isso, ela aparece aqui como protagonista absoluta de sua obra, algo que nem sempre acontecia em sua carreira.

Para começar, tem esse “dar a própria cara à tapa” que envolve a capa do disco, o clipe de Corpo Miragem e todo o lançamento como um todo. É como se, antes, fosse mais fácil dela se esconder por trás da música e agora assumisse seu lugar de destaque. “Eu não fazia muita questão de ter uma cara”, contou ela ao Música Pavê, “tinha um pouco de medo, queria que as pessoas entendessem que eu estava por trás de tudo, não só cantando. Tem o rolê de uma segurança de um trabalho. Quando lancei o outro disco, nem ouvi muito, não aguentava ouvir minha voz. Agora, a minha cara precisava aparecer sem dúvida de quem eu sou”.

O processo que levou a artista goiana à produção da obra passou por um momento peculiar – as tais das cinzas, ou o inferno já mencionados aqui -, no qual ela decidiu abandonar a música. “Não queria mais tocar”, conta ela, “vendi todos os meus equipamentos e fiquei fazendo outras coisas. Quando resolvi voltar, comprei tudo de volta e decidi fazer umas experimentações eletrônicas – quem já me seguia no Instagram sabe que essa estética não veio da noite pro dia. Daí, o show do O Mesmo Mar que Nega a Terra Ceda à Sua Calma (2016) já não tinha nada a ver com o disco, os arranjos estavam totalmente eletrônicos”.

A dinâmica da gravação daquele seu disco de estreia, produzido por Adriano Cintra, foi completamente diferente da nova experiência. “Foi um esquema de produção que acho que vem de um rolê de gravadora, de uma figura de produtor que mais direciona do que pega nas coisas pra fazer”, comenta Bruna, “essa coisa do produtorzão de pernas cruzadas falando o que as pessoas têm que fazer, sabe? Um modelo de produção meio do Miranda, da pessoa ali estar cheia de referências, com um mundo de vivências. Quando a gente chegou para produzir O Mesmo Mar, era essa figura. Eu estava em um rolê de banda mesmo – tinha uma pessoa gravando baixo, outra gravando bateria e tal – em um processo bastante convencional, e tinha a interferência dessas pessoas também”.

Os três anos que separam os dois discos serviram para “eu ir sacando as possibilidades e experimentando, e aceitar que não importa se tiver uma música inteira eletrônica e uma música inteira orgânica”, conta ela, “Mesmo Mar foi um disco que eu escrevi inteiro em um violão de nylon. Já mais da metade de Corpo Possível foi no estúdio em cima de beat. São processos muito diferentes”. Não só isso, mas o cargo de produção (de Gianlucca Azevedo, com Machado (Tuyo), Pedro Soares e Lucas Romero na co-produção de certas faixas) teve um envolvimento muito mais “mão na massa” na execução do que Bruna já vislumbrava.

“Essa galera é tudo uns millennial nerd, né?”, brinca ela, “e isso é muito a minha cara. Foi meu primeiro contato com gente fazendo as coisas como eu faço. Às vezes, ele pode soar grandíssimo, mas 70% desse disco é computador. E não tenho grilo nenhum com isso, da galera pensar ‘ah, não tem banda tocando?’. Não, não tem e tá incrível”.

Sobre esse paradigma do orgânico ou não, Bruna diz: “Acho que banda tocando junto sempre tem o lance de energia no palco. Mas a galera do pop faz isso tão bem há tanto tempo. Acho que o ‘orgulho indie’ precisa entender que as coisas foram feitas antes. Se a pessoa tá ali tocando algo sampleado, isso foi tudo feito antes, é minha música do mesmo jeito. Eu poderia ter uma banda de sete pessoas ali, mas nem faz parte da minha construção ter isso. Fiz as minhas coisas sempre no meu computador e, desde meu primeiro show, já estava ali com uma plaquinha soltando as coisas, porque eu já sabia que prefiro uma parada bem executada do que um cara tocando mais ou menos”.

Eu gosto das coisas muito bem programadas. Se sair do que eu programei, já não tô gostando (risos)”, ela conta, evidenciando mais uma dinâmica de desconstrução e reconstrução para Corpo Possível. “Eu nunca achei que eu fosse conseguir fazer uma música do nada no estúdio, por gostar das coisas todas muito organizadinhas”, comenta Bruna, “e a gente chegou e disse ‘vamo aqui fazer uma música do zero e ver o que acontece’. Pele de Sal, com Tuyo, foi assim. Mas ainda tem a minha mesma essência, e essa coisa que eu não superei da temática do Mesmo Mar. O nome Corpo Possível tem a ver com isso, com as possibilidades que os novos elementos trazem à minha identidade”.

Nesse processo, Bruna encontrou um novo momento também para seu trabalho vocal. “Nem acho que eu seja cantora”, brinca ela, “mas talvez eu tenha levado mais a sério cantar nesse disco novo. Nos outros, eu já estava fazendo um monte de coisa e o povo ainda queria que eu fosse cantora? (risos). E aí eu vi que dava para melhorar um monte de coisa, a preocupação em captar a voz. No outro disco não tinha isso, era tudo meio áspero, em uns tons mais chatos para mim. Nesse, eu gravei ele inteiro sentada, porque eu não queria dar nenhuma projeção que fosse para uma voz de garganta. Fiquei preocupada com a afinação mesmo, de repetir as coisas, afinar o que eu achava que tinha que afinar. Teve uma preocupação até pelo sentido que eu quis dar para esse disco, que ele é minha experimentação no pop. No momento, esse é meu limite, isso é o que eu consigo”. É mesmo um novo tempo para aquela Bruna Mendez que já acompanhamos há anos, em um ato com cara de clímax para sua história.

Curta mais de Bruna Mendez e de outras entrevistas no Música Pavê

Compartilhe!

Shares

Shuffle

Curtiu? Comente!

Comments are closed.

Sobre o site

Feito para quem não se contenta apenas em ouvir a música, mas quer também vê-la, aqui você vai encontrar análises sem preconceitos e com olhar crítico sobre o relacionamento das artes visuais com o mercado fonográfico. Aprenda, informe-se e, principalmente, divirta-se – é pra isso que o Música Pavê existe.