Bratislava Busca Nova Sonoridade e Entrega Álbum com ‘Cara de Agora’
Intitulado Parte Do Que Vem, o quarto álbum da banda Bratislava chega para marcar um novo momento do quarteto paulistano. Com a proposta de entregar uma música mais acessível (leia-se “mais pop”), o disco parece pertencer bem ao momento atual, seja pela sua sonoridade limpa e dançante, ou até mesmo pela sua mensagem otimista, algo que vem se mostrando uma característica das obras produzidas durante o período de isolamento social.
Durante entrevista ao Música Pavê, a banda contou que a mudança no som não aconteceu por acaso. Nas palavras do vocalista e tecladista Victor Meira, o trabalho surgiu com a proposta de criar música com menos muros: “Nos discos anteriores, eu sinto que a gente buscava um som mais ‘cabeçudo’, mais progressivo, mas dessa vez a conversa foi ‘vamos fazer música que a gente pode enviar no grupo da família e alguma tia pode gostar?’”.
As mudanças na banda desde o último disco (Fogo, 2017) foram outro fator, sendo a última delas a saída do baterista Lucas Franco, que rendeu um clipe com uma bela homenagem. Nesta nova fase, o grupo entra em campo com Victor Meira (Vocal e Teclado), Gustavo Franco (Bateria), Zé Roberto (Baixo), Jonas Andrade (Guitarra). O resultado foi um disco que passeia por diferentes ritmos, indo dos beats eletrônicos com sintetizadores a músicas com referência à percussão nordestina, mas que não deixam de lado sua identidade.
Uma das inspirações citadas para atingir o novo horizonte sonoro é a banda australiana Parcels, que ganhou destaque com sua estética hi-fi, marcada por uma sonoridade limpa preservando o som original dos instrumentos. No Brasil, entre as referências aparecem nomes como Dingo Bells, Maglore e Tuyo, mas também a própria Bratislava: “Teve também um processo de ouvir muito os álbuns antigos para entender onde havia espaço para amadurecer”, contou o guitarrista Jonas.
Nas doze faixas do álbum, há espaço tanto para celebrar o passado pré-pandemia nas nostálgicas VHS e Velhos Rituais, mas também para idealizar um momento de uma retomada em Pode Chegar. Em um dos momentos mais densos, somos confrontados com o choque de realidade em Um Jeito de Te Ver, que foi composta como uma homenagem ao pai de Victor, que faleceu por Covid-19 durante a produção. Na música, foi incluído o último áudio enviado ao filho.
A seguir, cada uma das faixas é comentada pela própria banda.
VHS
“A gente decidiu começar o álbum com VHS pois o início dela parece o nascimento do Sol, sabe? Ela tem cheirinho de primeira música. Foi uma coisa bem intuitiva. Ela passa uma sensação de começo de história e é convidativa. Ela e Velhos Rituais a gente considera que tem em comum o fato de representar o disco no sentido que ter trechos com dinâmica baixinha, carinhosa e tem trechos mais quentes, mais pra cima” (Victor Meira)
Terra do Nunca Mais
“Terra do nunca mais é uma representação da pandemia. A gente vai pra essa espécie Terra do Nunca do Peter Pan, que é esse lugar meio distorcido e que a gente não quer visitar mais. No fim das contas, só conseguimos vencer essa fase graças à força e a companhia das pessoas que mais amamos” (Victor Meira)
“Essa é bem antiga e a gente amadureceu bastante. E é engraçado porque o baixo que foi pra versão final na verdade era para ser uma guia. A gente gravou aqui uma primeira versão temporária e o pessoal gostou e acabou ficando. Olhando agora, acho que essa é uma das mais legais do disco. Ela é muito legal de tocar” (Zé Roberto)
Eu e Você
“Ela conta a história de um amor platônico. Eu tive esse cuidado no disco de deixar as coisas bem sem gênero, então não dá pra saber se é homem ou mulher. É uma pessoa que se imagina com outra pessoa e ela começa a olhar em volta e imagina que todo mundo tá ‘shippando’. Ele fica pirando nessa ideia e se imagina num filme de romance, mas é tudo da imaginação” (Victor Meira)
“É a minha faixa preferida porque dá vontade de dançar, dá vontade de cantar pra caramba. Eu sinto que ela tem muito um astral de carnaval de Olinda e tentei trazer isso. Essa que foi a referência, um frevo um pouco mais radiofônico. Se você for ouvir, tem umas somas de percussão que reforçam esse som mais regionalizado” (Gus Franco)
Calcanhar
“Calcanhar fala sobre um desafeto do passado, mas tudo isso sob uma ótica do presente depois de muito tempo ter se passado. Então é sobre entender os motivos de quem feriu a gente. Sobre como o tempo cura as feridas e a gente volta a amar essa pessoa que nos feriu” (Victor Meira)
“Ela foi um grande desafio para todo mundo da banda. Começou como uma harmonia no baixo e a gente sabia que tinha alguma coisa ali, Foi difícil abraçar ela porque foge do padrão. A gente ficou muito tempo refinando os synths e pesquisando os timbres. A gente queria que isso chamasse atenção. E a gente ficou muito orgulhoso” (Zé Roberto)
“Se Belchior tivesse 30 anos, ele só ia fazer música assim (risos)” (Jonas Andrade)
Um Jeito de Te Ver
“Ela é uma faixa muito especial. Começou com o Zé me mandando uma harmonia. E em algum momento eu comecei a sentir o que ela me trouxe e esboçar a letra. Aí decidi escrever uma homenagem para o meu pai, como se fosse uma carta de despedida mesmo. Ele faleceu de covid no primeiro ano da pandemia. Ela tem muitas referências de frases do meu pai, da minha vivência, das coisas sobre ele. Tem um trecho na metade que é o último áudio de Whatsapp que ele me mandou. Ele tá até meio escondido pra ninguém chorar ouvindo, mas é sobre isso” (Victor Meira)
Antes que Eu Me Entregue
“Essa faixa, assim como todas, passaram por muitas versões. Eu quis escrever sobre complexo de impostor. Essa sensação de que a gente não é bom o suficiente e a qualquer momento alguém vai tirar nossa máscara igual no Scooby Doo para ver que a gente é uma mentira. E é um medo constante que acompanha a pessoa, por mais talentosa, por mais dedicada, por mais que ela faça tudo certinho, os outros vão descobrir. Então é sobre tentar aproveitar antes que isso aconteça” (Victor Meira)
As Pessoas Querem uma Música Empolgante
“Esse é um interlúdio. Remonta um pouco a Jeito de Te Ver e também está relacionado ao meu pai. Eu salvei todos os áudios do meu pai nos últimos dois anos em uma pasta do computador e deixei para ouvir somente quando eu tivesse coração. Aí eu escutei esse áudio que tem um outro contexto e vi que ele pode ter várias leituras. Pode ser uma crítica à indústria musical mas também pode ser uma introdução para aquela que a banda entende como a música mais pop do disco. Acho que trouxe uma corzinha pessoal” (Victor Meira)
Pode Chegar
“Essa é a música. Foi a que mais chegou perto da sonoridade que a gente queria buscar e das referências que a gente tava consumindo. É uma daquelas músicas que simplesmente aconteceu, e a gente não precisou mudar quase nada na harmonia. Ela fluiu” (Zé Roberto)
“A gente estava no meio da pandemia, acho que no fim de 2020, e eu falei assim ‘vou projetar esse momento onde a gente pode se encontrar’, como se fosse o primeiro rolê depois daquilo passar. Era tudo imaginando esse momento que a gente tá vivendo hoje, de reunir os amigos e dizer que pode chegar” (Victor Meira)
Faz Sentido
“Ela é uma música de amor e foi inspirada em relacionamentos abertos. Em todos os tipos de relacionamento. Fala sobre como cada casal tem seu próprio jeito de se amar. A mensagem dela é que relacionamento é um acordo, então se tá bom para todos os lados, se é aberto ou se é fechado, o que importa é fazer sentido para ambos” (Victor Meira)
Velhos Rituais
“É uma carta de amor para todas as coisas que a gente fazia antes e agora não dá mais pra fazer. Passar tempo com as pessoas que não estão mais com a gente. Ir nos lugares que a gente ia. Bratislava tocar nos lugares que sempre tocava. Aquele ritual semanal de ir no estúdio ensaiar. Ela tem esse aspecto da nostalgia mas ela também quer ir para um lugar novo. Se seu coração quiser, será. Então, vamos criar nos rituais” (Victor Meira)
Refúgio
“Eu comecei esse riff com uma pegadinha de samba e depois deixei com Victor. Mas parece que não tava batendo. Aí ele falou ‘vamos tentar botar uma coisa cubana aqui’ e eu lembro de ter ficado indignado. Eu não conseguia entender o que eu ia criar. Até que foi saindo. Hugo (produtor) me ajudou muito e a gente foi construindo. E hoje é uma das minhas preferidas” (Jonas Andrade)
“Essa foi uma das últimas, quando a gente já podia se encontrar no estúdio. E ela se formou quando a gente tava tocando junto e ela começou a se formar. Ela foi acontecendo quase como se fosse uma brincadeira nesse ritmo de bolero, e de repente a gente viu que era isso. Ela foi a última letra do disco e aconteceu bem na época em que um amigo meu estava terminando um relacionamento. E ela veio assim, como se fosse um lamento de bar mesmo” (Victor Meira)
Escorpião
“Essa letra fala sobre confiança e vulnerabilidade. É sobre querer estar com alguém que tem potencial de destruição, mas não vai usar o ferrão dela porque você confia e vocês se amam. Então, é sobre abraçar o escorpião mesmo” (Victor Meira)
“A gente ficou muito na dúvida entre essa e refúgio para fechar, mas a gente sentiu que precisava deixar ela por último e terminar para frente, sabe? Ela tem uma energia de quero mais” (Zé Roberto)
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