Assucena Interpreta “Gal a Todo Vapor” na Estreia de sua Fase Solo

foto por fernanda tiné

Após seis anos como integrante do projeto As Baías, a cantora, compositora e intérprete Assucena acaba de embarcar em sua carreira solo. O primeiro movimento escolhido para essa nova fase foi a releitura ao vivo do álbum Fatal – Gal a Todo Vapor, de Gal Costa, que completou 50 anos em 2021. A apresentação, intitulada “Rio e Também Posso Chorar”, ocorrerá às 21h30 do dia 12 de janeiro, na Casa de Francisca, em São Paulo.

Assucena diz ter se reencontrado como cantora e como artista com o álbum de Gal e manifesta reverência à relevância artística política da obra. Com sua releitura, ela pretende relembrar e homenagear o álbum de 1971, mas com o cuidado de expressar seus próprios traços e pesquisas sonoras.

A artista enxerga sua apresentação como uma conversa com o passado obscuro em que o álbum de Gal foi lançado. Ela chama atenção para a permanência de tendências autoritárias daquele período no tempo presente e cita Walter Benjamin: “Todo monumento de cultura é um monumento de barbárie”.

Mas Assucena também reconhece que sua arte conversa com o futuro: “Espero que um dia a arte não tenha que vir apenas da melancolia”. E completa: “Mas não vem, né? A arte vem de tudo”.

Música Pavê: Após seis anos integrando o projeto musical As Baías, você está prestes a realizar seu primeiro movimento solo. Quais são os planos e expectativas para essa nova fase em sua carreira?  

Assucena: Costumo dizer que todo trabalho coletivo tem dois momentos: o de intersecção e o de renúncia. A intersecção é o acordo entre ideias que se fundem e geram uma síntese, algo novo a partir da fusão. Mas, em um coletivo, também há a renúncia da ideia individual que foi negada e guardada. Às vezes, você precisa renunciar aquilo no que você acredita e isso é doloroso. No projeto solo, todas as decisões serão minhas. Muitos amigos têm dito que o trabalho solo é solitário. Vou experimentar essa solitude agora e espero construir uma identidade que ainda não consegui apresentar no trabalho coletivo. Tem muita coisa na banda que é minha e muita que não é. Minha fisionomia vai ficar mais aparente e mais clara. Pretendo me aventurar, poisgosto daquilo que é mais experimental. Mas também gosto do que é radiofônico e essa veia nunca vai sair de mim. Em janeiro sairão meus primeiros singles e um EP com músicas autorais.

MP: Há alguma herança d’As Baías nesse voo solo? Qual foi a importância da história no grupo para sua trajetória como artista?

Assucena: A herança é parte natural de um processo da minha história. Eu construí e fundei As Baías, e essa fundação deixa marcas. Não posso negar minha história e nem quero. A questão é assumir e construir para o público uma identidade que em minha cabeça é muito evidente, mas que agora preciso e posso externalizar como cantora solo. Pude aprender muito estando seis anos à frente de um projeto coletivo e vou carregar isso comigo. Com As Baías, aprendi como lidar com o mercado fonográfico e que ser artista no Brasil não é fácil, ainda mais nos tempos sombrios em que estamos vivendo. Também desenvolvi o amor pela música, que faz parte da minha história.

MP: O espetáculo Fatal: Gal a Todo Vapor se deu em um período obscuro da ditadura militar no Brasil e marcou a resistência artística da época. Como você relaciona aquele contexto político com nosso presente e com sua atuação como artista?

Assucena: As reminiscências daquele tempo estão vivas. Temos um obscurantismo estacionado no planalto e uma nuvem autoritária sobre nós, e é doloroso que tenhamos que conviver com essa realidade cotidiana depois de ter sofrido tanto por séculos. A história do Brasil é uma história de sofrimento, estupro e violência e é triste saber que não superamos ainda certas tendências. Fatal é feito em 1971, três anos após o AI-5, quando se deu o exílio de Gil, Caetano e tantos outros artistas importantes para nossa história. Gal ficou sozinha, mas encontrou companheiros como Ali Salomão, Jards Macalé, Luiz Melodia, entre outros. Com a releitura de Fatal, estamos homenageando um monumento cultural, político e artístico da nossa história e conversando com ele, porque esse passado é um presente vivo. Também estamos conversando agora com nosso futuro. Pretendo chamar atenção para essa obra, de outro jeito, do meu jeito.

MP: A apresentação de Gal foi composta por uma primeira parte acústica, com voz e violão, e outra mais energética, com guitarra, bateria e demais instrumentos. Sua releitura segue o mesmo formato?

Assucena: Eu quis muito fazer um cover do disco, pela beleza como tentativa de experimentar aquele momento, aquela magia. Mas não é um cover. Estou no meu tempo e preciso conversar comigo, então preferi me aventurar na minha subjetividade. Apesar de estar reverenciando uma artista que foi fundamental para mim, para minha criação, a apresentação é muito mais sobre mim do que sobre Gal. O show não segue o mesmo roteiro nem o mesmo formato. Crio um prisma e olhar novo. Não tenho pretensão de que seja melhor, apenas de fazer algo que seja uma verdade minha, uma homenagem para esse álbum e para Gal Costa.

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