Arthus Fochi: “A palavra que se coloca no mundo é importante para o outro”
Prestes a lançar seu primeiro álbum ao vivo, Arthus Fochi e os Botos da Guanabara, Arthus Fochi conversou com o Música Pavê sobre coletividade, música, poesia e política e sobre como sua trajetória o fez se colocar a respeito dessas questões. O poeta, músico, pesquisador, professor e historiador é sinônimo de articulação e fomentação da cultura hispano-americana no Rio de Janeiro há mais de dez anos. O álbum recém lançado foi gravado ao vivo em apresentação única no estúdio Barbatana em Niterói.
“Numa gravação ao vivo de disco, você fica muito nu… vaza tudo, não tem como editar depois, contou ele ao site, “é um registro de tempo-espaço específico, sem tirar nem pôr, diferente de um overdub, de um disco que você pode gravar em vários meses, ou anos. Isso eu acho interessante porque, de alguma maneira, atesta o momento, a musicalidade, a atmosfera, o que o Arthus de 2018 era enquanto performer”.
As canções se alternam com declamações de poemas autorais do coletivo niteroiense Laboriosa (aqui representado por Rebeca Souza, Bruno Jalles e Júlia Vita), assim como trabalhos de Drummond e Luhli, trazendo para a gravação um tom colaborativo potente, característico da trajetória musical de Arthus.
“No caso de se fazer um disco com poesia, há uma tentativa de buscar a escuta mais atenta, contemplativa. As pessoas escutam música em muitos momentos da vida: fazendo sexo, estudando, fazendo comida, tomando banho… Minha vontade como músico é olhar para esses lugares possíveis de escuta”.
Além do espaço entre canções, a poesia também está presente através do próprio processo de composição das faixas. Vodu #2 (Arthus Fochi/Íltalo Diblasi) e Gaia Ciência (Arthus Fochi/Ítalo Diblasi) foram musicadas a partir de poemas.
“É importante não só estar trabalhando com seus parceiros de categoria, mas trabalhar com quem vive de arte, se juntar com artistas plásticos e poetas e entender como esses artistas entendem a vida filosoficamente. Eu sou bom para prosódia. Continuo sendo poeta, mas fui mais para a música, produção musical. Eu poderia fazer todas as minhas letras, mas busco poetas, busco juntar as forças, articular mais essas categorias, esses nichos. Retrospectivamente, os movimentos artísticos eram mais coesos, como a Tropicália, a Vanguarda Paulista e os Novos Baianos. Essa galera flertava com pessoas de distintos lugares de percepção da arte, da vida e do comportamento. Esse disco reflete a vontade de colocar os poetas mais na cena musical. Eles também estão entendendo que através da música a poesia deles pode chegar a mais pessoas”.
Essa perspectiva de produção colaborativa brota na vida profissional de Arthus sob diversas formas: desde o projeto Ano Sabático, no qual lança singles em parceria (em parcerias como Ana Frango Elétrico, Júlia Vargas, Duda Brack e Qinho) até a organização de eventos no Rio de Janeiro como o “Filatelia” e o “Peña Cultural Auá”, onde se apresentam artistas de diversas localidades. Esse ímpeto pelo coletivo e pela difusão, principalmente da cultura latino-americana e folclórica, tem raízes múltiplas, artísticas e políticas, tão interessantes quanto surpreendentes.
“Quando eu tinha 15/16 anos, montei algumas bandas em Araruama, chegamos a levar garage fuzz para lá. Tinha essa coisa de criar uma cena e se entender como geração. Quando fui fazer faculdade de história, comecei a entender a cena do hardcore, as músicas tinham muito conteúdo político. Além disso, uma época fui poeta de rua e sempre tivemos uma perspectiva coletiva”.
Após um ano de faculdade, Arthus, que tem pai paraguaio, fez uma viagem de seis meses pela América do Sul, quando se encantou pela música latino-americana, pelo folclore e pelo estudo de ritmos.
“Lá fora, consegui encontrar análogos da música de protesto, de mensagens de transformação social e filosófica para a população, como Víctor Jara, Daniel Viglietti e Violeta Parra. Tenho essa perspectiva por causa da história, de que somos agentes políticos, de que podemos trabalhar dentro de uma ideia de transformação através da arte, da música. Tinha vontade de ‘unir os idiomas’ de alguma maneira, então fazia música em ‘portunhol’. Queria que meus amigos daqui conhecessem meus amigos de fora, que são referências musicais e humanas pra mim, e que compusessem uma cena latino-americana, como existiu durante uma época”.
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