Alaíde Costa Sente-se “Homenageada” em Seu Próprio Disco
De um lado, dois dos nomes mais ativos na nova música brasileira junto de rapper icônico desta geração. Do outro, uma artista onipresente desde a bossa nova nos anos 1950, a única mulher no disco Clube da Esquina e parceira de nomes como Vinicius de Moraes e Geraldo Vandré em composições. Foi daí que nasceu O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim, quando Marcus Preto (Gal Costa, Bala Desejo) e Emicida decidiram produzir, com direção musical de Pupillo (Nação Zumbi, Céu) um novo trabalho de Alaíde Costa.
A obra tem repertório composto por canções inéditas escritas por uma legião de fãs da cantora, como Céu, Nando Reis, Joyce Moreno, Ivan Lins, Erasmo Carlos em parceria com Tim Bernardes e o próprio Emicida. “Fiquei surpresa em saber que ele era meu fã, embora nade em uma praia tão diferente, né?” disse Alaíde por telefone – e aos risos – ao Música Pavê, comentando também que as letras do rapper “vão por caminhos diferentes, que os outros, de repente, não foram. Ele tem uma visão bem diferente, isso é muito bonito”.
Aos 86 anos, a cantora conta que as composições “foram chegando” assim que souberam que o disco estava em produção, uma “homenagem”, em suas palavras, de quem acompanha seu trabalho desde sempre. “Por incrível que pareça, a maioria do meu público nos shows é formada por jovens que me conheceram através de pais ou avós”, comenta Alaíde, “inclusive a própria Céu, que é jovem, é minha fã porque o pai é fã. Nando Reis também, aprendeu a gostar de mim através do pai”.
Para a artista, o maior valor de O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim é “ter conseguido reunir essas várias gerações para uma pessoa já assim na minha idade, que… sei lá, muita gente na minha idade já não consegue mais cantar e ter esse pessoal todo comigo é muito interessante. Deus me deu o privilégio de não mexer na minha voz, isso é muito gratificante”.
Ao olhar para o passado em sua carreira, Alaíde comenta ter acompanhado vários movimentos musicais ao longo das décadas. “Embora eu não tenha nada contra nenhum movimento – tudo é válido na música -, jamais quis sair do que eu acreditava”, conta ela, “tive propostas absurdas. Eu estava sem gravadora e um diretor me fez uma proposta, mas eu teria que gravar a Serenata do Amor em ritmo de iê-iê-iê. Aí, eu continuei sem gravadora (risos)”.
“Nunca fui convidada a participar de nada”, conta ela sobre as transformações sociais que a música acompanhou ao longo dessas décadas, “não que eu não quisesse participar, mas nunca me convidaram, acho que por conta da música que faço. Acho que, de repente, [era esperado que] uma mulher negra teria que estar cantando um sambão, rebolar e essa coisa toda, e eu fiz o inverso, né? Então, nunca fui convidada”.
“Tudo é válido, mas não é o que eu queria para mim, né?”, diz ela, e cita a música de João Bosco, com letra do filho Francisco (Aos Meus Pés, que encerra o disco) para sintetizar sua carreira: “O meu caminho eu mesma fiz/Não foi ninguém que me apontou/Eu me virei sozinha/Comi o pão todinho/Que o diabo amassou/Eu não faço fiado/Mas dou sempre tudo por amor”. “Essa é minha história”, conclui Alaíde.
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