Afrocidade: “Quebrada é quebrada em qualquer lugar”

Para seu primeiro registro de estúdio, Afrocidade tinha um objetivo tão bem definido quanto desafiador para ser colocado em prática: Trazer a energia de seus shows para o estúdio. Em vista da vontade de sair dançando pela casa ao se ouvir Afrocidade na Pista, devo dizer que seus objetivos foram lindamente alcançados.

O coletivo de Camaçari, na Bahia, convocou Mahal Pita para a produção e nos entrega um trabalho que exala as muitas sensações de estar em um show, do suor nos corpos em movimento ao alto volume das batidas.

Falando ao Música Pavê por email, Eric Mazzone (que assina bateria e direção musical da banda) comenta como foi fazer este disco em uma época em que não se pode fazer shows, devido à pandemia.

Música Pavê: Como foi o processo de levar a energia dos shows para o disco? 

Eric Mazzone, Afrocidade: O primeiro passo foi entrar em estúdio com todos os integrantes e registrar as músicas tocando juntos, em uma mesma sala, com os arranjos no mesmo formato dos shows. Buscamos captar o máximo da visceralidade coletiva. Na sequência, fomos identificando onde e como poderíamos reajustar as frequências e sonoridades de cada instrumento para chegar em um resultado que tentasse traduzir a energia dos shows. 

MP: Por que vocês julgam que esse EP tinha que trazer essa cara de ao vivo?

Eric: A trajetória das composições da banda se deu nos palcos. A maioria das nossas músicas nunca estiveram no streaming. Apenas uma música estava disponível nas plataformas digitais, Que Suingue é Esse, que sentimos a necessidade de relançar com uma outra roupagem, por ser uma faixa muito importante pra nós. Mesmo sem lançar nada, o público que acompanha a banda já conhecia todas as canções através dos shows. Chegamos a fazer turnê fora do país sem ter lançado nada no streaming. Acreditamos que o show ao vivo seja a nossa maior potência e essa energia tem que estar presente em tudo que faz parte de nós. É também uma forma de trazer o público pra dentro do EP. Eles construíram as músicas conosco. 

Música Pavê: Como foi montar esse repertório? E como foi trabalhar uma nova cara para as músicas já conhecidas?

Eric: Não podemos afirmar que foi uma escolha consciente. Cogitamos várias músicas e aos poucos o EP foi tomando forma. Fomos compreendendo juntos o caminho que estava se desenhando, e o mesmo aconteceu com os arranjos. As músicas possuem vida própria, muitas vezes o nosso papel é seguir a intuição, regida pela força maior.

MP: E o trabalho com Mahal Pita? O que mais tem dele nesse disco? Como o EP seria se feito com outro produtor?

Eric: Convidamos Mahal por compreender a importância e o papel dele dentro da música baiana. Acompanhamos diversos trampos que ele desenvolveu em sua trajetória. Além de músico, compositor e produtor, Mahal é também um grande pesquisador. Sabíamos que ele nos ajudaria a compreender a profundidade do que estamos em busca. Antes do convite da Deezer para produzir esse EP, eu já havia convidado-o para trampar juntos a música Baby Te Liguei, que se tornou o primeiro feat dessa parceria. Além de Mahal, o EP contou com a minha co-produção. O fato de ser diretor musical e fundador da banda facilitou o processo de entendimento das intenções de cada faixa. Estávamos morando muito próximos e passamos a nos encontrar quase que diariamente, descobrindo sons e imergindo no vasto universo sonoro que Afrocidade representa. Pra mim foi um grande aprendizado. Cada produtor tem sua particularidade. Talvez se produzíssemos com outra pessoa, não sairíamos com algumas certezas e alguns questionamentos que estão para além da parte técnica e musical.

MP: O quanto vocês acreditam que o que vivem em Camaçari representa o que é vivido também em outras cidades do Brasil?  

Eric: Camaçari é uma cidade que faz parte da região metropolitana de Salvador e possui cerca de 300 mil habitantes, onde a desigualdade social impera. A cidade teve sua identidade cultural devastada pela indústria. A maior parte da população vive desassistida pelo poder público, e ainda assim a cultura resiste. Esse é o perfil do nosso país, infelizmente. Sendo capital ou não, quebrada é quebrada em qualquer lugar.

MP: Como está a ansiedade para os shows por aí? O que estão sonhando para quando este EP for (ou voltar) para os palcos?  

Eric: Estamos em crise de abstinência, com muita saudade dos palcos e com muita coisa nova pra mostrar. Esse ano ainda pretendemos lançar nosso primeiro disco, com 11 faixas inéditas. Queremos que nosso primeiro show aconteça em Camaçari, no estilo AFROBAILE original.

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