Adrian Younge: “Quero música inspirada pelo passado, mas feita para o amanhã”

Durante a divulgação do filme Ainda Estou Aqui, a atriz Fernanda Torres comentou em entrevista a Rodrigo Ortega que nosso país “é uma ilha continental, e a gente é isolado pela nossa língua. Ao mesmo tempo, a gente consome a nossa própria cultura (…) e tem pena do mundo não saber o que a gente sabe”. O produtor californiano Adrian Younge observa esse fenômeno do lado de lá: Como o estrangeiro que chegou ao Brasil e voltou para casa deslumbrado com o continente cultural que pôde experimentar.

“Você tem que entender que as pessoas nos EUA não sabem a diferença entre Peru e Brasil, nem mesmo a diferença entre a Cidade do México e o Brasil”, contou ele em entrevista ao Música Pavê. “Ter ido ao Brasil e compreendido a riqueza dessa cultura me deixou até bravo. What the fuck, como assim? (Risos) Eu conhecia Marcos Valle, Arthur Verocai, Astrud Gilberto e Sérgio Mendes, mas nunca tinha ouvido falar de Dom Salvador, Joyce, nem mesmo da música psicodélica”.

Dono de dois selos, Linear Labs (com o qual acaba de lançar o disco Adrian Younge Presents Linear Labs: São Paulo) e Jazz Is Dead, Adrian pôde iniciar um intenso intercâmbio musical entre seu país e o nosso, a começar por nomes como Milton Nascimento e Antônio Carlos e Jocáfi. “Alguns dos melhores trabalhos já lançados por JID foram com Carlos Dafé, Joyce e Hyldon”, comenta o produtor, “o que fizemos com Marcos Valle, Azymuth, João Donato e outros foi criar algo que fosse originalmente brasileiro, mas também único para mim aqui em Los Angeles. Sempre quis o híbrido, nunca quis só requentar algo já existente. Para alguém que faz música analogicamente, eu não quero fazer um som que você escute e fale ‘ah, isso aqui tem cara de ser muito antigo’. É muito mais profundo que isso, quero fazer música inspirada pelo passado, mas feita para o amanhã. Com todos esses artistas com quem já trabalhei, estudei seus catálogos, encontrei aquilo que mais gostava e usei como ponto de partida para fazer música nova”.

Adrian está envolvido também com nomes da nova geração. Ele esteve com Pupillo nos bastidores de Novela, disco que Céu lançou em abril. Em 2025, será lançado o álbum que produziu para a atriz e cantora Samantha Schmütz. “Você não espera que essa comediante que você conhece [da TV] faça música assim”, comenta ele, “quando você escutar o álbum… é tipo Elis Regina com Verocai, com Quincy Jones da década de 70. É fucking lindo. Eu nunca poderia ter composto algo assim se não tivesse passado tempo no Brasil, mergulhado na música e na cultura”.

Em Adrian Younge Presents Linear Labs: São Paulo, o músico reúne faixas que estarão nos álbuns que ele lançará em breve – incluindo a música Nossa Cor, que estará no disco de Samantha. Há presença de Snoop Dogg, Bilal e a iraniana Liraz entre as faixas, que possuem uma familiaridade extra para quem é nascido no Brasil, principalmente na capital paulista – reflexo direto da devoção que o produtor cultiva pela nossa música.

“Para ser honesto contigo, é como se eu quisesse recomeçar a minha carreira no Brasil. Amo tanto a cultura, e também é bom demais me sentir bem recebido. Eu sou um gringo, mas, quando vou ao Brasil, vou com a intenção de aprender. Quando posso ensinar, ou compartilhar, eu ensino. Mas é como foi trabalhar com Céu, a noção de poder reunir todas essas coisas. Mas quero direcionar minha atenção ao Brasil e, de um jeito estranho, me sinto paulista, pelas pessoas com quem eu ando”.

Música Pavê: Como alguém nascido e criado em São Paulo, fico curioso para escutar por que a cidade batiza esse disco.

Adrian Younge: Por várias razões. Minha primeira viagem ao Brasil, em 2019, mudou minha vida. As pessoas que conheci em SP tornaram-se amigas próximas e me ajudaram a entender melhor a música do Brasil, por meio de seus discos clássicos. O que mais amo nessa cultura é que sinto música quando vou ao Brasil de um jeito que não sinto aqui nos EUA. Aqui, se você vai a uma cafeteria ou um lugar que serve jantar, pode ter um cantor em uma apresentação acústica no cantinho. Mas, aí, escuto um grupo de pessoas tocando samba e todos sentem aquela música no ar. Aqui, não é assim. E o samba tem essa história de ser do gueto antes de ser a música nacional. Eu sinto África nele, porque o samba veio dos ritmos africanos. Quando meus ancestrais vieram aos EUA, eles não puderam trazer seus tambores. A experiência no Brasil foi outra. Sinto meus ancestrais no Brasil de uma forma que não sinto aqui. Escutar essa sintonia entre o jazz negro norte-americano, o funk e o soul misturado com as versões brasileiras, que criam algo único, me fez dizer: Esse é o meu som. Desde aquela primeira vez no país, cheguei ao ponto de que a maior parte da música que escuto é brasileira. Mudou minha vida. Por isso, quis dedicar algo a SP. Meu próximo disco, Something About April 3, que sairá em abril, será meu primeiro álbum todo em português. É minha forma de retribuir meu amor a um lugar que já me deu tanto.

MP: Quanto desse disco é um álbum propriamente dito, e quanto é uma coletânea?

Adrian: É mesmo mais como uma coletânea. É uma faixa de cada um dos meus próximos discos, uma introdução ao que vai acontecer nos próximos três anos, mas que eu quero que as pessoas escutem desde já.

MP: Por quê?

Adrian: Porque… eu nunca fiz isso antes. Trabalhei em uns 18 discos, mas queria me manter à frente deles. Podeira esperar cada trabalho sair, ou poderia já apresentar um pouco deles agora. Até porque, trabalhando com artistas mais velhos, você nunca sabe quais deles vai acordar amanhã e quem não vai – João Donato é o exemplo perfeito. Tenho medo disso, nem gosto de dizer em voz alta, mas eu sou muito próximo a Marcos Valle e ele é tão cheio de juventude, um cara tão bom, mas sei que cada vez que nos vemos é preciosa. A última vez que vi Mamão (falecido em 2023), ele estava aqui no estúdio com Azymuth e Marcos Valle. Estava vendo as fotos desse dia e percebi que todos eles são jovens velhos. Por causa disso, quero que gente como Hyldon veja o quanto é querido. Algo que notei na cultura brasileira é que a história musical é riquíssima, mas os jovens se esquecem do passado, de uma forma que é um pouco diferente daqui dos EUA. Carlos Dafé fez tanto para a música soul com o movimento Black Rio, e muitos brasileiros não sabem quem ele é – menos ainda aqui nos EUA. As pessoas precisam conhecê-lo, e também a Hyldon, Dom Salvador… É uma paixão e uma missão que a palavra se espalhe no Brasil, mas ainda mais fora do país, para colecionadores de discos e pessoas que amam boa música saibam que essas pessoas existem e estão vivas. Não vamos esperar até que elas morram para celebrá-las. Vamos lotar seus shows agora! 

MP: Se você pudesse escolher, como você gostaria que as pessoas escutassem a Adrian Younge Presents Linear Labs: São Paulo?

Adrian: A música que eu produzo se parece com minha caixa de DJ. Se eu vou discotecar, vou tocar Dom Salvador, depois Stereolab, depois um Jorge Ben e Wu-Tang. Tudo isso está na minha caixa, porque há um denominador comum sônico em todos esses que nós amamos. Queria que as pessoas escutassem São Paulo assim também. O que me interessou na música brasileira foi, por exemplo, a evolução do samba funk que Dom Salvador e Mamão começaram. Quando olho para os discos que mais amo, quantas vezes Azymuth foi a banda de vários cantores nos anos 1970? O que eles estavam fazendo, inspirados tanto por Herbie Hancock quanto por suas raízes brasileiras… é esse hibridismo que me chama atenção. Essa conexão entre as músicas dos EUA e do Brasil foi o que me fez querer conhecer mais e mais desses discos. Quando as pessoas escutarem São Paulo, quero que elas notem essas conexões.

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