A Alegria do Encontro de Jards e Donato É a “Síntese do Lance”

foto por leo aversa

“Música devia vender em farmácia, para a gente comprar contra nostalgia, melancolia, dor de cotovelo, dor de cabeça, dor de barriga… (risos). Compra uma música e fica bom desse negócio” – a fala de João Donato, em entrevista ao Música Pavê, explica boa parte do que ouvimos em Síntese do Lance, disco que une o icônico pianista a Jards Macalé, símbolo da música brasileira autoral e vanguardista. Do encontro dos dois, nasceu uma obra de alegria legítima e compartilhada.

“Pra mim, particularmente, foi uma trégua nesse momento tão complicado no Brasil e no mundo”, conta Jards, “João tem essa coisa de uma alegria intrínseca. O som dele, eu diria, é feliz. Ele dá a nós, músicos, uma alegria muito grande. e essa junção de humores – porque ele tem muito bom humor, e eu acredito que eu também tenha (risos) -, que me faz um bem danado”.

Com produção de Marlon Sette, Sylvio Fraga e Pepê Monnerat (sócios da gravadora Rocinante), Síntese do Lance foi gravado em Araras, no interior do Rio de Janeiro, nesse clima de reencontro em uma época tão marcada pelo isolamento, o que explica também o clima ensolarado do disco. Entre jogos de xadrez, comida boa e muitas risadas, os dois foram “vivendo aquele espaço natural e a coisa foi saindo assim, dessa forma, é a felicidade do encontro, sem nostalgia nem nada”, comenta Jards sobre a alegria nas novas músicas, “foi um resultado tão natural quanto a capa do disco, né? (risos)

Donato comenta ter sido emocionalmente afetado durante os últimos anos, principalmente no período que parou de ler a bíblia: “A covid trouxe essa coisa da gente saber que a gente pode morrer a qualquer momento e que a gente é frágil. Eu cheguei a pensar que o mundo iria acabar. Foi só um momento, mas logo em seguida as páginas da bíblia voltaram”. Ele conta também ter encontrado na música um sentido espiritual para a vida: “Ela é o elo de todas as coisas”.

Ao ser perguntado sobre poder oferecer música feliz aos outros, Donato logo responde que “nós somos os outros também, queremos ouvir o que fizemos, queremos aprovar também. Então, você pretende fazer o melhor que faz”. “Uns amigos da Colômbia me disseram que minha música tem serotonina, então produz alegria nas pessoas”, comenta com um sorriso.

Para Jards, realizar essa parceria tem também uma outra conotação: A de poder estar trabalhando com um de seus maiores ídolos da música brasileira. Ele comenta ter composto com reverência, se adequando à musicalidade que sempre admirou em Donato. “João tem aquela coisa afro-cubana que dá um molho incrível”, comenta, “uma coisa dançante, que o brasileiro gosta, né?”.

No repertório, entre canções e instrumentais, há músicas feitas para as esposas de João e Jards (Dona Castorine, para Ivone, e O Amor Vem da Paz, para Rejane Zilles, suas respectivas parceiras), uma homenagem dupla a Duke Ellington e ao próprio Donato em João Duke (“eu falo para ele que ‘se Duke Ellington é o visconde do jazz, você é o duque da música brasileira'”, brinca Jards) e o single Côco Táxi, inspirado pelos triciclos de Havana que os dois já tiveram a oportunidade de experimentar como turistas.

Ao serem perguntas se a convivência um com o outro gerou alguma surpresa, algo que antes não sabiam sobre o parceiro, Donato comenta com discrição que “deu tempo de ver outros lados da pessoa, não só aqueles que você já conhece”. Por sua vez, Jards brinca: “O que eu não esperava foi a gente tirar aquela fotografia (risos). Ali tá a Síntese do Lance, o despojamento e tal.

Por mais que as perguntas feitas aos dois tentem levar o assunto a outros lugares, ambos insistem em comunicar a felicidade de trabalhar um com o outro. “Os encontros que tenho com Jards e sua esposa são boas lembranças”, explica Donato, “as boas lembranças, a gente faz música. as ruins, a gente esquece”.

Uma segunda matéria com Jards Macalé e João Donato sairá na quarta, 27 de outubro, no Podcast Música Pavê.

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