2015 Resumido pelos Músicos
Como o Música Pavê faz em todos os especiais, chegou a hora de ouvirmos também não só o que nossa equipe tem a dizer, mas também como os próprios artistas experimentaram a música em 2015.
Convidamos um pessoal que não só faz música boa, mas também ouve bastante coisa legal por aí (e, sabemos, uma coisa tem muito a ver com a outra) para resumir o ano. Eis o que eles nos disseram, cada um a seu modo, em palavras muito preciosas e dicas infalíveis.
(Curta mais do especial 2015 em Resumo)
###Duda Brack
“Depois que A Mulher Do Fim do Mundo chegou, nada mais restou, ninguém sobreviveu. Elza Soares veio com tiro certeiro no peito da música brasileira. Do fim de um mundo com o bolso cheio de merda, ela emergiu, inaugurando um novo estado de consciência – musical, artística, social, política, humana, enfim. Esta voz está prestando um serviço indizível ao nosso tempo, se colocando à frente dele. E, embora tudo neste álbum me impressione e interesse (os músicos, as canções, a produção, a interpretação, o contexto), eu me arrepio e marejo mesmo é quando percebo o tamanho da força, da coragem, da juventude e do vigor que estão movendo esse acontecimento”
###Guri Assis Brasil
“Estamos vivendo um momento político muito importante no nosso país. Um momento em que as mulheres, os jovens, os gays, negros saem para gritar com toda força de seus pulmões por igualdade e seus direitos. É muito bonito isso tudo que está acontecendo. Por isso, todo o disco A Mulher do Fim do Mundo de Elza Soares me jogou contra a parede. Além das músicas serem incríveis, a caneta é pesada. Um petardo no qual uma mulher grita pelo feminismo, pela igualdade e insiste que não se pode ficar calado. Um disco extremamente atual e inteso. Não canso de ouvir”
###Sara Não Tem Nome
“Difícil resumir 2015, esse ano com tantos acontecimentos marcantes no mundo todo e na minha vida pessoal. Sem dúvida, um ano que deu voz a muitas lutas, muitos assuntos relevantes vieram à tona com a intenção de fazer as pessoas repensarem seus atos, suas visões. Tentando me lembrar o que escutei, as bandas que conheci esse ano, imediatamente me veio na cabeça Sparklehorse.
Quando ouvi, me apaixonei pelas músicas. Parece aquele tipo de som que você pensa “nossa, tem tudo a ver comigo, como eu não escutei isso antes”. Depois fui pesquisar sobre a banda e descobri a história do Linkous, um pouco sobre sua trajetória que, infelizmente, terminou em suicídio. As músicas são muito viscerais, os sentimentos mais intensos estão ali nos discos. Toda vez que colocava It’s a Wonderful Life pra tocar, me deslocava para outra realidade. Entrava em uma espécíe de realidade paralela, me sentia mais sensível para pensar na vida, observar as coisas. As músicas me transmitem uma melancolia profunda, uma delicadeza que me acalma nos dias turbulentos que estamos vivendo.
Acho que é um momento importante para escutarmos músicas que nos fazem refletir, pensar sobre o que somos, o que queremos pra nós e pro mundo”
###Murilo Faria (Aldo the Band)
“Miley Cyrus e o disco Miley Cyrus & Her Dead Petz! Porque a inesperada quimica entre Flaming Lips e ela não apenas amadureceu como resultou no disco mais maluco, ousado, inesperado e, principalmente, verdadeiro do ano. E estamos falando de uma mega pop star advinda de uma indústria aversa a riscos e viciada em fórmulas de sucesso. Todo os meus amigos deram risada quando eu falei do disco da Miley Cirus. Mas quando ouviram Something About Space Dude (sem saber de quem era a música), perguntaram: ‘Caramba! Que som bom é esse?'”
###Apollo
“Aos meus olhos, 2015 foi o ano do The Weeknd. Sempre fui fã do trabalho dele, mas achei muito interessante assistir sua transição de um público mais seletivo ao mainstream mundial. Acho que ele se posiciona em um lugar importante na cultura pop, já que sua sonoridade não é digerida ao popular e suas temáticas não são sempre limpas e perfeitas, se comparadas ao pop internacional. Gosto muito quando artistas não perdem sua integridade artística ao alcançar o grande público. Fico agora curioso para ver os novos passos dessa carreira já consagrada”
###Joaquim Mota (Esquimós)
“2015 é do Benjamin Clementine. Desde a primeira vez que eu escutei Condolence, que se destacou no meio de uma playlist, depois assistindo o feeling de London e Cornerstone ao vivo, até ter a oportunidade de ter o vinil em mãos e perceber a beleza em The People And I e Winston Churchill’s Boy, eu me apaixonei pelo som que esse cara faz. Londrino, morando em Paris, com uma voz linda e que adora brincar com os tempos das linhas melódicas, Benjamin Clementine ainda coroou o seu 2015 ganhando o Mercury Prize por At Least For Now, mostrando que o ano realmente foi dele”
###Felipe Pereira (Peartree)
“Não posso deixar de mencionar Mutemath. Como fã assumido dos caras, sei que sou suspeito, mas acho que fizeram um dos discos mais interessantes do ano dentro do contexto do synthpop. Além de perigosamente pegajoso, o álbum Vitals vem com uma vitalidade (perdoe o trocadilho, por favor) que dificilmente se encontra atualmente na música indie que se dispõe a trabalhar com synths. Parte disso vem do fato dos caras terem tirado as faixas de suas experiências ao vivo, e não o contrário. Como se não bastasse, a produção do disco está impecável e reflete uma qualidade que a banda vem cultivando desde seu primeiro EP. Viva Mutemath!”
###Nunes
“O ano de 2015 foi notável para a música, com muitos lançamentos bons de gente nova e gente já conhecida. Foi um ano de Goon, do Tobias Jesso Jr., mas também de A Mulher do Fim do Mundo, da veterana Elza Soares. Pra mim, quem define o ano de 2015 é a Lupe de Lupe, que mesmo não tendo lançado nada neste ano (mas que lançou um disco foda em 2014, o Quarup), marcou o ano de 2015 com a turnê Sem Sair na Rolling Stone. Nessa tour, os caras mostraram que é possível ser uma banda independente e fodida e conseguir rodar os quatro cantos do país tocando em tudo quanto é canto, abrindo o leque de possibilidades pra outra galera”
###André Whoong
“O que resume a música em 2015, para mim, é a turnê de Gilberto Gil e Caetano Veloso, ambos comemorando meio século de carreira. Sou fã do trabalho dos dois e acho incrível a força e identidade que eles expõem em cada canção. Os dois atravessaram inúmeras revoluções musicais e tendências que surgiram na música brasileira e que até hoje são referências para muitos de nós. E essa turnê deles veio num momento delicado da disputa entre poderes de Israel e Palestina que surgiu até um pedido de cancelamento de um dos shows por Roger Waters e rendeu uma troca de e-mails afiada”
###Diego Souza (Supercolisor)
“Pra mim, uma banda que esteve em todas nesse ano foi Ventre. O disco de estreia da banda carioca é de uma espontaneidade poderosa pouco vista e ouvida na música brasileira recentemente, e, apesar de ter sido lançado já no final do ano, chamou a atenção da mídia e público de forma unânime. Tive a oportunidade de conhecê-los pessoalmente e dividir o mesmo palco com eles. Ao vivo é ainda melhor: são músicos fora de série e sabem conquistar e hipnotizar a plateia com seu carisma. Gabriel, Larissa e Hugo são apenas três, mas soam como centenas. Já são gigantes”
###LG Lopes (Graveola e o Lixo Polifônico)
“O disco Quilombo Oriental, do meu irmão Gustavito, é mais uma daquelas reluzentes pérolas produzidas em BH que por contingências históricas e magnetismos viciados acabam infelizmente circulando bem menos do que deveriam. Não só pela força solar das canções, mas pelo tratamento dos arranjos, com a bandaça A Bicicleta, gravado ao vivo, Quilombo Oriental é um álbum capaz de trazer good vibes genuínas pra qualquer ambiente. Astral total, axé e amor. Bom pra marcar lembrança dos momentos luminosos desse denso 2015. Recomendo fortemente o mergulho”
###Bela Moschkovich (Falso Coral)
“Eu gosto muito de ouvir coisa velha, então tive que pensar um tanto pra achar um artista que fez meu ano de 2015. Sou suspeitíssima para falar, já que sou fã incondicional, mas sem dúvida o disco que eu mais esperei no ano foi How Big, How Blue, How Beautiful, de Florence + The Machine. A sacada de lançar algumas faixas como se fossem episódios de uma história e fazer vídeos com continuidade foi fantástica. As letras nem sempre foram compostas tendo em mente aquelas situações, mas o que temos é uma história um tanto trágica, com direito a metáforas como demônios te acordando no meio da noite, mas ao mesmo tempo muito humana e plausível.
O que mais me atrai, e que com certeza foi muito preciso ao longo de um ano tão intenso, são a humanidade e a sensibilidade dos vídeos e das letras. São, como sempre, cheios de reflexões, grandiosidades e socos no estômago sobre as relações humanas e o que somos como indivíduos”
###Filipe Barros Mariz (Troco em Bala)
“Pra mim, quem marcou 2015 foi Mahmed junto do pessoal do selo Balaclava Records. Apesar de morar em Maceió e ser meio alheio às ações da Balaclava, o fato deles terem trazido o Mac Demarco pra recife foi foooda. Mahmed pra mim foi um grata surpresa, realmente não precisa ser cantado pra falar alguma coisa. Viajei muito ouvindo o Sobre a Vida em Comunidade e tive ótimos momentos com eles sendo a trilha sonora”
###Victor Prandine (Locus)
“Em um ano em que Blur lança um álbum de inéditas depois de muito tempo, seria difícil não os colocar como a banda que definiu 2015 para mim, especialmente por se tratar de um álbum tão particular quanto o The Magic Whip. Quando li a notícia no primeiro semestre de que Blur lançaria um novo álbum, fui pego de surpresa, afinal, apesar dos encontros esporádicos no Hyde Park ou Glastonbury e mais um ou outro show por aí, os integrantes pareciam um tanto quanto distantes musicalmente uns dos outros nos últimos anos. Tudo isso fez com que eu criasse uma grande curiosidade pelo álbum.
Então, os caras lançam como o primeiro single: Go Out. Nossa, que colírio sonoro para quem gosta de distorção sem perder a musicalidade pop característica desde os primeiros álbuns do Blur, a música é sem dúvida um dos melhores momentos da dupla Damon Albarn e Graham Coxon. Quando o álbum saiu, eu ganhei o CD físico da minha namorada e ele não saiu do meu carro desde então. O álbum é uma aula de ambiência e texturas sonoras sem cair naquela musicalidade genérica, comum em muitos álbuns que tentam tal conceito.
Toda a temática oriental – já que o álbum foi composto e produzido inteiramente em Hong Kong – torna a estética ainda mais interessante, musicalmente e também visualmente. Para mim, vale destacar, além da própria Go Out, My Terracotta Heart, Mirror Ball, Pyongyang (essa inclusive teve sua letra composta após visita de Damon Albarn à capital da Coréia do Norte) e o divertido single Ong Ong que mostra que mesmo após infinitos projetos musicais mais experimentais, Albarn ainda é capaz de compor uma boa música pop de três minutos”
###Yo Soy Toño
“Milkshakes traz uma sobrevida a quem faz música esse ano. Me encorajou a fazer música, pelo menos. Não foi a banda que mais apareceu, é surpresa em listas de melhores bandas, num 2015 em que muita coisa boa foi lançada. Mas me comove por poder ver a mobilização de uma galera massa, engajada mais com a música do que com fatores externos, e despreocupada se seu som vai ser top 10 ou fazer parte do playlist do pen drive de um amigo. Me comove por não ter medo de abraçar suas influências e conseguirem andar por várias delas, passando do Tame Impala ao rock sujo de garagem. Me comove, pois, quando muitos pensam em manifestar suas preferências, Milkshakes nos convida pra curtir a festa, sem julgamento demais e querendo que a gente seja feliz. No final, é isso que importa”
###Eric Taylor
“Essa resposta pode ser respondida de várias maneiras. A mais fácil é dizer que quem resume a música em 2015 são os artistas de maior sucesso comercial, mas para isso vocês não precisam da minha resposta. Para mim, a banda escocesa Idlewild resume o ano de 2015. Depois de seis anos sem nenhum lançamento, e com seus membros envolvidos em projetos de estilos diversos, o álbum Everything Ever Written é um dos trabalhos mais versáteis, profundos e interessantes que eu ouvi nos últimos tempos”
###André Ribeiro (Alaska)
“Cara, 2015 foi um ano excelente pra música! Rolaram lançamentos insanos dentro de todos os gêneros imagináveis e isso é reconfortante em muitos níveis. Pra mim, quem resumiu 2015 no mundo da música foi Kendrick Lamar com o disco To Pimp A Butterfly, não só pelo contexto sócio-político, mas também pela musicalidade e composições impressionantes! Mas o ‘meu’ ano se resumiu na banda Circa Survive e seu novo álbum, Descensus!”
###Larissa Conforto (Ventre)
“Dois mil e crise foi afinal um ano difícil. Sofremos, todos, com as trágédias políticas, sociais, econômicas e por fim ambientais no mundo. Assistimos com medo aos conflitos no oriente médio, tantas mortes, tanta gente desamparada.
Por outro lado, uma sementinha de luz foi plantada no nosso país, dando início ao primeiro passo para o começo de algo bom: Diálogo. A pauta: Violência à mulher. Aborto. Cultura machista e misógina. 2015 foi, para mim, o ano do empoderamento feminino. Trocamos hashtags com confidências, fomos para as ruas exigir autoridade sobre nossos corpos, discutimos Simone Beauvoir no Enem (Vitória!). Com isso, nos vimos amparadas por nós mesmas e nunca mais sozinhas. Nós, que nunca tivemos uma identidade que nos unisse por um local ou história, que sempre estivemos no mundo, por detrás dos homens, como um assessório. O ‘outro sexo’ além do masculino. Descobrimos nossa força realizadora, o poder criativo, a garra. Aprendemos a passos pequenos, a protagonizar nossos conflitos. Gritamos, muito. E vamos gritar em dobro daqui pra frente (né, meninas?).
E se é pra nomear a artista do ano, a cara dessa primavera feminina na música é nossa deusa Elza Soares. Essa mulher, negra, mãe de nove filhos, vítima de tanta violência, tantos assédios físicos e morais, está de pé, e firme. Em 2004 cantou “A carne mais barata do mercado é a carne negra”, e esse ano impôs “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”. A Mulher do Fim do Mundo é a pérola das pérolas de 2015.
O fim do mundo é o ambiente violento e marginalizado das favelas (as ‘quebradas’). O tempo sem delicadeza. A destruição. violência doméstica, a força e as marcas que carrega de Benedita, protagonista transsexual para sobreviver. Em fronte à morte, Elza dança. E assim renasce das cinzas, insiste e não foge à luta. Filha de Iansã, Elza é lava que ascende, incendeia e dá vida à nossa luta. Pra mim, o disco da década. Produção brutal, músicos absurdos, e nossa diva, plena, aos 78 anos. Vida longa à grande Elza!”
###Sofia Vaz (Baleia)
“O André me convidou pra escolher aqui, junto com outras pessoas, quem resumiu o ano de 2015. Falei pra ele: minha memória é péssima, eu tenho uma péssima relação com listas, top 5, top 10, top coisas. Eu não nem tenho artistas preferidos, nem discos preferidos – eu não tenho cor predileta. Depois de muito reclamar (desculpe, André), fui pra Internet, rolou o ‘AHCARACALÓGICO’. Vi um monte de coisas de ‘melhores do ano’ por aí, fiquei com três nomes repetindo na cabeça. Lembrei da Björk. Lembrei da Elza Soares. Lembrei do Alabama Shakes. Me pareceram fortes e relevantes em lugares distintos e similares. Reparei que eram três figuras femininas muito fortes e achei que fechava de forma épica um ano como esse. São artistas/projetos tocados por três mulheres com potência absurda, musical e de persona. Vim toda contente aqui escrever, até que o André me deu uma rasteira e disse pra eu escolher uma só. Emoticon bolado.
Os três transitam em lugares absolutamente emocionais. A Björk – com um tema de disco como esse – já tinha deixado claro que seria algo bem delicado e, de fato, as músicas percorrem caminhos lindos e melancólicos. Elza Soares se mostra nesse disco de uma maneira vulneravelmente forte e as letras, assim que assumidas por ela, agregam uma carga e uma catarse tremendas. E a Brittany Howard cantando é um troço que é somente emocional, dá pra sentir até o osso.
Eu, na posição de pessoa-integrante-de-banda, olho pra essas figuras sozinhas (Bjork e Elza) e vejo uma assinatura tão forte e delineada das suas personalidades que, claro, acho foda e semi-inatingível. Assim sendo, por um ato de rebeldia somente, vou com Alabama Shakes. Todo mundo ali, junto no mesmo barco. E ela levando, lindamente. É rock, e é claramente blues, e é aquele velho/novo, e é garagem, e soa nostálgico numa primeira ouvida. É que é só muito bom e foda-se, foda-se todo mundo. É aquele disco que te ganha sem ter que pensar, sem motivos, ele não precisa de nada que o sustente junto. E, bem, ‘foda-se todo mundo’ num ano como esse me parece o mais sensato. É isso. Me desculpa os palavrões, André”
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