Um Olhar Melódico

Quando visitei pela primeira vez o estúdio de Antonio Peticov, em uma rua arborizada da zona sul de São Paulo, o sol quente que entrava pela janela parecia cozinhar a mente já cheia de inspiração, exalando o cheiro de tinta, madeira e livros que moram pelas estantes e bancadas do cômodo. Ali, a voz grossa e a fala inquieta do artista sonorizaram a força das pinceladas e conceitos por trás de suas obras com temas musicais.

Fui até lá para conversarmos sobre sua relação com a música – assunto que já poderia ser amplo e denso para qualquer artista, mas ainda mais para ele. “Boa parte do meu trabalho é música visual”, esclarece, “tem ritmo, volume, harmonia – tudo o que a música também tem”. A cada um desses termos, ou ao dizer qualquer outro vocábulo referente às artes, seus olhos fecham e as mãos se movem como se segurassem algum instrumento que esculpisse no ar aquela ideia que as palavras explicam, fazendo arte no imaginário presente daquele instante.

Antonio começou a expor aos 19 anos, no Salão Paulista de Arte Moderna (1965), e daí sua presença se espalhou rapidamente pelo mundo, a começar por Bienais de São Paulo e daí seguir por diversos pólos culturais dentro e fora do Brasil, o que fez com que ele passasse quase três décadas no exterior, morando entre Londres, Nova York e Milão até 1999. Foi durante esse período que ele começou a trabalhar com músicos em capas de discos. “Às vezes o artista viu um trabalho meu e curtiu, aí quer para a capa. Mas às vezes trabalhamos juntos, aí o diálogo é mais legal e o trabalho surge em harmonia”. Para ele, a capa “deve conduzir algo, ela traduz o conceito do álbum e é um plus pra quem compra”. Perguntei exemplos de boas capas e ele citou Pink Floyd – “você pensa no som e logo vê a capa”.

Morning Song

Depois de tanto criar para músicos, os sons tomaram conta do seu trabalho oficialmente em 1982. “Eu estava morando em Milão, ao lado de um parque. Era verão e amanhecia muito cedo, umas 4 da manhã. Eu estava indo dormir e ouvi os pássaros cantando, daí visualizei a analogia da energia do canto com a energia nos fios”. Foi assim que nasceu Morning Song, com as aves representadas pelas sete cores do espectro – algo recorrente em sua obra e que simboliza o processo criativo.

“Foi daí que eu comecei essa ideia de representar a música que eu ouvia através de uma caligrafia abstrata – ou mesmo com objetos que transmitem a sensação da música. Quando alguém me pergunta que música significa cada desenho que eu faço, digo que ele não representa uma música, mas uma sensação musical, o conjunto de experiências musicais que ele traz”. Essa questão sensorial aparece também na hora de dar nomes aos quadros, já que ele diz que batiza suas obras com aquilo que sente no momento em que vê o que acabou de criar.

Diversas vezes, ele cita que sempre ouve música enquanto trabalha, mas disse que não tem comprado muitos CDs ultimamente. Não perguntei, mas ele deve ser muito presenteado com discos, já que cita bastante também seu envolvimento com profissionais do ramo. “O músico, em geral, tem muito pouca consciência pictórica – são muito pouco ligados nisso, só percebem pelo seu interior abstrato. Existe uma diferença fundamental na fruição desses meus trabalhos com partituras pelo músico que cria e o que é apenas intérprete. O artista, criador, geralmente olha e lê no quadro características da música que ele faz (volume, intensidade, harmonia, ritmo). O intérprete geralmente olha e fala ‘que engraçado, cadê as notas?’. Ele pode ser um excelente músico, um ‘tocador’, mas não é um criador, não percebe as afinidades”.

Penso como deve ser interessante a diferença de “sensações musicais” que músicos de diferentes estilos tem diante da obra de Antonio, assim como são diferentes as percepções de quem não lê partituras ou ainda daqueles que nem reconhecem o pentagrama no quadro. Fui embora do estúdio com o sol já baixo, porém com a mente ainda mais inquieta pelas notas pinceladas e melodias visuais. Ao invés de tentar definir como percebo estas obras, prefiro te provocar a senti-las enquanto os olhos dançam pelas formas e cores tão rítmicas, frutos de uma mente que ensina há décadas como viver em sinestesia.

Visite o site oficial de Antonio Peticov e conheça mais obras do artista.

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2 Comments on “Um Olhar Melódico

  1. André, novo layout lindo, um ano de Musica Pavê sendo comemorado em grande estilo! Parabéns!

    Amei o trabalho do Peticov, eu não conhecia… É incrível como ele consegue passar sensações “sonoras” pelo uso inteligente de cores e texturas. Adoro quando os artistas conseguem entender que “as artes” na verdade não são segmentadas, eles se misturam e convergem…

  2. Pingback: Desenhos em Partituras : Música Pavê

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