Renan Inquérito Vê Seu “Corpo e Alma” Pelo Retrovisor

foto por rafael berezinski

O Musica Pavê teve a oportunidade de conversar com o rapper, poeta, escritor, professor e Mestre do Hip Hop Renan Inquérito. Com 25 anos de trajetória, o artista conquistou a crítica e gerações de fãs.

Em entrevista, conversamos sobre seu show comemorativo gratuito no Centro Cultural de São Paulo para celebrar os 10 anos do álbum Corpo e Alma, seus demais projetos, parcerias, vivências e conselhos para as novas gerações do rap brasileiro.

Música Pavê: Bem, a minha primeira pergunta é: O que faz a sensação de subir ao palco pra comemorar os dez anos do álbum Corpo e Alma, uma obra tão especial pro hip hop e para várias gerações de fãs?

Renan Inquérito: Bom, eu já sabia que comemorar dez anos de qualquer coisa é muito significativo: Dez anos não são dez dias. [Em uma década,] acontece tanta coisa no mundo, né? Ainda mais no mundo que estamos vivendo, as coisas cada vez mais velozes. Na minha vida, que não é nada dentro do planeta, já aconteceu um milhão de coisas nos últimos dez anos.

Por exemplo, estamos falando de um disco. Nos últimos dez anos, de Corpo e Alma para cá, eu lancei já cinco discos. Se fôssemos falar só o que aconteceu na minha carreira do ponto de vista fonográfico, já tiveram cinco discos depois, né? Então, assim, é muita coisa. São muitos shows, muitos discos, muitas músicas, muitos clipes, muitas parcerias depois. Acho que eu não conseguia mensurar.

Eu tinha, sim, a impressão de que ia ser uma festa de aniversário. Vamos comemorar algo, tá tudo bem e vambora! Mas, quando eu vivi aquela noite, aquelas centenas de pessoas cantando todas as músicas de ponta a ponta, inclusive com as camisetas da época, foi mais incrível ainda de ver, uma emoção indescritível. Tanto é que, a primeira vez que eu precisei falar durante o show, que era uma coisa que estava super programada, era dar “um boa noite, gente, vamos curtir, hoje a festa é nossa”, eu comecei a chorar, a gaguejar.

Aí Pop, meu parceiro, me abraçou e chorei mais ainda. Aí, pensei: “Meu Deus, nem cantei a primeira música e já estou assim, preciso me concentrar, me recompor”. É uma emoção muito grande, uma descarga de adrenalina e de emoção. Você precisa respirar fundo para conseguir continuar, é difícil.

MP: Em relação a essa grande festa de aniversário, essa celebração, como foi o processo de escolher lançar uma versão instrumental do álbum celebrativo e uma versão em vinil também?

Inquérito: Quando pensamos na comemoração, sabíamos que não podia ser só um show. Logo de cara veio a ideia de refazer as camisetas da época. Depois, veio uma ideia antiga que tínhamos, de lançar o álbum instrumental. Porque, além da versão normal, teve uma versão remix, dois anos depois. Falamos: “Pô, falta instrumental”. Aí, veio também a questão do vinil.

Amarramos todas as pontas para que a comemoração gerasse uma série de experiências, uma série de produtos, de atividades – que, inclusive, estão dando desdobramentos. Talvez, vamos fazer uma tarde de autógrafos para lançar as camisetas em uma loja em São Paulo.

MP: Ainda sobre Corpo e Alma, você também trabalhou junto a outros grandes nomes da música brasileira, como Arnaldo Antunes, Natiruts e Emicida. Como foi reunir todos esses estilos musicais diferentes? E tem alguma memória que você lembra, que se destaca desse período de gravação?

Inquérito: Bom, com Arnaldo Antunes, gravei com ele fisicamente no mesmo lugar. Com Natiruts, não. Então, não criei muitos laços com Alexandre Carlos – infelizmente, porque até gostaria, mas não foi possível. Ele mandou a voz lá de Brasília. Também foi ótimo, foi lindo, rolou.

No dia de Arnaldo Antunes, estava todo mundo muito emocionado, impressionado, admirado. Não sabíamos nem como dirigir a palavra a ele. Conhecmos Arnaldo no dia da gravação, então nós também estávamos sem graça. Demorou um tempo para criarmos uma intimidade. Mas ele foi um querido! Foi super receptivo, super parceiro.

Gravou, falou: “Vocês gostaram? Querem gravar de novo? Olha, eu tive uma ideia aqui. Eu posso fazer sem compromisso. Se vocês gostarem, vocês usam. Se não, vocês deletam”. Gravou, se empolgou também, se emocionou, porque ele viu como foi o processo. Ele gravou um poema que eu sugeri na hora, que é o poema que tem na música. Eu já fazia o poema, mas sugeri que ele fizesse comigo. É uma história muito bonita de alguém que chega e apresenta toda a sua generosidade para pessoas que ele nem sequer conhecia cinco minutos atrás. Uma pessoa extremamente disponível. Esse foi Arnaldo, essa foi a nossa experiência com ele.

MP: Sobre um outro tópico, Renan, você tem projetos musicais para crianças e adolescentes, apresentando o universo do hip hop a eles, como ABRAKBÇA Rap na Medida. Como surgiu a ideia de criar esses projetos, esse propósito de transformação social? E como eles conversam com você como artista?

Inquérito: Bom, por ser professor, sempre lidei com crianças, então sempre senti a necessidade de trabalhar o hip hop com elas. Porém, eu sabia que não dava pra usar as minhas letras com as crianças.  Algumas letras sim, outras não.

Então, sempre houve a necessidade de se criar algo para elas. Nunca havia tido uma oportunidade. Quem criou essa oportunidade, por incrível que pareça, foi a pandemia. Porque ela nos obrigou a parar. Quando parei, falei: “Preciso fazer alguma coisa para não ficar louco em casa”. Falei: “Já sei, vou colocar em prática aquela ideia antiga que é de fazer um projeto de hip hop para as crianças”.

E aí, comecei a colocar em prática ABRAKBÇA na pandemia. Eu já havia feito alguns esboços em atividades com crianças, nos quais tive uma oportunidade, uma abertura e até visto que funcionava. O disco é fruto de um trabalho antigo que já fazíamos com as crianças. Só materializamos em um disco.

MP: Ainda sobre ABRAKBÇA, o álbum tem um mix de instrumentos eletrônicos, de sacos e até brinquedos para remeter ao universo infantil. Como foi misturar esses beats e harmonias para compor o álbum?

Inquérito: Quando fomos fazer o disco, nos influenciamos influenciou por vários outros projetos que existiam. Um deles é o Música de Brinquedo (Pato Fu), que usa instrumentos de brinquedo. Outro é Adriana Partinpin e outro é do próprio Arnaldo Antunes, Palavra Cantada.

E também trouxemos a nossa essência, que é o hip hop – que é de instrumentos eletrônicos com instrumentos acústicos, que nós já víamos fazendo isso. Porém, escolhemos instrumentos acústicos específicos, que falassem mais com as crianças, como xilofone, ukulele, piano, um timbre de piano e tal.

Fomos encontrando uma textura que trouxesse a doçura das crianças e, vamos dizer, a aspereza do nosso rap. Tentamos encontrar isso musicalmente, liricamente, melodicamente.

MP: Como foi para você, como artista, vivenciar uma época tão importante do rap brasileiro? E você nota mudanças na cena? Ou você acha que ela permanece mais ou menos parecida hoje em dia?

Inquérito: Com certeza, houve uma mudança geracional. Eu já sou de uma geração diferente de Mano Brown, por exemplo. Emicida é de uma outra geração e hoje temos mais outra. Nós já temos, no mínimo, quatro gerações dentro do hip hop brasileiro.

A mudança sempre é muito estranhada no começo. Depois, ela vai se assentando, se estabelecendo. Traz muita coisa boa e também traz muita coisa ruim. E aí, o tempo vai peneirando.

Algumas coisas vêm e, com a mesma velocidade que vêm, vão. Outras permanecem, se conectam, somam-se, se avolumam. Outras se diluem, se esparçam, se evaporam. Eu acho que é normal. Isso aconteceu no samba, aconteceu no rock, em todos os segmentos musicais sempre vai acontecer. Em parte, pela indústria que molda, em parte pelo próprio movimento que não aceita algumas coisas, que repele ou abraça algumas coisas.

Então, não adianta você ser aprovado apenas pelo crivo da indústria. Se for, não necessariamente você vai fazer parte da cena como um todo. Ainda mais de uma cena que é tão pequena ainda, onde todas as pessoas se conhecem, se estrombam, se esbarram, se olham no olho. 

MP: Uma pergunta final, pensando nessas questões da diferença geracional. A sua obra tem um grande impacto no hip hop brasileiro, deixando um verdadeiro legado. O que você diria aos jovens dessas novas gerações que estão se apaixonando pelo hip hop do Brasil e começando a produzir o seu próprio som?

Inquérito: Bom, eu poderia ser um velho ranzinza, dizer que não tenho nada para dizer, ou também poderia trazer aqui uma solução milagrosa, uma receita, mas eu não tenho nenhuma das duas coisas. Eu só acho que eles têm que fazer aquilo que eles acreditam, acreditar no sonho deles e sempre olhar no retrovisor – porque, quando você olha no retrovisor, vê tudo que já passou, e é importante olhar para aquilo que passou, para aqueles que já passaram, porque eles nos deixam algumas mensagens, algum tipo de conhecimento, de legado. Então, estejam atentos ao para-brisa, ao futuro, mas, de vez em quando, olhem para o retrovisor.

Estejam sempre antenados, é preciso ter antenas, mas também é preciso ter raízes, não raízes que nos acorrentam ao passado, mas a raiz é aquilo que nutre a planta. Então, é na raiz que a gente busca o alimento, a nutrição, tá ligado? Então, é isso, antenas e raízes.

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