“Sabor Solaire”: Gabriella Lima na Fronteira entre Brasil e França

Em seu segundo álbum de estúdio, Sabor Solaire, Gabriella Lima explora a dualidade de sua identidade sendo uma brasileira que reside em Paris há dez anos. Focado na experimentação com letras bilíngues, o disco proporciona o encontro das duas culturas também nos ritmos, colaborações e até na produção.
Ao contrário de seu primeiro disco, Bálsamo, centrado em batalhas pessoais e temas mais espinhosos, Sabor Solaire tem uma temática leve e trata das alegrias do autoconhecimento. Outro fator decisivo para esta atmosfera solar foi o cenário da composição de suas músicas. Em 2023, Gabriella passou três meses nas Maldivas com o objetivo principal de se realizar um retiro artístico e compor canções para um novo projeto, que no futuro, se tornaria a obra.
A cantora contou ao Música Pavê um pouco do processo desafiador de unir Brasil e França e como essa jornada a fez refletir sobre seu lugar na “fronteira” entre as duas culturas.
Música Pavê: Seu lançamento mais recente é Sabor Solaire, um disco bilíngue que faz uma conexão entre o Brasil e a França. Como foi quando você decidiu iniciar sua carreira como cantora na França? Foi algo planejado?
Gabriella Lima: Foi quase isso. Na verdade, eu comecei no Brasil um pouquinho antes. Eu canto desde muito menina, mas, quando eu decidi cantar de maneira profissional, eu fiquei um ano em São Paulo, iniciei como todo artista através de bares com o meu violão e comecei a adquirir repertório. Fiquei um ano fazendo isso e, em 2014, eu decidi vir para Paris, mas não para morar, era só para passar três meses. Já tinha morado um ano e meio em Paris, mas ainda não trabalhava com música me profissionalizando na minha antiga carreira. Então, já tinha esse conhecimento, essa paixão, pela cultura francesa. Isso já estava em mim. Eu falei “vou para Paris me inspirar”, como todo artista, pintor, artista plástico, artista musical… Eu ainda estava perdida, não sabia para onde eu ia caminhar na música. Não foi o passo decisivo para mudar para morar em Paris. Acontece que, logo que eu cheguei, as portas foram se abrindo. Foi muito fácil ficar, não foi difícil ter oportunidades, convites para cantar em lugares, eventos fechados ou participações com outros artistas. Foi acontecendo de maneira muito fluida. Fui vendo e falei “Vou ficar. Estou ganhando dinheiro com música aqui, mais do que em São Paulo. Vou ficar até o final do ano”. Agora, já estou aqui há quase 11 anos.
MP: Você disse que foi para Paris para se inspirar e que de fato ela te inspirou. De que forma a Paris te inspirou?
Gabriella: Diariamente… me inspira sempre, até hoje. Eu falo que a carreira de música é uma carreira muito difícil, de altos e baixos e incertezas. Tem que ser muito apaixonado por música para se manter, a sua paixão pela música tem que ser mais forte do que tudo para você se manter nessa indústria. Já que é difícil, eu prefiro passar as dificuldades em Paris [a passar] em São Paulo. SP é a minha terra, que eu amo de paixão, que eu morei 26 anos, mas Paris é mágica e tem essa magia que não perde até hoje. Moro muito próximo ao Sena, ao Louvre, eu vou caminhar ali e todo dia tenho o olho de turista, apaixonado pela cidade, e só esse bem-estar que a cidade me provoca já é o suficiente para me inspirar. Isso é a coisa mais natural e também, claro, tem as inúmeras exposições semanalmente, os shows… O acesso à cultura é muito fácil, e essas são coisas mais específicas que me inspiram.
Música Pavê: Todo disco conta uma história diferente. Qual a história que você queria contar com Sabor Solaire?
Gabriella: Eu falo que é a minha história entre a França e o Brasil. Essa história, essa alegoria, que se movimenta entre esses dois países. Duas culturas localizadas em continentes tão distantes. Há dez anos, vivo entre cá e lá, tem até uma música no disco que se chama Entre Ça et là, que parece muito muito cá e lá… porque, durante um tempo, eu tive dificuldade em aceitar essa minha posição entre os dois países. Quando você sai do seu país, você nunca mais volta o mesmo. Mesmo uma viagem já te muda bastante. Você passa três meses fora e, quando você volta, já se sente ali meio diferente. Então, a partir do momento que eu venho para Paris, fico uma temporada aqui e volto para o Brasil por três meses, para efetivar o visto, eu já não sentia mais o meu lugar ali. Algo tinha mudado. Mas, há dez anos, eu vivo em Paris e sempre tem algo que me lembra que eu sou brasileiríssima, que aqui não é o meu país. Minha maneira de ser, de me portar e as coisas que eu gosto são naturalmente brasileiras. Morando fora, sou mais brasileira do que nunca, porque sempre tem algo me lembrando quem eu sou. Então, sempre senti essa dificuldade de me aceitar e me encontrar. Onde que eu fico? Hoje, eu estou em paz com isso. Entendi que eu tenho esses dois lados e, na música, falo de uma maneira mais poética “entre cá e lá, o meu refúgio é na fronteira”. Entendi que tenho esse dois lados, essa dupla cultura, e que isso é muito enriquecedor até para compor as minhas músicas e para escrever. O fato de falar as duas línguas hoje e ter contato com essas duas culturas me ajuda em ambas as partes, sabe? Eu trago o repertório do meu vocabulário brasileiro para as músicas em francês e vice-versa. É muito legal poder trazer o Brasil para a França e levar um pouquinho da França para o Brasil.
MP: Já que conversamos sobre o momento mais marcante, qual foi o momento mais desafiador na produção de Sabor Solaire?
Gabriella: Um dos desafios… só teve desafio (risos). Eu só falei de coisa boa [até agora], mas foi um disco difícil para caramba de produzir. Acho que um dos grandes desafios para mim foi justamente apostar nesses dois mercados ao mesmo tempo, na produção é até tranquilo, mas querer falar com dois públicos. O público francês e o brasileiro têm mercados extremamente diferentes com necessidades diferentes e cada um necessita de um tipo de comunicação. Então, envolve um duplo trabalho que é analisar os dois mercados, criar duas estratégias, investimento duplo, comunicação dupla… é tudo em dois. Quando eu for fazer meus shows em São Paulo, em Salvador e no Rio de Janeiro em junho, a logística é muito grande, uma disciplina absurda para conseguir conciliar isso com tudo que está acontecendo na França. Apostar nesses dois mercados ao mesmo tempo… Eu sonhei alto, sabe? (risos) Está indo tudo muito bem, mas o maior desafio, com certeza, é falar com dois públicos diferentes. O único ponto favorável é que são dois públicos que amam a música brasileira. A música por si só fala e isso é muito bom. São públicos diferentes, mas ambos apaixonados pela música brasileira. [Franceses] são muito interessados em tudo que acontece no Brasil, o país está na moda demais aqui, então isso facilita para mim
MP: Qual foi a parte da produção do álbum que você mais gostou?
Gabriella: O que me marcou muito, de fato, foi que eu me propus a fazer, em 2023, um retiro artístico nas Maldivas. Eu fiquei por três meses sozinha com o meu violão e com o meu computador, com tudo para gravar. Tinha umas prestações musicais para cumprir na parte da noite, mas tinha 90 dias inteiro livres para mim e decidi ir com esse objetivo de gravar. Não sabia se ia ser um disco ainda, mas ia compor músicas novas para um novo projeto. Isso foi incrível, voltei muito orgulhosa de ter conseguido. Criei todo um ambiente para me ajudar com esse processo, consegui me organizar e vivi momentos mágicos lá nessa ilha. Por isso, acho que esse disco tem o tema que ele tem. Ele é tão solar e tão alegre. Ele tem esse gostinho de sal, de sol, de areia, de mar, porque eu fiquei 90 dias em um lugar paradisíaco, com água turquesa, vivenciando isso diariamente.
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