Entrevista: City and Colour

foto por vanessa heins

Se o início desta década foi histórico, do ponto de vista global, ele ainda deixa muitas histórias para serem contadas em uma perspectiva mais pessoal. No caso de Dallas Green – nome por trás do projeto City and Colour -, sua trajetória foi marcada pelo luto após perder em um curso espaço de tempo duas pessoas muito próximas (um primo com quem teve sua primeira banda e o produtor Karl Bareham). Em paralelo, ele e a esposa se separaram após onze anos juntos. Foi desse período que vieram as músicas do álbum The Love Still Held Me Near (2023).

É com esse repertório que o músico retorna ao Brasil após dez anos e um cancelamento também devido à pandemia para shows no Rio de Janeiro (14 de junho, Vivo Rio) e São Paulo (16, Tokyo Marine Hall). Dias antes das apresentações, Dallas Green, também integrante da banda Alexisonfire, conversou com o Música Pavê por Zoom para contar mais do que tem vivido por meio da música e como o público se conecta ao seu trabalho.

Música Pavê: The Love Still Held Me Near é um disco de enorme potência emocional. Com quase vinte anos fazendo música como City and Colour, a vulnerabilidade na composição é algo que vem com mais facilidade ou maior resistência ao longo dos anos?

Dallas Green, City and Colour: Acho mais fácil. Nunca foi algo difícil para mim, aprendi que para mim é natural compor dessa forma. Acho que me confundia no início com o quanto as pessoas ficavam chocadas com a minha vulnerabilidade nas músicas. Eu não entendia que nem todos têm as ferramentas para serem vulneráveis. Com o tempo, ficou claro para mim que é assim que eu escrevo – ao menos em City and Colour, porque em Alexisonfire nós todos somos vulneráveis, mas, como a composição é coletiva, pensamos também em temas mais abrangentes para o que queremos dizer. É um processo diferente. C&C virou quase que um diário meu para escrever as coisas que eu vivo. Então, sim, acho que ficou cada vez mais fácil. Sempre comento isso com amigos compositores mais novos, que é quando você entende que você tem a habilidade de lidar com suas preocupações e problemas por meio da composição… é um momento muito importante. Porque você entende que as pessoas se conectam com sua música porque você fala o que elas não têm as palavras para dizer o que sentem. Não é questão de eu ser mais inteligente que os outros, mas é que tem gente que não sabe se expressar, mesmo quando quer. E você acaba entendendo que essa é a parte mais bonita no fazer música, que é compor algo para si mesmo, e essa música cria asas e voa na direção de outra pessoa. É importante ser grato por isso, entender que isso é um dom.

MP: Como tem sido a resposta a esse disco? Como as pessoas têm se conectado às novas músicas?

Dallas: Esse álbum… ele traz um grupo de músicas que foram muito difíceis de escrever. Eu tinha as ferramentas porque eu já componho assim há muito tempo, mas foi o buraco mais profudo e escuro de onde eu já tive que me tirar. E o disco foi feito sobre esse processo, sobre cura e se encontrar. Estar em turnê há um ano, desde que ele saiu, apresentando essas músicas e conversando com os fãs, tem sido maravilhoso. Nós abrimos o show com a música Meant to Be, e você vê em 30 segundos várias pessoas chorando. Porque essa música… não é só comigo, muita gente já se sentiu assim, especialmente durante a pandemia, sentindo um peso enorme. Sei que algumas dessas lágrimas são de tristeza, mas há também o senso de nós todos estarmos juntos em um mesmo local comemorando que estamos vivos. Tenho vivido muitas coisas assim, tem sido muito recompensador.

MP: Há um lado quase irônico aí também, que é sabermos que essas músicas nasceram de tragédias – no plural -, mas que agora vamos ao show para nos divertirmos.

Dallas: Sim! As pessoas que conhecem minha música e acreditam nela entendem que o que eu faço não é triste, é sobre esperança de conseguir atravessar aqueles momentos difíceis. É isso que eu gosto de escrever. Acho que as músicas nascem de momentos obscuros, mas o fato das músicas existirem já é a transição da escuridão para a luz. E acho que as pessoas que comentam “ah, esse cara só faz música triste” não escutaram o que eu canto. As pessoas que vão aos shows não estão lá para ficar tristes, mas para experimentar isso que eu escrevo e talvez se transportar a um outro momento ou lugar. Outro dia, conheci uma moça que escuta minhas músicas há muito tempo e disse que, ao escutar uma música do primeiro disco no show, se lembra de uma época quando era jovem e estava descobrindo música, e isso lhe dá um quentinho no coração. Depois, eu toco algo de outro álbum e ela se lembrava de um tempo mais difícil quando a música lhe fez companhia e, ao escutar as músicas de The Love Still Held Me Near, ela pensava no quanto aquilo tinha sido difícil para mim, mas também observava as outras pessoas na plateia se identificando com as letras… E eu mal posso acreditar que tem tanta gente comigo nessa jornada em que eu estou já há vinte anos. Então, eu repito, os shows são para comemorarmos que estamos todos aqui, vivos.

MP: A esse ponto na carreira, ainda te surpreende pensar que tem gente que não entende suas músicas?

Dallas: Na verdade, não. Música é assim mesmo, nem tudo é para todos e eu entendo bem isso. Vivemos em um mundo de 8 bilhões de pessoas, não tem como você pensar que todos vão concordar. Mas ainda me surpreendo com o quanto as pessoas se conectam com minhas músicas. Ontem há noite, um homem veio me falar de uma determinada composição minha que é muito importante para ele, porque escutava muito quando seu filho nasceu, e era o que tocava quando ele ia colocar o bebê para dormir. E aqueles versos o faziam pensar em como ele queria ver o filho bem, mesmo a vida sendo tão difícil. Foi algo muito bonito de ouvir. É sempre espantoso notar o quanto as minhas experiências de vida se conectam com os outros em um nível tão profundo por meio da música. Não importa quantas vezes eu ouça esses comentários, é sempre chocante – mesmo se era exatamente isso o que eu queria ao compor, ou quando era mais novo e pensava na minha carreira.

MP: Tem uma palavra que explique essa sensação? É “privilégio”? Ou “honra”?

Dallas: Acho que “honra” sim. Me sinto privilegiado por poder fazer aquilo que eu mais amo fazer, mas sinto-me honrado de poder viver a vida que eu sempre quis e, de alguma forma, isso ser significativo para os outros. Valorizo muito isso.

MP: Sobre voltar ao Brasil neste fim de semana, é a primeira vez em muito tempo que você tem a oportunidade de trazer City and Colour ao país. Como é, para você, poder tocar aqui novamente?

Dallas: Ah, estou muito animado. Estive aí com Alexisonfire em 2022, na primeira turnê que fizemos após a pandemia, e é um dos meus locais favoritos para fazer shows porque é um dos melhores lugares do mundo para se estar. Eu amo poder viajar o mundo como um visitante, mas a paixão e a conexão emocional que eu tenho com as pessoas no Brasil não têm igual. Acho que todo brasileiro entende isso (risos) e todo mundo de fora do Brasil que tem uma banda, também. Acho que sinto uma combinação de gratidão por poder fazer isso e empolgação por poder voltar. Tem uns caras na minha banda que estão comigo há relativamente pouco tempo e ainda não puderam ir ao Brasil. E eu e os outros que já foram ao país temos agora a oportunidade de visitar o Brasil pela primeira vez pelos olhos deles. Vai ser lindo.

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