Junior, sobre a fase “SOLO”: “Me sinto começando do zero”
Você conhece Junior, mas talvez não do jeito que ele se apresenta em SOLO – Volume 1 – até porque ele mesmo está no processo de se conhecer neste novo momento. O próprio álbum surgiu de questionamentos, vivências e experiências do músico mais de uma década depois do fim da dupla com sua irmã, Sandy.
No meio tempo, Junior manteve-se ativo na música com projetos que o distanciaram do pop que trabalhou ao longo de toda a sua vida – seja o rock em Nove Mil Anjos ou a eletrônica em Manimal. Em SOLO, ele retorna ao universo que o tornou conhecido em todo o país, mas em uma versão recontextualizada para 2023 – The Weeknd e Harry Styles são nomes que vêm à mente quando escutamos faixas como o single De Volta Pra Casa – com letras de temas mais adultos, ou pós-jovens, vindos de vivências no casamento e na parentalidade.
Cercado de gente muito boa, como Felipe Vassão, Lucs Romero, Vivian Kuczinsky, Dani Black e Vitor Kley, ele produziu mais de 50 faixas que serviram de base para SOLO – Volume 1 e, como o título já sugere, um segundo disco que chegará ao mundo em breve.
Falando ao Música Pavê por Zoom, Junior explicou o processo de produção do álbum, assim como a estrada que o levou até essas composições e estética.
Música Pavê: Logo na segunda faixa do disco, você canta “posso escrever uma nova história”. Queria ouvir de você: Esse trabalho é um recomeço ou uma sequência?
Junior: Um recomeço, pra mim tá tudo novo. E tem essa sensação de frescor, o que é muito gostoso de sentir a essa altura do campeonato, da minha vida profissional. Eu encaro muito como um novo começo mesmo – não diria que do zero, porque tem muita coisa aí…
MP: Não tem como você ignorar o que já aconteceu, né?
Junior: Exato! Mas, em alguns sentidos, [me sinto começando] do zero e, em outros, até do menos um, sabe? (Risos) Porque é isso, é tudo diferente, ao mesmo tempo existe uma imagem muito fixada na cabeça de muita gente da experiência desse artista que tá surgindo agora. Então, eu acho que, assim, é um recomeço complexo, mas é um recomeço.
MP: Você escreveu 54 músicas para esse trabalho. Como foi montar o repertório desses discos?
Junior: Foi um processo longo. Eu comecei a compor as primeiras músicas em 2020, fiz umas vinte músicas incompletas – algumas só eram melodia sem letra. Eu passei o primeiro ano entendendo qual era a sonoridade desse trabalho, qual era o pop que eu ia fazer. Porque o pop pode ser muita coisa e eu também já tinha vivido muitas coisas, musicalmente falando. Minha grande interrogação era: “Que que é isso? Que que é esse som?”. Na primeira sentada ali no computador, abri uma sessão e não fazia a menor ideia de qual timbre colocar. Depois desse primeiro ano, senti a necessidade de trocar com outros compositores, e aí fui buscando alguns parceiros. Encontrei alguns e [fizemos um camp de composição], depois a vida foi apresentando e, quando eu vi, estava rodeado de gente talentosa. Foi um processo muito rico e longo.
MP: Ao ver a escolha de nomes como Vivian Kuczinsky e Lucs Romero em co-produção e composição do álbum, ou mesmo Lio e Lay (ambas da banda Tuyo) nos backing vocals, desconfio de uma intenção sua de se ligar ao “hoje”, a um pop “de agora”. Foi isso?
Junior: Foi natural, cara, nem tanto assim. Quando eu saí atrás de parceiros, eu fui ver quem estava fazendo esse som de agora, mas não foi intencional. De início, fui atrás de músicos que eu admirava e eles foram me apresentando novas pessoas. O som tem uma pegada atual e me conectou a uma galera também atual, sabe? Eu tenho uma necessidade de me manter por dentro, gosto muito de descobrir sons e artistas novos, tô sempre atrás de coisas interessantes e querendo me atualizar – apesar de ser uma pessoa que ouve também muita música antiga.
MP: Quando escuto Solo, eu penso que é muito interessante ver você não em uma “zona de conforto”, no mal sentido, mas em um território no qual você está à vontade para fazer o que mais tem experiência. Vejo que, desde que você terminou o trabalho com a dupla em 2007, você tateou vários estilos que você faz bem, mas esse tipo de pop é mesmo o som que você mais tem familiaridade, e agora pode fazer uma “versão 2.0” dele.
Junior: É, sim… eu acho que, ali em 2019, durante a turnê com a Sandy… isso foi muito revelador pra mim: Aqui é o meu território, é onde eu tô mais à vontade. Foi dali que começou a surgir essa semente na minha cabeça de… “cara, espera aí, eu tô distante de mim, estou fazendo coisas que são legais e me agradam, mas não me dão o prazer que estou sentindo de estar nesse lugar”. E por “lugar” eu quero dizer não necessariamente num palco daquele tamanho, mas esse ambiente musical onde eu estava ali com microfone na mão, sendo vocalista, vendo a galera cantar as minhas composições, me ver envolvido por toda a parte técnica de um show, falando de amplificador e guitarra, escolhendo qual vai ser o timbre pra tal coisa, como vou montar a pedaleira pra esse show específico, escolher os músicos que vão estar do meu lado em cima do palco… Eu fui sentindo muito prazer nesse processo todo, desde o primeiro ensaio, e me sentindo muito em casa. “Ah, aqui é o meu lugar”. Ao longo da turnê, esse pensamento me vinha muito: “Esse sou eu”. Quando ela acabou, sobrou isso em mim. E agora, que que eu faço com essa informação presente no meu corpo? (Risos) E aí, veio a coragem de encarar esse momento, essa carreira solo, que eu não tinha tido até então, e veio junto uma pandemia! Surpresa! (Risos) Essa foi a minha puxada de tapete, uma grande frustração não poder exercer isso que, finalmente, depois de tantos anos, eu tinha sentido a vontade de fazer isso e não podia. Aí, comecei a compor e aproveitei tudo isso que estava em mim para soltar a caneta.
MP: É muito interessante dar o play no disco e se dar conta da familiaridade que temos com sua voz, mesmo sem antes termos escutado você nessa estética.
Junior: Fico feliz com isso, porque acho que isso pode ser um elo para quem quer buscar alguma coisa de passado. Mas, assim, eu nunca tinha ouvido a minha voz nesse contexto, sabe? Eu redescobri o cantor nos últimos anos, a partir ali da turnê, e depois na hora de botar a voz no estúdio, entendendo como isso tinha amadurecido dentro de mim, mesmo tendo me distanciado tanto do canto. No Manimal eu já estava voltando a cantar uma coisa ou outra, mas era muito superficial, era “só tô botando uma voz aqui”, eu não era o vocalista da parada. Então, pra mim é uma surpresa. Eu ainda tô descobrindo, e ainda tô nesse processo. Eu acho que isso vai acontecer ao longo da turnê mais pra frente, quando for acontecer, porque são contextos novos pra mim. Isso tudo me dá um tesão grande, porque é a possibilidade de sentir novidade, frescor, depois de trinta e poucos anos fazendo a mesma coisa.
MP: E você acha que as pessoas estão à vontade para a suficiência da sua voz em um trabalho solo?
Junior: (Pausa, arregala os olhos) Ca-ra-lho… Eu espero que sim, não sei. Vou descobrir agora, ninguém escutou ainda (risos), me pegunta na próxima vez que nos encontrarmos. Nesse longo processo do disco, eu já ouvi incessantemente, já tive tempo de me distanciar e depois voltar a escutar, já convivi bastante com esse repertório. E eu sou muito crítico, eu sou muito chato com o meu trabalho e exigente comigo mesmo. E tô me sentindo satisfeito. Sinto que eu ainda tenho espaço para evoluir, porque acho que ainda vou ganhar mais intimidade com esse lugar novo que eu tô ocupando, mas acho que a experiência de todo esse tempo de estrada me ajudou muito também, e tem uma maturidade emocional que se traduz na voz, não tem jeito.
MP: E tem também o refinamento da habilidade, né? Você já sabe cantar há algum tempo.
Junior: Exato, tenho uma certa experiência com isso (risos). Tem uma parada da linguagem, da estética pop, que é uma coisa de você ter um trabalho mais aprofundado na hora de criar os vocais. A linguagem do pop dá espaço pra você abrir voz pra caramba, botar ad lib, dá pra criar muita coisa, não ocupa o lugar do vocalista com só um canal de voz. Me possibilita exercer o que eu mais treinei na vida em relação ao canto, que é abrir voz. Quando chega nessa hora, é tipo “demorou, agora deixa pra mim”, sabe? (Risos) Aí sim é a minha zona de conforto. E é muito intuitivo, sabe? Não é “vou fazer uma quinta, depois abrir uma terça menor…”, não é “tal voz, vou abrir aqui, fecha o olhinho e pá” (risos).
MP: Por que você acha que esse disco não seria feito, por exemplo, em 2008, logo após o fim da dupla?
Junior: Nossa… porque eu não tinha o estofo necessário para isso, eu precisava da vivência de toda a experiência que eu tive de lá para cá – tanto de vida pessoal, quanto musical, de experiência como artista mesmo, compondo. Eu tive processos de aprofundamento muito interessantes. Na Nove Mil Anjos, foi muito rico para mim me ver naquele universo compondo com pessoas vindas de lugares tão diferentes do meu, trajetórias distintas, mas, ao mesmo tempo, com muito apreço por tocar. A gente logo se conectou com muita verdade ali, foi muito intenso, a gente compôs perto de 40 músicas. Depois, nos projetos de música eletrônica, uma vivência de estúdio, de programação, de synths e, inclusive, foi quando saí do Pro Tools e fui pro Ableton Live. E vivência mesmo, as letras falam todas das dores que só aconteceram de 2008 pra cá, só foram possíveis acontecer porque eu tinha encerrado meu trabalho com a minha irmã e a gente permitiu a vida entrar. Porque a gente trabalhava muito, era um volume muito insano, não existia espaço para eu viver coisas que eu pude ter depois do encerramento da dupla, e essas coisas foram fundamentais para eu ter a bagagem pra escrever esse repertório.
MP: Tem um lance muito rico que eu observo que é uma música como Tentando Acertar trazer um conteúdo tão honestão, de um jeito que eu não costumo ver no pop mainstream. Esse tipo de conteúdo “como é difícil estar em um relacionamento” eu encontro mais no meio alternativo – é fácil imaginar Tuyo falando isso, por exemplo -, e fico feliz de pensar que essa mensagem, em uma estética mais “colorida”, será comunicada a mais gente.
Junior: Que massa, fico muito feliz ao escutar isso. Acho que isso vem muito de uma liberdade que eu sinto hoje em dia, tendo a história que eu tenho, tendo alcançado tudo o que eu já alcancei como artista, e inclusive de estrutura de vida, de estar em um momento em que eu posso me permitir – porque, sendo do país de onde somos, e sabendo da realidade da grande maioria das pessoas, eu sei o tamanho da importância e, talvez, até de uma certa responsabilidade -, me arriscar a falar de coisas mais profundas e não tentar fazer o que eu acho que é o que mais vai vender, ou ser comercial, sabe? Então, eu tenho liberdade para tratar de assuntos que eu não sei se serão os de mais fácil absorção, que a galera vai consumir de cara… e tudo bem. Me sinto na liberdade de não ter que cumprir os padrões estéticos do pop, os padrões de mercado, do tempo de música… Foi até engraçado porque, durante o processo de produção, pessoas que estavam trabalhando comigo perguntavam “mas essa música tem mais de três minutos?”, e eu “… sim…” (risos), em nenhum momento eu ia olhar o tempo da música, porque não importa, vamos só fazer o som. Essa liberdade me proporciona isso. Esse é um dos grandes trunfos desse trabalho. Eu me permito correr riscos em prol da música pra fazer o som que eu acho que tenho que fazer.
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