ÀTTØØXXÁ: “A gente é música para qualquer sentimento”

Uma das coisas mais legais que tem ganhado o ouvido do Brasil é o pagodão baiano. Quer dizer, ele já bomba na Bahia tem um tempo, e é só um dos vários gêneros que estão sendo descobertos pelo Sudeste só pra mais recentemente. Um dos bastiões desse movimento é o grupo ÀTTØØXXÁ. Os caras estão bombando, marcando presença em vários festivais pelo Brasil, e, em seu novo álbum, Groove, aumentam o repertório não só musical, como também de parcerias de peso.

O Música Pavê conversou um pouco com eles, tentando entender melhor tanto momentos passados quanto o momento atual, e sobre algumas armadilhas que o atual contexto social e musical pode colocar os artistas.

Uma das propostas mais características da música de ÀTTØØXXÁ é o flerte, o movimento sensual do corpo. Existe um perigo (já bastante comentado) de uma associação disso com a hiperssexualização de corpos negros, e isso acaba sendo uma armadilha até mesmo para os ouvintes. A banda consegue fugir disso, ainda que falando bem especificamente sobre sensualidade e sexualidade, de forma bem consciente, trazendo uma fala que remete à própria ideia da manifestação musical negra: “Música negra é uma música que trabalha com o corpo. Te permite sentir o momento sem pensar”. E isso tem tudo a ver com os aspectos filosóficos da música negra: existe uma orientação espiritual (que não necessariamente é religiosa) da energia que leva às expressões corporais do corpo negro: um tipo de experiência de transe, de aproveitamento do momento, da forma que for. Resenha, Melzim (com participação de Luísa Nascim) e principalmente Suando e Gemendo (com Negra Japa) se encaixam com perfeição nessa linha: falam muito menos sobre objetificação e muito, mas muito mais sobre desejo.

Mas não é só sobre pegação que eles cantam: “A gente luta cada vez mais contra os estereótipos que colocam a gente em caixinhas. Talvez esse disco seja a coisa mais bem pensada e elaborada, e talvez a mais madura que a gente já fez. É um grito pra falar ‘vem, se liga, a gente faz música pra quando você tá triste, pra quando você tá feliz, pra quando você quer ir pra baladinha’… A gente é música pra qualquer sentimento”. E, de fato, quando se scuta Da Favela Pro Asfalto (que conta com Carlinhos Brown) ou Menina (com o pagodeiro Thiaguinho), você está com a cabeça em um lugar, mas está em outra bem diferente em A Noite do Golpe – é realmente a música oficial do esquenta.

Como você já pôde perceber, tem uns nomes pesados na lista de convidados especiais. Thiaguinho, Carlinhos Brown e até a vencedora de Grammy Liniker (na faixa Dejavú). Quando perguntados sobre essas parcerias, as palavras “respeito” e “admiração” para com o trabalho da própria banda deram o tom pela primeira vez: “Um respeito e uma admiração que a gente conquistou durante esse tempo todo. É um respeito pela gente e pela nossa música. Rola esse acolhimento a nós enquanto pessoas negras. É muito mais real quando a coisa é feita com respeito e admiração mútua. Então é um disco muito real”.

E esse respeito e essa admiração também valem dentro da própria banda. É que ÀTTØØXXÁ é uma banda que procura ficar atenta com as armadilhas de um protagonismo individual proporcionadas pela indústria musical e pelo atual contexto algorítmico. Quando questionados sobre como é isso no cotidiano da banda, a resposta dos músicos foi bem sincera: “Para a gente é uma luta, é complicado. Se você pega o momento de hoje, banda banda é até difícil de acontecer. Artistas solo, é mais rentável, é uma pessoa só pensando. Mas aí a gente que tem essa melanina incorporada, a gente tem esse sentimento a mais de proteção, de família. Daí as coisas vão surgindo muito naturalmente. Eu cantei uma música no estúdio e a galera fala ‘massa!’. Chibatinha toca um riff e a gente pensa ‘não, nessa hora é ele que vai ter que brilhar’. A gente se admira muito.”.

Essa noção de coletividade interna e externa é um dos elementos mais importantes da fórmula de sucesso de ÀTTØØXXÁ. O movimento não deve se limitar ao corpo. Ele deve ser também um exercício intelectual que desloca o conceber da música tanto quanto artista quanto como ouvinte. E pra isso é necessário também sentir. Sentir coletivamente. O Groove é isso. ÀTTØØXXÁ é isso. É mover para subverter.

Curta mais de ÀTTØØXXÁ e outras entrevistas no Música Pavê

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