DINGO transborda existencialismo em “A Vida é uma Granada”
Não é de hoje que DINGO, antes conhecida como Dingo Bells, mostra seu primor com a discografia. Novo álbum da banda, lançado em 8 de novembro pelo Selo Rockambole, A Vida é uma Granada evidencia esse cuidado e anseio em apresentar canções que conseguem despertar diversas sensações nos ouvintes a partir das melodias majestosas e líricas poéticas.
Formado por Rodrigo Fischmann (voz e bateria), Felipe Kautz (voz e baixo), Fabricio Gambogi (voz e guitarra) e Diogo Brochmann (voz e guitarra), o grupo tem o costume de brincar com diferentes estilos e sonoridades para as suas obras artísticas serem originais e particulares. E, para repetir essa fórmula no novo disco, contaram com produção de Hélio Flanders (Vanguart) e Gilberto Ribeiro Jr.
Ao Música Pavê, Rodrigo Fischmann explica como a participação dos dois produtores, que compartilham ideais semelhantes aos da banda e entendem a dinâmica do grupo, foi essencial para as músicas de A Vida é uma Granada ganharem suas características únicas, com poder de identificação e elementos surpreendentes.
“Gilberto é um cara genial na questão sonora. Ele foi buscar texturas, sons e instrumentos, sempre olhando o arranjo com muita calma, entendendo que aquele grupo ali já tem uma estrada, uma carreira e suas dinâmicas. Ele colocava [os elementos] com cuidado, sugerindo uma linha no teclado ou às vezes só saía tocando e a gente nem notava, só via depois”, fala o artista.
Já Hélio Flanders, vocalista do grupo Vanguart, acompanhou o processo de criação do disco desde a composição do repertório, e propunha algumas mudanças nas melodias e líricas. Nas palavras de Fischmann, “ele mexia nas canções como o cancioneiro genial que ele é e na letra como o poeta incrível que ele é”.
Para o músico, a “junção dessas duas figuras” foi importantíssima para o resultado do terceiro disco de estúdio, visto que os produtores foram peças-chave para complementar e somar no processo de criação e produção. Mas, para além da presença de Flanders e Ribeiro Jr., DINGO tem em seu DNA a vontade de fazer canções vigorosas, que buscam impactar e se conectar com as pessoas.
“Temos essa natureza de criar e de se preocupar com músicas que tenham melodias belas que inspiram, emocionam e arrepiam. Não queremos que a pessoa passe pelas canções e saia igual”, declara Fischmann ao que Felipe Kautz complementa: “Não são músicas para passar batido”.
Apesar da dinâmica de criação do disco contar com os integrantes e os dois produtores, Fischmann e Kautz acreditam que A Vida é uma Granada é o álbum que marcou uma fase de “individualização das composições”. Antes, os integrantes se uniam para pensar juntos e, dessa vez, trouxeram as canções praticamente prontas ao grupo.
“Sentíamos a necessidade de fazer um material novo, de ter mais coisas para dizer, conseguir estabelecer o nosso estilo de música, a nossa assinatura de banda, que é uma coisa que se desenvolve com o tempo e com os trabalhos que vão sendo lançados. E [o novo disco] era um passo que precisávamos dar e que penso ter resultado nesse processo de composições um pouco mais individuais”, fala Kautz.
Fischmann complementa que o disco ficou marcado por esse processo de composição “mais próprio de cada um”. No entanto, mesmo que as canções estivessem quase prontas, a banda trabalhou em conjunto para finalizar essas criações. E, segundo o músico, a partir da dinâmica de tocar essas faixas como banda, as músicas passam a ser de todos.
Criação em meio à pandemia
O disco sucessor de Todo Mundo Vai Mudar (2018) estava nos planos da banda, mas a pandemia instigou a necessidade do grupo de compor e criar um novo trabalho. Como diz Fischmann, fazer música foi como uma forma “instintiva de sobrevivência”.
“O que que a gente sabe fazer? Show. Não dá. E o que mais sabemos fazer? Gravar música. Então vamos, senão a gente desaparece. É aquele clichê que falavam da pandemia, que ela colocou uma lupa em muitas coisas. Conseguimos potencializar as coisas boas daquele grupo gravando um disco, e penso que nos agarramos na ideia de ser um privilégio estar fazendo isso no meio de um horror”, pondera o músico.
Ainda, Kautz acrescenta: “Preferia ter gravado esse disco sem pandemia e que essa desgraça nunca tivesse acontecido. Mas acho que nos colocou como uma condição de que precisaríamos nos juntar em um ambiente fechado e fazer aquilo da maneira mais aprofundada e focada possível […]. Fomos dando cara para o disco nesse processo e nessa janela de uns vinte e poucos dias em que trabalhamos todo o repertório e gravamos tudo – com exceção do naipe de sopros e cordas”.
O simbolismo em A Vida é uma Granada
Desde o início da carreira, a ‘análise’ da existência integra a lírica de DINGO, que aborda as diferentes realidades dos indivíduos, incluindo a vida e a morte. Há, ainda, o interesse de se comunicar aberta, visceral e profundamente com as pessoas por meio da discografia, criando um universo complexo que combina letra e sons – e esse é, certamente, um dos grandes destaques da banda.
“Temos essa coisa de conseguir transitar em diversos estilos, [porque] penso que mergulhamos muito no que o lirismo de cada música está trazendo. Com isso, a gente cria todo um universo que vai vestir o que está sendo dito, criando aquela emoção que queremos passar da melhor forma”, analisa Kautz.
Sobre o existencialismo presente em A Vida é uma Granada, Felipe Kautz acredita que foi resultado de uma mescla entre os questionamentos que vieram das incertezas do período de pandemia e da facilidade da banda em falar sobre a vida, que “já vem dos dois primeiros discos”.
Enquanto isso, Fischmann reflete: “Gostamos de pensar o mundo, o nosso tempo, onde estamos e quem somos, e penso que acabamos caindo no rótulo de existencialismo, mas é mais que isso. Penso que temos um olhar profundo sobre a realidade, o mundo e as pessoas, e acho que é muito mais que o existencialismo de fato. É entender quão complexas são as coisas sem necessariamente se propor a ser complexo, mas dando o devido respeito à complexidade que é o mundo que vivemos”.
A Vida é Uma Granada, faixa-título, responsável por abrir o disco, e título escolhido para o novo trabalho, é um exemplo desse “pensar o mundo” que Fischmann comenta. Composição do músico, a canção nasceu no prisma da pandemia e representa a ideia de que não existe um controle sobre a vida. “No início, não queríamos deixar esse título, porque não queríamos que o peso destrutivo da palavra granada tomasse conta do conceito do disco, e ele não é destrutivo, ele não tem agressividade. Aqui, a granada é como um fator de surpresa”, explica.
Felipe Kautz também pontua sobre o título: “É sobre essa imprevisibilidade, essa coisa de tudo poder mudar a qualquer hora. Existem questões infinitamente maiores do que a nossa vontade, nossa trajetória pessoal e nossos traumas, e a vida não está nem aí pra isso. Uma granada é assim também, uma vez que ao tirar o pino dela, ela explode onde ela estiver. […] E a granada se mostrou como uma figura de linguagem dentro do contexto todo que a gente viveu nos últimos anos”.
Novo nome, novo disco, nova era
Entre as novidades para 2023, a banda também anunciou que seu nome, agora, passa a ser apenas DINGO em vez do então conhecido “Dingo Bells”. Kautz explica que o grupo sentiu a necessidade de se reinventar – e nada como o lançamento do disco para marcar essa mudança de ‘identidade’.
“A primeira vez que tocamos em cima de um palco anunciado como Dingo Bells foi em 2003, isso faz dezenove anos, ainda estávamos na escola. Desde lá, muita coisa mudou, um integrante da banda saiu. Aí começamos a lançar coisas e compor mais, a gente lançou o primeiro disco, Fabrício entrou… As coisas foram indo, passamos por todo esse processo de pandemia e disco. E sentimos vontade de dar essa renovada para o próximo movimento, porque o nome já estava defasado com relação ao que a gente queria. É um nome que acaba permitindo associações que já não fazem sentido para nós. E DINGO é um nome que muita gente já se referia a nós. A ideia foi bem aceita e era um momento bom para fazer isso”, conta.
Rodrigo Fischmann acrescenta: “Estamos em um momento de vida muito diferente, talvez um dos mais diferentes que já vivemos. Cada um de nós tem coisas consolidadas na vida; temos projetos, famílias, lugares, e estamos escolhendo mais do que nunca trazer a banda para um lugar que faz bem para todos e com esse espírito de aproveitar ao máximo o que tem nesse projeto”.
Para marcar simbolicamente a nova fase e lançar A Vida é uma Granada ao vivo, DINGO se apresenta em São Paulo, no Cine Joia, em 25 de novembro, e em Porto Alegre, no Opinião, dia 26 de novembro.