“Oceano Rubi”: Vanguart Com Paixão e Sem Medo
Em Oceano Rubi, Vanguart está completando uma jornada iniciada em Intervenção Lunar, de 2021. Os dois discos foram produzidos ao mesmo tempo e o mais recente traz um conjunto de composições apaixonadas e que tratam de uma nova etapa da vida. Em conversa com o Música Pavê, o trio de músicos falou sobre o processo de produção do disco, lançado em setembro.
Acostumados a trabalhar em conjunto nas canções, os músicos precisaram se adaptar à realidade da pandemia. “A gente tem na nossa história muito essa vivência de banda, de experimentar coisas e de descobrir gostar de alguma coisa que não achou que gostava, só pela vivência do grupo”, afirma a violinista, cantora e compositora Fernanda Kostchak.
Para lidar com o momento, Vanguart considerou também que era importante que as composições fossem mais diretas, mais cruas. “Eu acho que a gente está perdendo o medo de falar sobre certas coisas. A gente está se soltando para falar de coisas que são importantes para nós e também falar de coisas que já foram faladas, porque isso era algo que a gente não admitia”, comenta Reginaldo Lincon, baixista, cantor e compositor.
“Do lado mais técnico, pragmático, o violino traz umas frases um pouco mais simples, no excelente sentido da palavra, porque tinha muito a ver com o que se tinha disponível para aquele momento. Uma certa urgência em falar abertamente, deixar os sentimentos aflorarem e uma urgência em ser entendido, que captem essa mensagem logo”, completa Fernanda.
A violinista conta que o isolamento acabou aproximando a banda de sua audiência. A compreensão de que o sentido da música é compartilhado com quem escuta também serviu de inspiração para o grupo. “É bonita essa transformação quando quem escreve música se desapega da escuta como se fosse ele mesmo. Você começa a entender como as pessoas escutam. Aquilo passa a não ser só seu, é de outra pessoa também”.
Sobre a paixão que permeia o disco, Reginaldo acredita que essa é a tradução da ânsia de fazer música que o trio carrega. “É uma vontade apaixonada de fazer o disco nascer. Fazer álbuns é o que nos move hoje”.
Oceano Rubi foi gravado no estúdio 12 Dólares em São Paulo entre 2020 e 2021, foi produzido pela banda e por Fabio Pinczowski e é um lançamento da gravadora Deck.
Na conversa com o Música Pavê, o vocalista Helio Flanders comentou cada uma das sete faixas do álbum.
O que Eu Vou Levar Quando Eu For
“Essa música foi inspirada em um personagem que aos 70 e poucos anos se apaixona. Quando ele já acreditava que não teria chances para amar, ele se apaixona, ao mesmo tempo que começa a ter os primeiros sintomas de Alzheimer. E eu tive uma experiência de Alzheimer na minha família. Eu me inspirei na tristeza que é essa doença e na dureza que é para quem convive. Para tentar com todo cuidado do mundo ter uma narrativa minimamente esperançosa e delicada sobre isso. É uma canção que fala sobre esse amor que aparece quando não acreditamos mais no amor”
Amorosidade
“É uma composição do Reginaldo que eu amo, é uma das minhas favoritas dessa leva de músicas dele. Reginaldo tem esse dom de você ouvir uma música dele e ficar bem. Eu gosto muito de cantar essa música, ela é muito para cima. E ela me emociona, especialmente porque depois da pandemia, ela traz uma força de recomeço muito bonita. ‘Tem uma árvore na rua que eu passo, toda torta do vento que a quer derrubar. Lembro da força que irrompe e nos amores que tenho para dar’. Isso para mim é de uma beleza, de olhar para a natureza e para as lições que ela tem para dar”
Oceano Rubi
“Eu componho assim: coloco para gravar, saio cantando e depois eu escuto o que eu fiz. Às vezes eu olho e tem umas mini surpresas. É uma das músicas que eu compus que eu mais gostei nos últimos tempos. Ela tem uma historinha, um plot twist, parece que é uma coisa, só que não é. Eu me emocionei ouvindo várias vezes, porque eu não tenho filhos, não sei se um dia terei. Mas é emocionante pensar nisso, aí mostra a força da poética, uma coisa que eu não vivi e que me emocionei em pensar em viver. Oceano Rubi é sobre a notícia da chegada de alguém. Esse disco é sobre paixão. Essa e outras canções. É uma paixão quase pueril que faz a gente ser ridículo sem se constranger com isso”
O Amor É Assim
“É uma narrativa sobre alguém que está com aquela vida pronta, aquela vida perfeita, sem surpresas, bem cômodo. E de repente ela conhece alguém que vira a vida dela de ponta cabeça e quando isso acontece, você se assusta, mas você sabe que tudo que você precisa é viver aquela paixão. E de repente você conhece o seu próprio corpo ou redescobre o seu próprio corpo, redescobre o que você gosta”
O que Deus Quiser
“É uma canção que tem uma história engraçada, eu estava numa sexta-feira, meia-noite no meio da pandemia. Cheguei em casa bêbado de Campari e recebi uma música do Reginaldo. Eu dei o play e me apaixonei de primeira. Essa versão que ele me mandou é só ele em casa com o violãozinho cantando bem baixinho. Aí eu falei: ‘Caralho está pronta!’. Eu até briguei para eu não cantar, porque eu acho que é tão bonito ele cantando sozinho, mas fui voto vencido e estou cantando com ele, com muita alegria, porque a música é linda. Meio bossa nova, tudo a ver com a gente, eu acho que faltava uma música assim na nossa discografia e veio da melhor forma possível”
A Minha Saudade Já Não Cabe em Mim
“Essa é mais uma dessa paixão que ocorreu quando eu escrevi essas canções. Foi outra que também eu dei um play e ela saiu inteira. Esse desespero de se sentir criança de novo, de sentar para almoçar e estar tão apaixonado e com medo e não conseguir comer. Uma paixão que faz você perder a fome, que você não dorme direito. Eu achava que essas coisas não aconteciam mais depois dos 30. E eu me vi assim apaixonado e essa música é símbolo dessa fase de ‘meu Deus, como é ruim, mas como é bom estar apaixonado’”
Fogo-Fátuo
“É uma canção especial para mim, ela fecha um ciclo que começa em Intervenção Lunar, mas fecha um ciclo também que vem desde o primeiro álbum da banda. O primeiro verso: ‘Quando tudo fizer sentido eu volto para Cuiabá’. Que sentido é esse? A morte, a paixão? É muito vago e eu não sei, só sei que se um dia tudo fizer sentido, talvez eu volte para Cuiabá. Eu imagino uma viagem dessa pessoa, ou desse espírito. Eu acho que fala muito desse consolo, de ter uma maturidade para entender que as coisas mudam. A gente não vai ser triste para sempre, a gente não vai sofrer para sempre, a gente não vai ser a gente mesmo para sempre. Então, amanhã a tristeza será alegria e a gente vai ser outro e a gente vai estar em outro lugar. Eu acho que faz parte do cancioneiro folk e sertanejo, que encerra bem esse ciclo”
Curta mais de Vanguart no Música Pavê