Coala 2022 Reacendeu Esperanças às Vésperas de Eleições

na foto: rodrigo amarante no festival coala 2022 (música pavê)

“Você me abre seus braços e a gente faz um país” – Marina Lima ecoou pelo Memorial da América Latina na noite do segundo dia do Festival Coala, durante discotecagem de Tata Ogan antes de Gal Costa subir ao palco. O set, iniciado por uma fala do presidente Lula, teve seu encerramento com a célebre Luís Inácio (300 Picaretas), após Elis Regina bradar “o passado é uma roupa que não nos serve mais” (de Velha Roupa Colorida, composta por Belchior), e sintetizou muito bem o clima que tomou conta do fim de semana entre 16 e 18 de setembro, nesta que se propôs a ser a maior edição de todo o evento.

Se a narrativa criada para essa nova dimensão do festival foi a pandemia – que fez com que as edições em 2020 e 2021 não pudessem acontecer -, uma outra proporção tomou o evento: Se, em meados de setembro, grande parte dos ali presentes já teve a oportunidade de ir a algum festival de música ao longo dos últimos meses, esta edição marcou a contagem regressiva de 15 dias para o primeiro turno de uma eleição que não apenas definirá o próximo nome do Executivo no Brasil dos próximos quatro anos, mas, em primeira instância, o próprio valor de democracia no país e, no desenrolar dos fatos, até mesmo a validação da própria existência de muitas populações brasileiras.

Nos três dias, o público do Coala foi saudado por uma multidão que distribuía panfletos e adesivos com números de candidatos, principalmente para deputados estaduais e federais. Outros materiais eram destinados a promover mais mulheres ou determinados grupos étnicos no poder, enquanto um ou outro se ocupava apenas de expressar repúdio ao atual presidente, eleito há sofridos quatro anos, e todo discurso antidemocrático que ele representa. O clima no portão era menos de disputa entre esses manifestantes de candidatos diferentes e mais de uma esperançosa união – o mesmo sentido lá dentro do festival.

A frase “falta pouco” foi repetida por diversos músicos como resposta aos “olê olá” da plateia, com o L feito com os dedos como uma das cenas mais frequentes ao longo do evento, seja durante os shows ou nas fotos diante dos cartazes. Alguns dos artistas, como Gal Costa, não aguardaram o público e eles mesmos deixaram seus recados. “Vamos votar direitinho, vamos votar com sabedoria e com inteligência”, disse ela, “vamos votar sem ódio e vamos votar com amor”. Mesmo com músicas como Divino, Maravilhoso em seu show, a maior parte do repertório dessa e das demais apresentações focou em outras mensagens menos explicitamente políticas, como um alívio pelo que vivemos dos portões para fora, mas também na construção de uma realidade possível para um próximo capítulo em nossa história, quando as músicas poderão ter apenas suas demais e quaisquer intenções.

Além de Gal, a curadoria trouxe Maria Bethânia e Djavan como atrações principais do festival. Gilberto Gil e Alceu Valença completam a lista de uma geração que nos coloca para dançar e cantar alto hoje e sempre. Ao seu lado no cartaz do Coala, estavam promessas já cumpridas da nova música brasileira, como Liniker, Marina Sena, Ana Frango Elétrico, Rachel Reis e Bala Desejo – banda que, como sabemos, nasceu por causa deste show no festival, que acabou rendendo um dos discos mais celebrados do ano (e demais apresentações ao vivo pelo Brasil e o mundo). Black Alien e Rodrigo Amarante ocuparam os vãos geracionais intermediários das atrações – o segundo com uma performance bonita, mas morna dentro do clima do fim de semana, ainda mais ao se levar em conta que Rodrigo Barba, seu parceiro em Los Hermanos, estava na bateria e nem uma música sequer da banda foi apresentada.

Se nas primeiras edições do festival os DJs estavam lá para preencher os espaços entre os shows, seus sets ganharam grande destaque em 2022. Nomes como KL-Jay (Racionais MC’s) conseguiram se destacar ao longo dos dias não só pela missão cumprida de não deixar a energia cair nos momentos sem música ao vivo, mas pela própria narrativa que esse fim de semana desenhou em quem estava ali presente – quando DJ Diaz tocou Vai dar PT (MC Rahell), por exemplo, todos ali foram relembrados do que estamos vivendo, ou prestes a viver, também fora do evento.

O Coala em 2022 pode não ter sido o primeiro festival de música após o isolamento de muitos de seus frequentadores, mas certamente entrou na memória – e na história – como uma manifestação de esperança, de um otimismo palpável que o “falta pouco” comunica. Nas fotos, nas lembranças e nos sorrisos de quem saía pelos portões rumo ao metrô, ecoava a fala de Tata Ogan à plateia quanto tocou 300 Picaretas: “Faz o L de Coala!”, e todos prontamente responderam.

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