Festival Breve: O “Viva o Agora” que É Possível
*este texto foi pensado a seis mãos por André Felipe de Medeiros, Lili Buarque e Guilherme Gurgel, respectivamente um repórter que já cobriu inúmeros festivais, uma produtora de eventos e um jornalista frequentador da cena de Belo Horizonte
Compreender o hoje é ainda mais desafiador quando a atualidade é tão desafiadora nos mais variados aspectos – de crises sócio-políticas a uma pandemia que persiste há mais de dois anos. Mas, se é nas adversidades que entendemos o valor de poder de festejar, o Festival Breve foi certeiro ao reproduzir seu slogan “viva o agora” ao longo de um sábado (09 de abril) que pulsava a vontade de viver melhor após um longo período sem eventos assim. Situado no Mineirão, em Belo Horizonte, o festival ofereceu diversas perspectivas sobre o momento presente em suas escolhas, a começar, é claro, por sua brilhante programação.
A curadoria não poderia ter sido mais acertada para resumir a música contemporânea brasileira. De um dos nomes mais fortes do pop de todo o país (Ludmilla) ao rapper belorizontino mais admirado nos últimos tempos (Djonga), passando por gente que está em destaque há uns bons anos (Céu), poucas décadas (Racionais MCs) ou muito tempo, praticamente “desde sempre” para quem nasceu nos últimos 50 anos (como Gal Costa ou Ney Matogrosso). Ao valorizar o passado (o “Grande Encontro” de Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo foi a grande atração do dia) e trazer músicos considerados apostas para o futuro (dos já muito populares Duda Beat e Silva a Josyara e ÀTTOOXXÁ, que despontam mais e mais com o tempo), nasce uma visão poética do presente estar situado entre o que ainda é e o que continuará sendo.
Da mesma forma, a seleção de atrações revela grande intencionalidade em trazer artistas e bandas que representem a diversidade presente também em seu público, nos mais diversos recortes, incluindo aqueles que mais sofrem violência estruturalmente no Brasil, como pessoas pretas, LGBTQIA+ e mulheres. Todas as performances espalhadas pelo Mineirão apresentaram a qualidade não apenas esperadas de artistas e bandas tão queridos, mas também que fosse digna do nível de empolgação das plateias, que devolviam ao palco a energia festiva que todo o evento propôs. E ao olharmos para a pista, para os frequentadores do evento, temos igualmente a chance de compreender melhor o país de hoje, inclusive alguns de seus problemas.
Com preços de ingressos bastante acessíveis no início das vendas (40 reais), o Festival Breve conseguiu mobilizar uma grande multidão para ver os seus shows. Era nítida a vontade de celebração da oportunidade de estarmos juntos novamente em um grande evento, com nossos músicos favoritos, e, ao contrário de muitos festivais deste porte, era impossível notar um público que tivesse ido para ver apenas uma ou outra atração – as pessoas queriam estar lá, acima de tudo. Vem daí também a compreensível frustração, amplamente expressa nas redes sociais, quando a entrada no estádio foi de grande dificuldade para muitos frequentadores, que relataram falta de organização nas filas (com esperas de duas horas para entrar no evento).
O mesmo não aconteceu com o público pagante da área de open bar do festival. O ingresso mais caro deu direito não apenas a bebidas durante todo o dia, mas também a uma maior agilidade na entrada, além de menores filas para alimentação e DJs entre os shows. São privilégios que, se talvez colaborem com a viabilização do evento, com o preço mais caro, vão também de encontro com a proposta acessível do festival, e a sensação de desigualdade é também compreensível.
Uma parte da experiência compartilhada por todos, independente do valor do ingresso, foi a dificuldade de se encontrar dentro do festival. Os poucos mapas espalhados pela área (à noite, sem iluminação) eram apenas a impressão do desenho do espaço, sem indicar a localização do leitor (o famoso “você está aqui”). Não havia sinalização que indicasse para que lado ficava os palcos e demais serviços, e nenhum dos redatores deste texto conseguiu encontrar o Palco Radar. Vale acrescentar o detalhe de que o site oficial do Breve não possui nem o mapa, nem os horários dos shows. Enquanto as apresentações receberam todo cuidado possível (incluindo a excelente qualidade de som e vídeo nos palcos), a experiência do frequentador pecou pela falta de itens tão básicos.
A cenografia era interessante e “instagramável” (o que parece ser prioridade hoje em dia), e o próprio Mineirão já oferece muito para os olhos – ainda mais à noite, com luzes coloridas -, o que reforça o quanto o festival dá passos largos na direção certa, ainda que breque em questões essenciais. Mas isso também é reflexo de um retorno a uma vida normal de que tanto tínhamos saudades e que fez o evento ganhar as proporções que teve. Uma delas é a de se tornar um marco não só para Belo Horizonte ou Minas Gerais, mas para o Brasil, como um todo – e a quantidade de pessoas que se deslocaram para ir à capital mineira ver o evento é prova disso.
Com o line up dos sonhos, o Festival Breve merece ser reconhecido como grande destaque do circuito de eventos no país. Em seu olhar tão sensível para o agora, é de se esperar que o evento siga atento às questões de organização para nos dar uma próxima edição que, assim como o mundo, o país e nossas vidas, pode ser melhor em 2023.
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