Scalene sobre “LABIRINTO”: “Algo familiar, mas com uma cara nova”
LABIRINTO, novo álbum da banda Scalene, funciona como um diário-manifesto, o registro de uma identidade construída em mais de 10 anos de carreira e a declaração de uma ambição: não fazer sempre o mesmo.
O disco chega com a promessa de surpresas familiares. Nele, Gustavo, Tomás e Lukão retomam a sonoridade mais pesada que marcou os primeiros trabalhos do grupo – aquele rock mais ruidoso e explosivo -, voltando às origens, mas com novas perspectivas, referências e desafios. Um ciclo refinado de autoconhecimento e descobertas.
O Música Pavê conversou com Lucas Furtado, o Lukão, que contou a respeito do cenário que deu vida à obra, os conceitos que a compõem e os bastidores em torno da produção – uma visita aos labirintos por trás do disco.
Música Pavê: De acordo com vocês, o novo álbum representa mais um passo para fora da zona de conforto da banda. Eu queria saber o que exatamente nesse disco fez com que vocês fossem para ainda mais longe dessa zona de conforto.
Lukão: Eu acho que todo o processo de produção e de composição desse disco foi extremamente desafiador por causa da pandemia. A gente não tinha escolha, teve que se adaptar a formas de trabalho diferentes, como uma pré-produção à distância, bater conceitos e referências sem estar sentado lado a lado conversando no estúdio. Isso por si só já foi extremamente desafiador e totalmente fora do que estávamos acostumados nos últimos treze anos de carreira. Mas acho que essa questão da zona de conforto também está muito ligada a uma coisa que a gente sempre se propôs a fazer, que é nunca se repetir, buscar algo novo, mesmo que seja reinterpretar com nova mentalidade e novas perspectivas. É o que fazemos desde o início do Scalene, e eu acho que esse disco é uma boa representação disso, porque tem muita coisa familiar ali. Tem muita coisa que seria, entre aspas, “zona de conforto”. Mas a gente se colocou numa posição de “Tá, como eu vou interpretar esse conceito, essa ideia ou sonoridade com os meus olhos de agora, com 30 e tantos anos? Como vou reinterpretar isso não da forma que seria mais fácil, de meter umas oitavadas na guitarra, ganho no dez e pronto?!”. É mais: “Como voltar a fazer algo familiar, mas com uma cara nova”.
Música Pavê: Sim! Porque a gente pode buscar familiaridade mesmo na inovação, não é? Acho que nos primeiros singles que eu ouvi desse novo álbum, dá para perceber isso. É nitidamente e tipicamente Scalene, mas com o desafio de relacionar familiaridade e inovação.
Lukão: É, tipo assim, o “Scalene velho”. Chegamos à maturidade, então vamos fazer uma parada séria aqui com essa outra coisa que a gente já sabe fazer.
MP: Você falou que uma das coisas que levou a banda para fora da zona de conforto foi o contexto inevitável da pandemia, certo? Que além de mudar toda a nossa percepção do mundo, nesse caso muda também a logística de como produzir um álbum. Pensando nisso, o que está nesse mundo por trás do cenário que é imaginado em Labirinto?
Lukão: Esse disco com certeza absoluta é o trabalho em que a gente mais buscou referências, mais se aprofundou em coisas que cada um indicou. Isso sempre rola, mas para esse trabalho foi um mergulho muito sinistro, maior do que em qualquer outro. Só que dentro disso, ao mesmo tempo que foi o disco em que mais mergulhamos coletivamente, é o álbum no qual cada um de nós tem uma interpretação sobre o que ele é, sobre o que as músicas são. Interpretações às vezes até bem diferentes, mas que cabem lado a lado. Por exemplo, o que uma música representa para o Tomás não é exatamente o que representa para o Gustavo, e para mim também tem outro sentido. Frases específicas, trechos específicos. Justamente porque cada um trouxe a sua pitada de conhecimento e noção sobre os temas que a gente queria abordar, entendendo que nós passamos por vivências muito diferentes. Isso é uma coisa que ficou muito clara para a gente. Nesse tempo de pandemia, a gente se deslocou uns dos outros – digo, nós da banda, mas todo mundo se colocou fora dos contextos onde sempre esteve. O disco traz um pouco disso. Eu interpreto isso aqui porque a minha vida estava desse jeito quando eu estava escrevendo, mas para os moleques é outra coisa, sacou? É isso. E a gente vai flutuando e navegando por essas questões conceituais e muito pessoais também. O disco na verdade propõe que a pessoa que estiver ouvindo traga a sua própria interpretação. Não é uma coisa do tipo “a gente vai te falar o que é isso aqui”. Algumas coisas são muito claras e outras são como “O que você entendeu? Se é isso que você entendeu, tá ótimo. Não é para mim, mas não tem problema nenhum”.
MP: A ideia é mais ou menos a banda entrando num labirinto e convidando o ouvinte?
Lukão: A proposta, pegando visualmente, é: “Vamos todo mundo nessa aqui. Dá a mão aqui e vamos todo mundo! Quando chegar lá no meio… é cada um por isso. A gente já viu e ouviu várias coisas, agora é cada um por si. Você quer voltar, quer sair, quer se jogar contra a parede? Aí é com você”.
MP: Aproveitando que falamos aqui de raízes, de familiaridade e também do aspecto mais conceitual… É muito clara a distinção na sonoridade desse novo álbum em relação ao trabalho anterior, o disco Respiro (2019). Será que essa identidade sonora reinterpretada tem a ver com os temas ou é ocasional? Porque, por exemplo, acho que cada detalhe acaba contribuindo para a conexão daquilo que a banda está propondo, desde os menores detalhes nos arranjos e na produção. Como todo esse composto sonoro ajuda a convidar os ouvintes para esse labirinto como você disse?
Lukão: Cara, essa é uma pergunta que a resposta talvez seja um pouco decepcionante… É porque não tem muita mística por trás da coisa, sabe? O conceito foi sendo elaborado, desenvolvido e chegou no que ele é (e inclusive continua se desenvolvendo por conta própria até depois de o disco ser lançado) bem depois de as músicas estarem prontas. A gente já tinha demo de tudo e até algumas coisas gravadas, aí o conceito foi se encaminhando e fomos encaixando as coisas que gostaríamos de falar. “Ah, essa música aqui vale a pena falar sobre raiva, sobre luto, sobre droga…” – tudo foi sendo construído, mas não é que uma coisa puxou a outra necessariamente. Como em uma construção, é muito difícil tu ver a casa pronta e falar qual tijolo tu colocou primeiro, o da esquerda ou da direita, tá ligado? Com certeza uma coisa foi puxando a outra alternadamente (uma sonoridade que trazia um tema, ou que trazia outra sonoridade). Isso aconteceu, mas não consigo dizer “a ordem foi essa”. A parada é bem fluída. O que eu posso dizer é que esse disco como um todo propõe que você se permita sentir a emoção que a música está te passando. Se você está agitado, fica agitado. Se está tranquilo, fica tranquilo. Curte da forma que fizer sentido para você. Creio que é essa a filosofia.
MP: É bem interessante pensar na música como uma experiência meio que psicossomática. E o que você pode contar dos bastidores, das personagens envolvidas em tudo isso que foi sendo produzido – da relação de vocês com o pessoal que trabalhou na produção?
Lukão: Cara, essa com certeza é a maior produção do Scalene, pegando o lançamento do disco. É a produção que a gente trabalhou com mais pessoas, mais equipes, mais times. A gente tem o apoio da Slap (o selo da Som Livre que está lançando o disco com a gente), lá eles têm uma equipe de marketing e design absurda que fez a capa (um trabalho primoroso feito com muito carinho). A equipe de mídias digitais, a Noise, a Trovoa (assessoria) e vários outros colaboradores, dando ideias ou botando a mão na massa. Nem consigo lembrar de todo mundo. Isso além de todo mundo que trabalhou na gravação. É muita gente para agradecer! É uma coisa muito forte, de um trabalho que muitos acreditaram e acreditam, permeado por muito carinho e botando a cara para isso acontecer. Dá um quentinho no coração falar a respeito disso, porque não seria metade do que é se não fosse por essa galera que veio e colou junto.
MP: Você falou que é um trabalho que já aconteceu, está acontecendo e vai continuar acontecendo. A partir de LABIRINTO, onde vocês se enxergam nesse cenário agitado da música brasileira recente?
Lukão: Eu acho que Scalene está no lugar de já ser o veterano de uma geração. Tem bandas que são mais veteranas que a gente, com mais tempo de estrada, que fizeram coisas diferentes e vieram antes da gente (tipo Fresno, Glória e o Di Ferrero que está com a carreira solo vindo com tudo). Essa galera veio de uma geração anterior e se estabeleceu. E, agora, Scalene chegou nesse ponto. Nessa geração já somos veteranos. Temos muita história, quinto álbum, muita coisa nas costas. Ao mesmo tempo que existe uma certa responsabilidade nisso, a gente também fica muito tranquilo de saber que foi um trabalho construído com muita garra, fazendo as coisas que tinham que ser feitas, lidando com a carreira de uma forma muito séria. O mundo em volta poderia estar melhor, mas o lugar é bom. É onde eu enxergo que estamos.
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